Anais: Geomorfologia fluvial

Morfodinâmica fluvial no baixo curso do Rio das Velhas: registros de uma mega-calha pleistocênica

AUTORES
Trindade, W.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG/IGC) ; Rezende, E.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG/IGC) ; Ribas, R.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG/IGC)

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a dinâmica fluvial do baixo curso do Rio das Velhas a partir da ocorrência de depósitos preservados em terraços. Os depósitos são constituídos por material típico de leito sobreposto por sedimentos de planície. Ambos ocupam grande extensão areal, atingindo continuidade lateral de 2500 m. Esta continuidade faciológica sugere que os depósitos de leito derivam de um mesmo ambiente fluvial indicando a existência de uma mega-calha durante o pleistoceno.

PALAVRAS CHAVES
terraços fluviais; geomorfologia fluvial; neotectonica

ABSTRACT
The present work aims to analyze the dynamics of the lower course of the Velhas River from the occurrence of deposits preserved in terraces. The deposits consist of typical bed material overlain by floodplain sediments. Both occupy a large areal extent, reaching 2500 meters lateral continuity. This faciological continuity suggests that bed deposits derive from the same fluvial environment indicating the existence of a mega-channel during the Pleistocene.

KEYWORDS
river terraces; fluvial geomorphology; neotectonics

INTRODUÇÃO
Nos últimos anos uma série de estudos envolvendo o levantamento e análise de níveis e sequencias deposicionais vêm sendo desenvolvidos no alto/médio Rio das Velhas (Magalhães Júnior e Saadi, 1994; Santos et al., 2009; Pinto e Magalhães Júnior, 2009; Magalhães Júnior et al., 2011). Por outro lado, no baixo curso desse importante afluente do Rio São Francisco os estudos geomorfológicos são bastante incipientes, apesar existência de extensos depósitos aluviais de elevado interesse para a reconstituição da dinâmica fluvial regional. Nesse sentido, Valadão e Augustin (1994) ressaltam que na porção central do estado de Minas Gerais, a atual configuração da rede hidrográfica da bacia do Rio São Francisco encontra-se inserida em um contexto geológico-geomorfológico privilegiado, oferecendo excelentes condições para reconstruções de caráter paleogeográfico. O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise preliminar da dinâmica fluvial quaternária do baixo curso do Rio das Velhas, a partir da ocorrência de depósitos aluviais preservados na forma de terraços que recobrem uma grande extensão areal. A área de estudo localiza-se entre os municípios de Lassance e Pirapora, região Norte de Minas Gerais e compreende 143 km de canal predominantemente meandrante, que apresenta grande variedade de feições e depósitos fluviais e um forte controle litoestrutural nas proximidades da Serra do Cabral. O segmento em questão se distingue do médio e alto curso do Rio das Velhas por apresentar uma topografia bastante plana, com declividades médias inferiores a 3°. Neste contexto são encontrados depósitos com características aluviais que indicam a ocorrência de paleoníveis deposicionais e fornecem fortes indícios do comportamento e evolução do canal fluvial no Quaternário Superior.

MATERIAL E MÉTODOS
A análise das feições e depósitos tipicamente fluviais encontradas na área de estudo baseou-se em levantamentos de campo, interpretação de imagens multiespectrais do Satélite Landsat TM5 e de alta resolução observadas por meio do Google Earth, estudo de cartas topográficas, mapas geológicos e Modelo Digital de Elevação (MDE). A análise das imagens de satélite permitiu uma prévia identificação de feições tipicamente fluviais. Em campo foram descritos e mapeados os depósitos a fim de identificar fácies fluviais e estabelecer uma correlação entre distribuição espacial dos depósitos, unidades geomórficas/geológicas e o canal atual. Os mapas altimétrico e de declividade foram produzidos a partir de Modelo Digital de Elevação (MDE) extraído por interferometria SAR na missão SRTM (Shuttle Radar Topographic Mission), que forneceu modelos em grade raster de 30 metros, sendo tais dados interpolados e disponibilizados para a América do Sul com resolução de 90 metros. Os dados da missão SRTM utilizados neste estudo foram obtidos sem a interpolação para 90 metros, ou seja, são dados com pixel de 30 metros que fornecem uma informação mais próxima da realidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os depósitos aluviais foram descritos em campo por meio de perfis sendo possível identificar a ocorrência de depósitos de leito sobrepostos por sedimentos de planície com ampla distribuição espacial (figura 1). Os depósitos de leito são constituídos predominantemente por seixos centimétricos de quartzo, bem arredondados e bem selecionados, dispersos em uma matriz areno-siltosa. Este pacote sedimentar está depositado diretamente sobre os siltitos e folhelhos do Subgrupo Paraopeba (Grupo Bambui-Neoproterozóico), em cotas altimétricas que variam de 480 a 500 m. Estes depósitos foram encontrados em ambas as margens do rio apresentando continuidade lateral de aproximadamente 2500 m e espessura média de 5 m. Já os sedimentos típicos de planície constituem um pacote sedimentar de textura areno-siltosa, sem presença de estruturas sedimentares e espessura média de 2 metros, também com ampla distribuição espacial (figura 2). A continuidade altimétrica e faciológica dos depósitos de leito indica que eles devem ter sido depositados em um mesmo período e em um mesmo ambiente. Esse paleoambiente deposicional provavelmente correspondia a uma única calha de largura quilométrica e pequena profundidade. A ocorrência de extensos depósitos aluvionares é um fenômeno regional, que se manifesta também ao longo do Rio São Francisco e de outros dos seus afluentes, como o Rio Jequitaí. Esta sedimentação anômala está contida em uma área deprimida localizada a oeste da Serra do Cabral e delimitada por um extenso lineamento de direção NNE-SSW. Estas observações indicam que a gênese da “mega- calha do baixo Rio das Velhas” provavelmente teve um forte condicionante tectônico, provocado pela subsidência do bloco a NNW do referido lineamento. Corroboram essa hipótese o mapeamento de uma falha normal de direção NNE-SSW na folha Jequitaí (Chaves, 2007), a nordeste da área de estudo, as evidências de tectonismo rúptil quaternário na região, mencionadas por Costa et al. (1998) e a ocorrência no embasamento de uma seqüência de hemigrábens, limitados por horsts (Hercos et al., 2008). A provável subsidência da área, somada à proximidade do nível de base regional, constituído pelo Rio São Francisco, gerou um baixo gradiente a jusante do falhamento. Nesse contexto de baixa energia o Rio das Velhas sofreu uma espécie de “espraiamento”, formando uma extensa calha que apresentava elevada capacidade de transporte, mas competência relativamente baixa. Tais condições provocaram um intenso processo de agradação cujos registros deposicionais estão expostos nos depositos anteriormente descritos. Após a deposição do espesso pacote detrítico um provável rebaixamento do nível de base causou o progressivo encaixamento do canal, o que fez com que este se tornasse mais estreito e profundo, ocupando apenas a faixa central da antiga calha. Com essa nova configuração o rio passou a depositar sedimentos de planície sobre a antiga cascalheira, já que aquelas áreas agora só eram ocupadas nas cheias, com o extravasamento das águas do canal. Além do encaixamento, a ocorrência de oscilações paleoclimáticas com implicações no regime hidrológico do rio também não pode ser descartada para explicar o abandono da antiga calha do Rio das Velhas. Dados apresentados por Magalhães Júnior et al. (2011) para o alto Rio das Velhas indicam uma taxa de encaixamento do canal entre 0,32 m/ka e 0,61 m/ka nos últimos 50 mil anos. Levando em conta que, devido ao seu contexto tectônico/geomorfológico, a taxa de encaixamento do baixo Rio das Velhas deve ser bastante inferior àquelas verificadas em seu alto curso, é possível estimar a idade mínima da mega-calha. Considerando que a incisão vertical do canal foi de aproximadamente 28 m a partir do topo dos depósitos de leito é plausível supor que tais sedimentos sejam anteriores ao Pleistoceno Superior.

Figura 1

Figura-1 demonstrando a localização e contexto geológico/topográfico da área de estudo

Figura 2

Figura 2. Típicos depósitos de leito sobrepostos por sedimentos de planície encontrados na área de estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do caráter preliminar do presente trabalho, o estágio de preservação dos depósitos, a continuidade lateral e distribuição espacial constituem fortes evidências de uma dinâmica fluvial pretérita marcada possivelmente pela existência de uma mega-calha responsável num primeiro momento pela deposição dos sedimentos de leito, seguida da deposição dos sedimentos de planície. Ressalta-se ainda o importante controle tectônico desta sedimentação anômala aqui descrita. A situação topográfica dos depósitos e sua associação com as taxas de encaixamento verificadas no alto curso sugerem que a provável mega-calha tenha uma idade superior a 100 ka.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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