Anais: Geomorfologia fluvial
O megaleque fluvial do rio Cuiabá, Pantanal do Mato Grosso
AUTORES
Pupim, F.N. (IGCE/UNESP) ; Zaparoli, F.C.M. (IGCE/UNESP) ; Assine, M.L. (IGCE/UNESP)
RESUMO
O sistema deposicional quaternário formado pelo rio Cuiabá apresenta padrão de
drenagem distributário, baixo gradiente topográfico e dimensões que permitem
classificá-lo como um megaleque fluvial. O sistema tem ápice encravado em terrenos
pré-cambrianos da borda norte do Pantanal e se estende por cerca de 400 km até a
confluência do rio Cuiabá com o rio Paraguai. Três compartimentos geomorfológicos
foram identificados e caracterizados: a) lobos antigos; b) planície fluvial; e c)
lobos modernos.
PALAVRAS CHAVES
geomorfologia fluvial; megaleque fluvial; rio Cuiabá
ABSTRACT
The Cuiabá fluvial megafan is a Quaternary depositional system located in the
northern portion of the Pantanal of Mato Grosso. Based on remote sensing data
analysis and fieldwork information, three distinct geomorphologic zones were
identified and characterized: a) ancient lobes close to the basin border; b) a
fluvial plain located in the upper fan and displaying a network of meandering and
anabranching rivers; and c) modern depositional lobes in the middle/lower fan
settings.
KEYWORDS
fluvial geomorphology; fluvial megafan; Cuiabá river
INTRODUÇÃO
A concepção de que o Pantanal é uma bacia sedimentar ativa, preenchida por um
amplo trato deposicional dominado por leques e planícies fluviais, é condição
sine qua non para o entendimento das formas e processos geomorfológicos que
modelam a vasta paisagem pantaneira. Dentre os vários sistemas deposicionais, o
do rio Cuiabá é um dos maiores e menos estudados.
O rio Cuiabá, um dos principais afluentes da margem esquerda do alto curso rio
Paraguai, tem suas nascentes na porção norte da Bacia do Alto rio Paraguai.
Percorre grande parte de seu curso sobre rochas pré-cambrianas, assumindo
características tipicamente aluviais na altura da cidade de Santo Antônio do
Leverger, quando o rio adentra na planície do Pantanal.
A delimitação, compartimentação e caracterização geomorfológica do sistema
deposicional quaternário, construído pelo rio Cuiabá na borda norte do Pantanal
Mato-Grossense, são os objetivos deste trabalho.
MATERIAL E MÉTODOS
A delimitação do sistema deposicional do rio Cuiabá e a compartimentação
geomorfológica foram realizados por meio do reconhecimento de elementos
morfológicos, padrões de canais atuais e relictos e mapeamento de zonas
homólogas em produtos de sensoriamento remoto. A interpretação em imagens de
satélite foi validada em levantamentos de campo e sobrevôo.
Produtos de sensores remotos de diversas fontes foram utilizados para a
identificação dos elementos morfológicos, tendo sido aplicadas várias técnicas
de processamento digital das imagens: a) imagens coloridas SPOT de 2006; b)
imagens Landsat-5 de diferentes datas (1984 e 2011), processadas por Análise de
Principais Componentes Seletivas (ACPS) e composição “falsa cor” (7R4G3B); c)
imagens GeoCover Landsat-7 (Circa 2000); e d) modelos digitais de elevação (MDE)
construídos com dados SRTM/NASA obtidos em 2000.
Em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG), os dados foram
armazenados e processados, tendo sido organizado um banco de dados
georreferenciado segundo o datum WGS-84. Ferramentas de edição do software
ArcGIS foram utilizadas para delimitação dos compartimentos geomorfológicos e
elaboração de layouts. Ferramentas do software ENVI foram utilizadas para
processamento das imagens utilizadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O sistema deposicional quaternário formado pelo rio Cuiabá ocupa área de
aproximadamente 14.580 km² na porção norte da planície do Pantanal. O padrão
geral de drenagem permite classificar o trato deposicional como um grande
sistema fluvial distributário, com um rio principal cujo canal muda diversas
vezes seu estilo, da sua entrada no Pantanal até sua confluência no rio
Paraguai.
Devido ao padrão distributário de sua drenagem, à grande área e ao gradiente
topográfico baixo, o sistema pode ser classificado, na acepção de Horton &
DeCelles (2001), como um megaleque fluvial. Suas altitudes variam de cerca de
160 m no ápice, situado a norte nas proximidades da cidade de Santo Antônio do
Leverger, a 95 m na franja do leque, onde há a confluência com o rio Paraguai.
Os gradientes topográficos são baixos, decrescentes de montante para jusante, de
10,2 a 5,6 cm/km ao longo dos 400 km do curso do rio Cuiabá no Pantanal
(Adámoli, 2000).
Três compartimentos distintos em termos morfológicos e sedimentológicos foram
reconhecidos: a) lobos antigos; b) planície fluvial; e c) lobos modernos (Figura
1).
O compartimento dos lobos antigos apresenta morfologia típica de leque, com
paleocanais distributários radiais a partir do ápice situado no contato com
áreas mais elevadas da superfície cuiabana, uma superfície de aplainamento
modelada sobre terrenos pré-cambrianos. A superfície dos lobos encontra-se em
dissecação por canais atuais que drenam as águas de inundação para sul. Neste
compartimento, as inundações são de magnitude temporal menor. Estima-se idade
pleistocênica para os lobos antigos por correlação com formas similares
existentes no megaleque do rio São Lourenço (Corradini, 2011).
A planície fluvial do rio Cuiabá está alojada em um vale na parte superior do
megaleque, entre sedimentos mais antigos dos lobos abandonados (a sudoeste) e
rochas pré-cambrianas do embasamento da bacia (a nordeste), que podem apresentar
delgada cobertura de sedimentos aluviais depositados por riachos provenientes de
norte. A planície apresenta dois estilos fluviais distintos. Na porção superior,
o canal principal apresenta padrão meandrante com direção NW-SE e a planície tem
sua largura gradativamente ampliada de 1 para 15 km, da montante para jusante.
Nas imediações da Baia Chacororé, devido à presença de serras orientadas na
direção NE, o rio Cuiabá sofre uma deflexão de 90° para SW. Uma bifuracação do
canal existe logo após a deflexão, sendo o canal secundário denominado rio
Piraim. A planície se torna mais larga, com cerca de 20 km, e encontra-se
delimitada por terraços marginais esculpidos nos sedimentos dos lobos antigos do
Cuiabá (noroeste) e do megaleque do São Lourenço (sudeste). Nesta porção
inferior, o rio Cuiabá apresenta frequentes divisões e confluências em seu
canal, caracterizando-se como um rio multicanais (anabranching). O rio Cuiabá
corre no lado direito da planície em toda porção inferior, enquanto que o rio
Piraim o faz pelo lado esquerdo, até formarem novamente um único curso d’água.
Após a confluência do Piraim, o rio Cuiabá entra no compartimento dos lobos
modernos, uma área de padrão de drenagem divergente que experimenta inundações
de grande magnitude e duração. Neste compartimento, o padrão do canal do rio
Cuiabá volta a ser meandrante e destaca-se o complexo canal-dique marginal, que
se apresenta mais elevado que as planícies do entorno. Comportamento esse também
relatado para o rio Taquari (Assine, 2005).
Na porção distal dos lobos modernos a sinuosidade do canal principal diminui e a
presença de lagoas e áreas alagadas é mais constante, sendo esse o principal
sítio de sedimentação dos lobos modernos. Além do canal principal, há uma
numerosa rede de paleocanais distributários que bifurcam e se interconectam
várias vezes e que atualmente funcionam como áreas preferenciais para o fluxo
das águas durante as cheias.
Figura 1
Mapa dos compartimentos geomorfológicos do megaleque
do Cuiabá.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O rio Cuiabá apresenta formas, dimensões e padrão de drenagem que permite sua
classificação como megaleque fluvial. Três compartimentos geomorfológicos
distintos foram reconhecidos em função de diferentes características morfológicas
e sedimetológicas: a) lobos antigos; b) planície fluvial; e c) lobos modernos.
O compartimento dos lobos antigos apresenta morfologia e paleodrenagem
características de leques aluviais. A planície fluvial apresenta dois estilos
fluviais, de canal meandrante na porção superior e de rio multicanais
(anabranching) na porção inferior. Nos lobos modernos, compartimento mais extenso
do sistema, o rio Cuiabá apresenta-se como complexo de canal e diques marginais,
de alta sinuosidade (meandrante), enquanto a maior parte da superfície do
compartimento é caracterizada por numerosa rede de paleocanais distributários, que
se destacam numa ampla planície deposicional com inúmeras lagoas, palco de
frequentes inundações.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pela concessão de bolsas (doutorado e produtividade) e apoio ao projeto de
pesquisa 484300/2011-3 - "Sedimentologia dos megaleques fluviais dos rios Cuiabá e
São Lourenço, Pantanal Mato-Grossense". Ao Programa de Pós-graduação em
Geociências e Meio Ambiente, pelo auxílio e infraestrutura. À RPPN SESC PANTANAL,
pelo apoio em atividades de campo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
Adámoli, J. O limite sul do Pantanal. In: III Simpósio sobre recursos naturais e sócio-econômicos do Pantanal. Corumbá: 2000, p. 1-15.
Assine, M.L. River avulsions on the Taquari megafan, Pantanal wetland, Brazil. Geomorphology, 70: 357-371, 2005.
Corradini, F.A. Geomorfologia fluvial, mudanças ambientais e evolução do megaleque do rio São Lourenço, Quaternário do Pantanal Mato-Grossense. Rio Claro, UNESP/IGCE, Tese de Doutorado, 2011, 164p.
Horton, B.K. & DeCelles, P.G. Modern and ancient fluvial megafans in the foreland basin system of the central Andes, southern Bolivia: implications for drainage network evolution in foldthrust belts. Basin Research, n. 13, p. 43-63, 2001.