Anais: Geomorfologia fluvial

AJUSTE DE CANAIS À JUSANTE DE BARRAMENTOS EM ÁREAS SEMIÁRIDAS: RIO JAGUAIBE, CEARÁ, BRASIL

AUTORES
Almeida Cavalcante, A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Baptista da Cunha, S. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE)

RESUMO
Este trabalho discute o ajuste do canal do rio Jaguaribe-Ce, levando em consideração os efeitos da barragem do Castanhão. Foram instaladas 11 estações para coleta de dados de perfis transversais e taxas de recuo de margens. Dos resultados obtidos verificou-se a progressiva redução do nível de base em grande parte das estações, destacando-se maiores taxas no recuo de margens (15 m/ano) em áreas mais próxima à barragem do Castanhão que tem alterado significativamente as formas de áreas à jusante.

PALAVRAS CHAVES
Ajuste de canais; Semiárido; rio Jaguaribe

ABSTRACT
This research discusses the adjustment of the Jaguaribe river considering the effects promoted by Castanhão dam. It was installed 11 stations to monitoring evolution of the transversal profiles and bank erosion rates between 2009 and 2011. The results presented decreasing base level in the most of stations and stronger bank erosion processes (15 m/year) closer to the Castanhão dam. Such changes may related with adjustment because the dam.

KEYWORDS
Adjustment of channels; Semi-arid; Jaguaribe river

INTRODUÇÃO
Os processos erosivos nas margens dos canais fluviais se processam de modo contínuo e espontâneo pela ação das correntes dos rios, estando diretamente associada às alterações provocadas no interior das bacias hidrográficas, a exemplo da construção de reservatórios e do desenvolvimento das planícies de inundação, podendo ser potencializados pela ação das ondas imediatamente à jusante das barragens (COELHO, 2007, 2008). Em geral, áreas semiáridas são caracterizadas pela predominância de baixa coesão das margens (SHUMM, 1961; SUMMERFIELD, 1991), o que reflete em ajustes pela largura, fazendo com que os canais sejam largos e rasos. Na perspectiva de Schumm (1961), as margens do canal seriam ponto fundamental no ajuste transversal e, neste caso, não apenas a composição litológica e pedológica, mas o estado de conservação da mata ciliar seria relevante no processo evolutivo. Considerando as particularidades dessas áreas, o barramento de cursos d’água pode influenciar, sobremaneira, na evolução desses ambientes, promovendo alterações em médio-longo prazo, as quais podem refletir em mudanças de usos dessas áreas. O Ceará é um dos Estados brasileiros que mais tem investido na política de açudagem (barramentos) para fins de abastecimento humano e desenvolvimento agrícola. Nesse Estado são mais de 17.000 reservatórios entre pequeno, médio e grande porte (COGERH, 2008), em que o Castanhão se destaca como o de maior representatividade na bacia do rio Jaguaribe. Porém, todo esse investimento também tem sido acompanhado pelo desenvolvimento de processos de erosão e assoreamento do canal, reflexos do ajuste do rio frente às novas condições impostas pelo grande número de barramentos e uso descontrolado de margens. Baseado nessas considerações, este trabalho propõe discutir a atuação dos processos erosivos marginais em canais semiáridos brasileiros, considerando a interferência dos barramentos, tendo como estudo de caso o rio Jaguaribe no Estado do Ceará.

MATERIAL E MÉTODOS
O rio Jaguaribe engloba uma bacia de 74.000 km² que ocupa cerca de 50% do Ceará. Localiza-se na porção leste do Estado e é responsável pela maior fonte de recursos hídricos deste. Neste trabalho foi realizado o acompanhamento de 11 estações, distribuídas em quatro trechos, em que foram coletados dados de perfis transversais em períodos pré e pós-estação chuvosa dos anos de 2009 e 2010 (Figura 1). Além destes, para a identificação dos processos erosivos nas margens foram estabelecidas 5 estações de monitoramento mediante a instalação de pinos de erosão. Tais estações foram escolhidas de modo a representar o comportamento diferenciado de margens de acordo com os critérios: coesão e cobertura vegetal. Desse modo, teve-se como amostragem margens: coesas vegetadas; coesas não vegetadas ou parcialmente vegetadas; não coesas e não vegetadas ou parcialmente vegetadas; e relativamente coesas e parcialmente vegetadas. Com base nos pinos, a taxa de recuo de margens foi quantificada em períodos sazonais, bem como definida uma aproximação do volume de sedimentos erodidos no barranco utilizando as equações propostas por Fernandez (1990) conforme segue: Em=(L1-L0)/t e Me=H×Er×Em, Onde: Em é a magnitude de erosão (cm/mês); L1 é o comprimento do pino exposto pela erosão (cm); L0 é o comprimento do pino exposto inicialmente (10 cm); Me é volume de material erodido (m³/ano); H é altura do barranco; Er é erosão média anual (m/ano); Em é extensão lateral instrumentada (m).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A variação da capacidade do canal, mostrou que os processos deposicionais foram mais evidentes que os de erosão em um ano de acompanhamento, evidenciando-se que o ajuste tem se realizado essencialmente pelas margens, em especial onde a cobertura vegetal encontra-se alterada. Nos trechos 3 e 4 a capacidade do canal variou entre 149 m² a 29,2 m² regressivamente de montante para jusante (Figura 1), embora seja sabido que os processos deposicionais sigam uma tendência a ser crescentes de montante para jusante. Acredita-se que a diminuição dos processos deposicionais de montante para jusante nesse trecho, possa estar relacionada ao elevado número de passagens molhadas concentradas em pequenas distâncias e ao estado de conservação de margens. De acordo com os perfis e pinos de erosão, as maiores evidências de erosão de margens foram constatadas nas estações 2 e 10, que distam ~23 km e ~112 km da barragem do Castanhão respectivamente (Tabela 1). Note que os maiores índices de erosão foram identificados em margens mais elevadas com vegetação rala ou esparsa. Além dessas evidências, um mapeamento comparativo do canal para os anos de 1958, 1988, 2003 e 2010 mostrou taxas de recuo de margens para a seção 2 da ordem de 8 m ano-1, tendo tais taxas aceleradas em duas vezes a partir de 2003. Embora a maior parte dos estudos mostre que à jusante de barramentos o canal passe por ajustes, de modo especial pela erosão de fundo, vale ressaltar que a deficiência de sedimento provocada pelo barramento gerando tal erosão, pode ser suprida pelas margens (GALAY, 1983), e nesse caso, o ajuste se dará pelo alargamento destas ao invés da erosão pelo fundo. Wolman e Gerson (1978) sugeriram que em sistemas fluviais de áreas áridas e semiáridas com vegetação esparsa, grandes enchentes podem produzir grandes efeitos geomórficos em razão de tais sistemas não possuírem vegetação suficiente para proteger as margens, fazendo destas áreas ambientes altamente sensitivos aos efeitos de grandes fluxos (TOOTH, 2000a). No rio São Francisco, Holanda et al. (2005) identificaram que margens com predominância de silte e argila, e predominância de grama e vegetação esparsa tiveram erosão em menor intensidade quando comparadas àquelas com predominância de silte e areia fina. Ainda assim, tais taxas (4,45 m ano-¹) quando comparadas as da maioria dos rios em áreas temperadas (0,06 – 2,4 m ano-1), mostram que áreas semiáridas podem experimentar mudanças mais acentuadas no recuo ou aumento de margens, reposicionando o canal com maior facilidade. Comparando as duas seções que sofreram maior erosão (2 e 11) nota-se que a vegetação parece representar o ponto chave no controle da erosão seguida da composição das margens. Embora a seção 11 apresente margem com 60% de silte e argila, a ausência de vegetação associada à altura do barranco faz este setor ser propício à erosão em vazões de margens plenas (bankfull). Apesar dos processos relacionados à participação da vegetação nas alterações da morfologia de canais sejam pouco conhecidos (THORNES, 1994), muitos canais em áreas semiáridas têm mostrado serem suscetíveis aos efeitos erosivos de grandes inundações, devido à relativa escassez de vegetação (WOLMAN e GERSON, 1978). Mesmo os canais bem vegetados (com árvores, arbustos e gramas) são, algumas vezes, sujeitos à mudanças relacionadas à inundações em razão da concentração da vegetação próxima ao canal principal (TOOTH, 2000a). Em contraste, em áreas temperadas e tropicais úmidas a vegetação não pode agir como principal fator morfogenético na escala do corredor fluvial (CORENBLIT et al., 2007).

Figura 1

Figura 1 – Localização da área e espacialização dos pontos de monitoramento por trechos.

Tabela 1

Tabela 1 – Aspectos da erosão de margens de acordo com os pinos de erosão (Ver Figura 1).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os perfis topográficos realizados ao longo desse trecho em períodos sazonais apontaram para a gradativa redução da capacidade do canal, indicando que o rio tende a passar por uma lenta, mas progressiva redução de seu nível de base, dada a redução da capacidade e competência do rio. Estas evidências entram em consonância com o fato de que o crescente número de barramentos desde a década de 1960, e mais recentemente o controle de inundações no baixo Jaguaribe pela barragem do Castanhão, têm gerado mudanças no regime de fluxo de água e sedimento em toda essa área. Por outro lado, evidenciou-se processos erosivos acelerados no trecho 1, ressaltando possíveis interferências da barragem do Castanhão sobre o canal que busca novas formas de ajuste. Porém, somente a continuidade no acompanhamento do estado erosivo poderá esclarecer se de fato a barragem é causadora desse ajuste.

AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa de estudos no Brasil e Exterior. À Universidade Estadual do Ceará e Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Ocânica (LGCO-UECE).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
COELHO, A.L.N. Alterações Hidrogeomorfológicas no Médio-Baixo Rio Doce-ES. Niterói-RJ: 2007, 228p. Tese (Doutorado em Geografia), Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
COELHO, A.L.N. Geomorfologia Fluvial de rios Impactados por Barragens.1Caminhos de Geografia Uberlândia. v. 9, n. 26, p. 16 – 32, 2008.
COGERH. Companhia e Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará. www.cogerh.com.br. Acessado em 14 de agosto de 2008.
CORENBLIT, D., TABACCHI, E., STEIGER, J., e GURNELL, A. M. Reciprocal interactions and adjustments between fluvial landforms and vegetation dynamics in river corridors: A review of complementary approaches. Earth-Science Reviews. 84(1-2), p.56-86, 2007.
FERNANDEZ, O.V.Q. Mudanças no Canal Fluvial do rio Paraná e Processos Erosivos nas Margens: região de Porto Rico-PR. Rio Claro: 1990, 86p. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Geocências. UNESP, Rio Claro, 1990.
GALAY, V. J. Causes of river bed degradation. Water Resources Research, (19), p.1057-1090, 1983.
HOLANDA, F. S. R., SANTOS, L. G. C., SANTOS, C. M., CASADO, A. P. B., PEDROTTI, A., e RIBEIRO, G. T. Riparian Vegetation affected by bank erosion in the lower São Francisco River, Northeastern Brazil. R. Árvore, 29(2), p.327-336, 2005.
SCHUMM, S.A. Effects of Sediment Characteristics on Erosion and Deposition in Ephemeral Stream Channels. Professional Paper. United States Geological Survey. 352C, p. 31-70, 1961.
SUMMERFIELD, A. Michael. Global Geomorphology – an introduction to the study of landforms. Endinburgh, England: Prentice Hall, 1991.
THORNES, J. B. Channel processes, evolution and history. In A. D. ABRAHAMS e A. J. PARSONS (Eds.), Geomorphology of Desert Environments. London: Chapman and Hall, 1994. p. 288-317.
TOOTH, S. Downstream changes in dryland river channels : the Northern Plains of arid central Australia. Geomorphology, 34, p.33-54, 2000b.
TOOTH, S. Process, form and change in dryland rivers: a review of recent research. Earth-Science Reviews, 51, p.67-107, 2000a.
VETTER, C. P. Twenty years of sediment work on the Colorado River. State University of Lowa, Ames, 1952. 426p.
WOLMAN, M. G. e GERSON, R. Relative scales of time and effectiveness of climate in watershed geomorphology. Earth Surface Processes and Landforms, 3, p.189-208, 1978.