Anais: Geomorfologia fluvial

MUDANÇAS NA TIPOLOGIA DO CANAL FLUVIAL: O CASO DO CÓRREGO TUCUM – SÃO PEDRO/SP.

AUTORES
Valezio, E.V. (UNICAMP) ; Perez Filho, A. (UNICAMP)

RESUMO
Canais fluviais se colocam como elementos fundamentais para o entendimento de dinâmicas tanto naturais quanto humanas. A mudança em sua forma acaba por apresentar a incidência de diversos processos que, ao se confluírem, atuam na reconfiguração dos canais fluviais e da morfologia da paisagem. Para análise desse comportamento, assume-se como esfera de análise o córrego Tucum, em São Pedro/SP, que, ao longo das ultimas décadas, vem se reconfigurando por questões naturais e antrópicas.

PALAVRAS CHAVES
Córrego Tucum; Canal Fluvial; Geomorfologia Fluvial

ABSTRACT
River Channels show themselves as key elements for understanding the natural and human dynamics. Its forms changing shows the incidence of various processes that, when converging, act directly on the reconfiguration of the river channels and the morphology of the landscape. To analyze this behavior, the stream Tucum is assumed as an analysis sphere, in São Pedro/SP, which over the past decades has been reconfigured by both natural and anthropogenic issues.

KEYWORDS
Stream Tucum; River Channel; Fluvial Geomorphology

INTRODUÇÃO
Ao se conceber como modificadores morfológicos, os canais fluviais estão intimamente ligados a um complexo de processos que a ele se associam sistemicamente. À medida que ocorre a ruptura do equilibrio, o canal tende a reordenar suas variavéis, tendo os reflexos sobrepostos à mudança de sua tipologia. O favorecimento de processos erosivos, que para Bigarella et. al. (1996) se processariam de forma normal, quando associados a dinâmica de escala da natureza, e acelerados, quando ligados tanto a fatores climaticos como antrópicos, é uma das forças envolvidas nesse ajustamento do canal fluvial. Segundo Penteado (1976), a atuação antrópica age como um grande fator de morfogênese, em especial nas áreas mais suscetíveis a erosão, como a Depressão Periférica Paulista, área na qual se localiza a bacia hidrográfica do Córrego Tucum. Jorge (2011) aponta essa ação como capaz de modificar o relevo e proporcionar alterações fisiográficas na paisagem por meio da retificação dos canais fluviais ou mesmo na criação de grandes depósitos antrópicos. Para Sanchez (1971), as feições erosivas evoluem devido ao rompimento do equilibrio natural e à pouca resistência dos terrenos, que, no caso, se associam à Formação Botucatu e Pirambóia e sua evolução pedogenética, marcada pelos NEOSSOLOS QUARTZARÊNICOS. Conforme aponta Guerra e Cunha (1998), os padrões de canais estão diretamente ligados ao tipo de carga detrítica associada. Em canais meandrantes, o alto teor de argila e silte são agentes importantes na geometria do canal, assim como nos rios entrelaçados cuja carga, preponderantemente arenosa, interfere na dinâmica do rio. Bridge (2002) correlaciona os padrões entrelaçados com áreas onde a taxa de deposição é elevada, onde a energia do fluxo é incipiente para carreá-los, construindo-se, assim, depósitos aluviais. Assim como no córrego Tucum, os canais fluviais e suas respectivas tipologias refletem uma contínua busca por equilíbrio, moldando suas formas e processos.

MATERIAL E MÉTODOS
Com base na abordagem sistêmica, apresentada por Bertalanffy (1973), este trabalho leva em consideração a atuação do homem como agente de morfogênese, já que este é suficiente para alterar o balanço de energia e matéria, reorganizando as variáveis e, consequentemente, aumentando sua complexidade. Christofoletti (1999), ao abordar essa questão, coloca o homem como preponderante para a configuração dos sistemas controlados, já que produz modificações na distribuição de matéria e energia, influenciando, assim, nas formas produzidas. Para o entendimento da dinâmica fluvial do Córrego Tucum ao longo dos últimos quarenta anos, foram utilizadas fotografias aéreas não orbitais datadas de 1962, 1972 e 2000, em escalas aproximadas de 1:25.000 e 1:30.000. A restituição dos canais tributários, da planície fluvial e do canal fluvial principal foi feita por meio de esteroscópio de espelho, contribuindo fundamentalmente para a análise e interpretação das alterações do córrego. O trabalho contou também com a construção do perfil longitudinal do canal fluvial, que, com o auxilio de GPS e altímetro, nos forneceu bases para a análise e interpretação do córrego Tucum ao longo das ultimas décadas. Foram percorridos 4.500 metros de seu baixo curso ao seu alto curso, constando as formas presentes, a disposição dos materiais e a ação das águas na distribuição da carga detritica. Soma-se a isso a confecção dos perfis das vertentes no baixo, médio e alto curso, agregando informações quanto a sua dinâmica. Os perfis das vertentes e do canal principal se baseiam na Folha topográfica (1978) e em trabalho de campo realizado em 2012, explicitando a dinâmica por ele produzida e a ele imposta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O papel das condicionates litoestruturais e pedológicas aliadas à ação antrópica promove a deflagração dos processos erosivos e, consequentemente, um maior fornecimento de carga detrítica aos canais fluviais. A receptividade da carga sedimentar se dá pela confluência de fluxos do escoamento superficial, direcionadas às vertentes nas cabeceiras, ocasionadas pela presença de arruamentos urbanos e pela fragilidade dos solos locais, que contribuem para a instalação de bancos aluvionares e detríticos no córrego ao longo das últimas décadas. Por meio da análise e interpretação das fotografias aéreas e do perfil longitudinal do canal fluvial, fica nítida a busca do córrego Tucum por um novo estágio de equilíbrio de suas variáveis. Tal constatação parte da análise de efetivação de maiores quantidades de bancos detriticos no médio e baixo curso, no momento atual, quando comparados ao período de 1962. As preposições levantadas correspondem ao avanço da malha urbana sobre a cabeceira do córrego Tucum, que, por meio de sua expansão, orienta seus fluxos diretamente para os canais fluviais, originando sulcos, ravinas e voçorocas. Mathias (2011) constata intervenções consideráveis quanto ao uso e ocupação da terra. Em 1962, havia predominantemente a presença de pastagem nas áreas de cabeceira, enquanto atualmente se consumam como depósito de construção civil e outros materiais ligados ao consumo humano. A reorganização do uso e ocupação das terras na bacia hidrográfica permitiu, ao longo das ultimas décadas, um fornecimento maior de material sedimentar ao córrego Tucum, resultando na formação de pequenos terraços fluviais, aumento dos bancos sedimentares no médio e baixo curso, modificando a forma do canal. Embora tenha se mantido predominantemente entrelaçado no período estudado, é perceptivel, por meio da elaboração de seu perfil longitudinal, sua forma atual. Conforme aponta Culling (1957, apud Christofoletti, 1981), as alterações externas ao ambiente fluvial repercutem nas caracteristicas e na forma do perfil. Caso as mudanças ultrapassem o limite de absorção, o perfil passará por nova fase e sua forma se reajustará em função das novas condições empregadas. No alto curso predomina a erosão pela incisão do canal até as rochas da Formação Pirambóia. No médio curso, tendo em vista o aumento da carga sedimentar, o rio passa a depositar em maior escala, formando os primeiros bancos de areia. Nesse ponto foi possivel constatar, com base na elaboração do perfil longitudinal, a presença de um nível de base temporário, efêmero quanto à evolução das dinâmicas do córrego Tucum. No baixo curso, tais bancos arenosos são formas frequentes resultantes do processo de sedimentação, dando nova configuração ao canal fluvial devido ao processo de deposição. A construção da Rodovia Geraldo de Barros, que liga São Pedro à Charqueada, foi outro fator considerado nas novas dinâmicas associadas ao córrego Tucum. A construção de dutos para o fluxo de água sob a Rodovia permitiu o reajustamento rápido do canal neste ponto, tendo o balanço sedimentológico alterado e, conforme constatado pelo perfil longitudinal, obteve-se acúmulo de 3 metros de material depositado, quando comparado a décadas passadas. Já à jusante, na confluência do córrego Tucum com o Araquá, verificou-se elevação de cerca de 2 metros devido à receptividade de maior carga sedimentar e respectiva deposição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mudanças dos bancos detríticos e aluvionares são processos rotineiros ao córrego Tucum nos períodos analisados. Seu entrelaçamento atual reflete a dinâmica tanto por ele imposta e recebida ao longo das últimas décadas, sendo, por meio da fragilidade do solo e o avanço da malha urbana em sua bacia hidrográfica, fortes condicionantes de sua tipologia. Com o passar do tempo, o canal fluvial tendeu a reorganizar suas formas para se adaptar a esse aporte de material sedimentar, reflexo da maior erosão no alto curso e maior deposição no baixo, quando postos em comparação o período de aproximadamente 40 anos. Desta forma, por meio de diversas técnicas de análise e interpretação, é possível ordenar os fatos ocorridos na bacia hidrográfica e seus reflexos na fisionomia e evolução horizontal e vertical do canal fluvial, peça fundamental em estudos de Geomorfologia Fluvial.

AGRADECIMENTOS
Externamos nossos agradecimentos à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo financiamento do projeto de iniciação científica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BERTALANFFY, L. Von. Teoria Geral dos Sistemas. Tradução de F. M. Guimarães. Petrópolis: Editora Vozes, 1973.

BIGARELLA, J. J., BECKER, R. D., PASSOS, E. Estrutura e Origem das Paisagens Tropicais e Subtropicais: Florianópolis: Editora UFSC, V. 2, 1996.

BRIDGE, J. S. Rivers and Floodplains: forms, processes, and sedimentary. Oxford, UK: Blackwell Science, 2002.

CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia Fluvial. São Paulo: Edgard Blucher, 1981.

CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de sistemas ambientais. São Paulo: Edgard Blucher, 1999.

GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. da. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 3ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

JORGE, M. do C. O. Geomorfologia Urbana: Conceitos, metodologia e teorias In: Guerra, A. J. T. (org.). Geomorfologia Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

MATHIAS, D. T. Proposta de recuperação de áreas peri-urbanas erodidas com base em parâmetros hidrológicos e geomorfológicos: córrego Tucunzinho (São Pedro/SP). Dissertação de Mestrado. UNESP/ IGCE – Rio Claro, 2011.

PENTEADO, M. M. A Geomorfologia no planejamento do meio ambiente (geomorfologia ambiental). Noticia Geomorfológica, vol. 16(31), p. 5-15, 1976.

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