Anais: Geomorfologia fluvial
CLASSIFICAÇÃO DE SEGMENTOS MORFOLÓGICOS DO ALTO CURSO DO CÓRREGO DA ÁGUA ESCURA – SERRA DE SÃO JOSÉ/MG
AUTORES
Marques, C. (UFMG) ; Filizzola, B. (UFMG) ; Alvarenga-silva, C. (UFMG) ; Magalhaes-jr, A. (UFMG) ; Felippe, M. (UFJF)
RESUMO
A partir de levantamentos detalhados de campo, o trabalho apresenta a
classificação de segmentos morfológicos do leito menor do alto curso do Córrego da
Água Escura, (Serra de São José-MG). O Córrego enquadra-se no que é chamado de rio
montanhoso, justificando sua escolha como referência, da proposta de classificação
morfológica de Montgomery e Buffington (1997). Foram identificados segmentos
fluviais que retratam as variações nas condições de energia ao longo do perfil
longitudinal.
PALAVRAS CHAVES
Compartimentação; Canais fluviais; Serra de São José
ABSTRACT
Through field surveys, this article aims to present a morphological bed
classification of the upper Córrego da Água Escura, (Serra de São José ridge-
MG).The creek, as reported in the literature, is a mountainous stream, justifying
the use of Montgomery and Buffington (1997) proposal of fluvial bed morphological
classification. Were identified fluvial segments that reflect the flow energy
variations along the longitudinal profile.
KEYWORDS
Classification; Fluvial streams; São José ridge
INTRODUÇÃO
O estudo dos canais fluviais é recorrente nas pesquisas geomorfológicas. Este
quadro pode ser explicado devido ao papel fundamental dos sistemas fluviais na
esculturação das paisagens a partir de suas interações com os demais fatores do
quadro físico e ambiental. O conhecimento sobre as características dos sistemas
fluviais, como os aspectos morfológicos e a estrutura de funcionamento, é,
portanto, essencial para a adequada compreensão da dinâmica dos processos
geomorfológicos e para a configuração do relevo.
O objetivo geral desse trabalho é definir e interpretar os padrões morfológicos
encontrados no leito menor do alto curso do Córrego da Água Escura, visando
estabelecer um quadro-base de informações que possam ser verticalizadas
posteriormente. O trabalho foi realizado com base em levantamentos de campo,
adaptando-se a metodologia de classificação de calhas fluviais de Montgomery e
Buffington (1997).
O Córrego da Água Escura localiza-se na Serra de São José, no município de
Prados (21°03’13.99” S e 44°05’24.23” W), MG (Figura 1). O clima da área é
mesotérmico brando, com médias térmicas entre 10° e 15°C e 4 a 5 meses secos no
ano (IBGE, 2002). A Floresta Estacional Semidecidual e a Savana Gramineo-Lenhosa
correspondem às coberturas vegetais predominantes na área estudada (IBGE, 2004).
Em relação ao relevo regional, o Planalto dos Campos das Vertentes apresenta
colinas e morros convexo-côncavos típicos de um domínio de mares de morro, com
cotas altimétricas entre 400 e 1300 metros (IBGE, 2006). Localmente, a Serra de
São José apresenta vertentes assimétricas, configurando-se uma escarpa vertical
na porção voltada para sudeste e sul. A Serra está modelada nos metarenitos
mesoproterozóicos da Formação Tiradentes, a qual apresenta contatos de falhas
com as demais formações do Grupo São João Del Rei (RADAMBRASIL, 1983 apud SILVA,
2004). Saadi (1991) propôs a ação de tectônica cenozóica ressurgente na dinâmica
geomorfológica das adjacências da Serra de São José.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi baseado em levantamentos de informações em trabalhos de campo.
Foi realizada uma etapa preliminar de pesquisa bibliográfica, envolvendo a busca
de materiais cartográficos referentes à área de estudo e referências sobre
propostas de classificação e caracterização de cursos d´água de contextos
montanhosos. Posteriormente foram realizadas duas campanhas de campo.
Foram utilizadas, como documentos cartográficos de base, a carta topográfica de
Tiradentes SF-23-X-C-II (IBGE, 1974), na escala de 1:50000, além da plataforma
Google Earth. Para a confecção do perfil longitudinal (Figura 2), foi adotada a
representação gráfica de Rosgen para classificação de canais (ROSGEN, 1996).
Como referencial teórico, adotou-se a metodologia proposta por Montgomery e
Buffington (1997), a qual foi adaptada à realidade local. Os autores elaboraram
uma classificação morfológica de canais fluviais de áreas montanhosas,
identificando sete tipos distintos: leito coluvial, leito rochoso, e cinco tipos
de leitos aluviais: em cascata (cascade), degrau-poço (step-pool); leito plano
(plane bed); poço-elevações, também conhecidos na literatura nacional como poço-
corredeira (pool riffle) e leito ondulado com dunas e ripples (dune ripple).
Adicionalmente, em campo, foram feitos registros fotográficos e a coleta de
pontos de GPS.
Diante do foco do trabalho, voltado à classificação dos padrões morfológicos do
leito menor, as atenções foram direcionadas, principalmente, à caracterização
das formas e materiais característicos do leito estudado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perceberam-se variações significativas nas características físicas ao longo dos
segmentos do trecho fluvial investigado (Figura 2).
No alto curso do Córrego da Água Escura, nas áreas de cabeceira (altitude de
cerca de 1065 m), o canal apresenta um caráter essencialmente rochoso, em um
contexto com elevadas declividades. Este trecho foi classificado como “Segmento
Rochoso”, sendo marcado, em sua parte inicial, por escoamento confinado e
fortemente encaixado, limitado por vertentes escarpadas, O padrão sugere um
forte controle estrutural que condiciona as margens com cerca de 30 metros de
altura e distanciamento de 5 metros.
A drenagem no Segmento Rochoso é caracterizada por uma sucessão de rupturas de
declive (knick points) na forma de degrau-poço. O contexto extrapola a proposta
de Montgomery e Buffington (1997), pois os autores consideram a ocorrência de
degraus-poço como uma feição particular de leitos aluviais (e não rochosos).
À jusante (cotas em torno de 1015 a 1000 m), as declividades são menos
acentuadas e percebe-se uma mudança significativa nos padrões morfológicos do
curso d´água. O leito, até então predominantemente rochoso, passa a apresentar
ambientes favoráveis à deposição aluvial, caracterizando o Segmento de
Transição. É possível identificar a presença significativa de sedimentos de
textura grosseira, que chegam a até 35 cm de comprimento. Esses seixos e
matacões arredondados foram possivelmente transportados em períodos anteriores,
não refletindo a dinâmica fluvial atual, já que o curso d´água não parece
possuir competência para transportá-los, mesmo nos períodos de chuva.
O denominado “Segmento Aluvial” inicia-se à jusante do segmento anterior,
apresentando características típicas de leitos aluviais, com a presença de
barras de canal e barras de pontal configuradas, predominantemente, por areia
fina. Este segmento ilustra as mudanças nas condições de energia do canal,
passando a apresentar ambientes propícios à sedimentação aluvial. O regime
fluvial é marcado por importantes oscilações de energia entre as estações úmida
e seca, fato condicionado pelas importantes variações no perfil longitudinal
(declividades e rupturas de declive). No Segmento Aluvial, o leito apresenta
sedimentos de variada granulometria, em uma faixa textural que contempla
argilas, areias e clastos como seixos arredondados e matacões, semelhantes aos
citados no segmento transicional. O rio apresenta certa sinuosidade, com
reduzido encaixamento e formação de uma planície pouco extensa de areia fina.
Na classificação proposta por Montgomery e Buffington (1997), esse trecho se
enquadraria como leito aluvial em poços-corredeiras (pool-riffle), havendo o
predomínio de cascalho e blocos. As sequências alternadas de poços e barras
detríticas (corredeiras) estariam associadas a células de fluxos internos
(convergência nos pools e divergência nos riffles). A redução da carga arenosa
no leito e o aumento da carga detrítica evidenciam as condições de maior energia
nos períodos chuvosos, principalmente nas corredeiras.
O último segmento identificado é iniciado a partir de uma intervenção antrópica.
As águas fluviais entram por um tubulão que direciona a drenagem para a margem
oposta da BR-236. A partir desse trecho, o Córrego drena sobre áreas bem menos
íngremes, o que confere novas condições de redução na energia do canal, fator
evidenciado pelo padrão de drenagem predominantemente meandrante. A associação
entre os processos fluviais e os de encosta gerou uma configuração de fundo de
vale mais aberto, com vertentes menos íngremes e bem mais extensas. O tubulão
age como um nível de base local, controlando o fluxo das águas a partir de sua
convergência e interferência nas linhas de fluxo. Após a passagem das águas, há
um significativo entulhamento do leito por sedimentos arenosos e cascalho.
Figura 1
Mapa de localização da bacia do Córrego da Água
Escura.
Figura 2
Perfil longitudinal esquemático do trecho estudado
do Córrego da Água Escura, evidenciando a
classificação dos segmentos fluviais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento dos padrões morfológicos e materiais de leito dos canais fluviais é
a base para os processos decisórios referentes às intervenções nos cursos d´água.
A proposta de Montgomery e Buffington (1997) foi testada e ajustada à realidade do
Córrego da Água Escura. Sua aplicabilidade contribui para a elaboração de uma
futura proposta de classificação de segmentos fluviais voltada para canais
montanhosos no contexto regional estudado. Adicionalmente, aplicou-se o modelo de
representação gráfica de Rosgen (1996), que contribuiu para a interpretação mais
fluida dos segmentos propostos.
Os segmentos identificados no leito menor do Córrego da Água Escura refletem as
variações das condições de energia ao longo do perfil longitudinal. Neste sentido,
o regime pluviométrico sazonal, as variações de vazões resultantes e a declividade
e as rupturas associadas destacam-se como fatores condicionantes da configuração
de ambientes mais favoráveis à erosão ou à deposição aluvial no leito.
AGRADECIMENTOS
Ao Grupo de Pesquisa Geomorfologia e Recursos Hídricos (CNPq) e ao Laboratório de
Geomorfologia do IGC-UFMG pelo suporte técnico, operacional e científico. A Laila
G. do Carmo pelo apoio na representação gráfica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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