Anais: Geomorfologia fluvial
Quantificação de taxa de sedimentação em sistemas aluviais amazônicos com base na vegetação
AUTORES
Zani, H. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS) ; Rossetti, D. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS) ; Cremon, (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS)
RESUMO
A análise de processos geomorfológicos em áreas amazônicas é dificultada pela
baixa disponibilidade de dados de campo. O objetivo deste trabalho é demonstrar
que a vegetação pode ser utilizada para auxiliar na quantificação das taxas de
sedimentação em ambientes aluviais. O resultado foi a geração de uma função
exponencial relacionando vegetação e taxa de sedimentação, que permite extrapolar
informações pontuais de campo para toda uma área de estudo.
PALAVRAS CHAVES
Sedimentação; Vegetação; Amazônia
ABSTRACT
The analysis of geomorphological processes in Amazonian areas is often restricted
by the lack of field data. This work aims to evaluate the vegetation as a proxy to
quantify the sedimentation rates for alluvial environments. Based on field data
and remote sensing analysis we obtained an exponential function relating
vegetation and sedimentation rate, allowing extrapolation of punctual core based
data for the whole study area.
KEYWORDS
Sedimentation; Vegetation; Amazonia
INTRODUÇÃO
O estudo de ambientes aluviais é de grande interesse na reconstituição de
paisagens em áreas continentais, permitindo ainda inferências sobre seus fatores
de controle, principalmente clima (Blum e Tornqvist, 2000) e tectônica (Holbrook
e Schumm, 1999). Este tipo de análise em áreas amazônicas é dificultada pela
natureza pontual dos dados de campo. A integração desse tipo de informação com
dados de sensoriamento remoto pode auxiliar na caracterização mais completa de
ambientes aluviais. Neste contexto, em ambientes tropicais a vegetação se
constitui no alvo mais aparente nas imagens de sensoriamento remoto, sendo
amplamente empregada em inferências sobre formas e processos geomorfológicos
(Mertes et al., 1995; Rossetti, 2010; Hayakawa et al., 2010). Este trabalho tem
como proposta testar a hipótese de que a vegetação pode ser utilizada na
estimativa da taxa de sedimentação em ambientes aluviais. Para tal, foi
realizado um experimento que relaciona dados de campo com informações sobre a
fenologia da vegetação, obtidas a partir de imagens de sensoriamento remoto. A
área de estudo está localizada no norte da bacia Amazônica, centro-sul do Estado
de Roraima (1,30°N - 61°W). Esta região é caracterizada pela ocorrência de
extensos depósitos quaternários (Radambrasil, 1976), recentemente identificados
como sistemas deposicionais de megaleque (Cremon, 2012; Zani e Rossetti, 2012).
MATERIAL E MÉTODOS
Os procedimentos aplicados foram divididos em duas etapas: (1) coleta e análise
de dados de campo; e (2) processamento de imagens de sensoriamento remoto. A
etapa (1) teve como objetivo a datação de sedimentos para estimar as taxas de
sedimentação. Foram realizadas duas campanhas de campo, nas estações secas de
2010 e 2011. Devido à ausência de afloramentos na área de estudo, foram
coletados sedimentos em subsuperfície a uma profundidade máxima de 7,5 m. Para
tal, foi utilizado um dispositivo de percussão, acoplado a um motor Cobra TT e
amostrador cilíndrico com 6 cm de diâmetro. Os testemunhos obtidos foram abertos
e descritos em campo, com amostras de 5 cm3 extraídas a cada 20 cm para análises
das características sedimentológicas. Sedimentos com alto teor de matéria
orgânica foram datados pelo método de 14C, nos laboratórios “Beta Analytic” e
“Accelerator Mass Spectromatry Laboratory” da Universidade do Arizona. As idades
convencionais 14C foram convertidas para o calendário atual (cal a AP) com
auxílio do aplicativo CALIB 6.0 e calibradas segundo a curva INTCAL09 (Reimer et
al., 2009). As taxas de sedimentação foram obtidas de testemunhos com quantidade
igual ou superior a três datações, estimadas por regressão linear das idades
calibradas em função da profundidade. A etapa (2) teve como objetivo extrapolar
os dados pontuais de campo. Foram obtidas três imagens Landsat-TM,
representativas dos estágios hidrológicos de cheia, vazante e seca. Após pré-
processamentos, extraiu-se a pelo modelo linear de mistura espectral
(Shimabukuro e Smith, 1991) a fração de vegetação para cada cena.
Posteriormente, foi realizada análise das componentes principais, a fim de
ressaltar possíveis mudanças sazonais da vegetação influenciadas pelo ciclo
hidrológico. Finalmente, foi elaborada uma regressão não linear entre as os
dados de campo com as imagens processadas e obteve-se uma equação empírica que
descreve a taxa de sedimentação em função da vegetação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram obtidas um total de 13 datações de 14C, distribuídas em quatro
testemunhos. Os sedimentos mais antigos datam do Pleistoceno Tardio (31934 cal a
AP), no entanto a maioria das amostras (N = 5) possui idades em torno do
Holoceno médio (5396 – 4344 cal a AP). Estes dados constituem as primeiras
datações de radiocarbono obtidas para esta região da Amazônia e, conforme
esperado, registraram depósitos somente de idade quaternária tardia.
Considerando-se sedimentação contínua, as taxas de acúmulo variaram
consideravelmente ao longo da área estudada, sendo a menor e maior,
respectivamente, 7,8 cm/ka e 213,4 cm/ka. Conforme demonstraram Zani e Rossetti
(2012), esta região da Amazônia é marcada pela ocorrência de um sistema
deposicional de megaleque. As diferenças nas taxas de sedimentação são
atribuídas a intensidade dos processos que formaram este depósito. Na parte
proximal (i.e., ápice) do megaleque foi registrado maior acúmulo de sedimentos
em menor intervalo de tempo, refletindo maior dinâmica dos processos
deposicionais que caracterizam este compartimento (Nichols e Fisher, 2007). As
menores taxas de sedimentação estão relacionadas com as porções distais do
megaleque, comumente formadas por fluxos de energia relativamente inferiores
(Nichols e Fisher, 2007).
A comparação entre os dados de campo com as imagens processadas mostrou que as
taxas de sedimentação estão correlacionadas com o terceiro eixo resultante da
análise de componentes principais. Esta imagem representa a maior variabilidade
da fração vegetação na série temporal utilizada. Considerando que a área de
estudo faz parte de uma das áreas alagáveis mais extensas da Amazônia (Junk et
al., 2011), atribui-se as mudanças intrasazonais da vegetação ao ciclo
hidrológico. Desta maneira é plausível considerar que processos de sedimentação
ocorrem com maior intensidade em locais com alta frequência de inundação,
marcados mudanças fenológicas da vegetação. Esta relação pode ser representada
de forma empírica por uma função exponencial negativa (Fig. 1), com a taxa de
sedimentação calculada (y) em função da componente principal 3 (x): y = a e(-b
x), sendo (a) e (b) coeficientes da regressão.
O modelo empírico derivado da regressão não linear possui alto coeficiente de
correlação (R2 = 0.99) e foi aplicado para extrapolar as taxas de sedimentação
para toda a superfície do megaleque na área de estudo. Foi definido um limiar de
50 cm/ka para categorizar áreas de taxa de sedimentação baixa e alta (Fig. 02).
Observa-se que locais com maior aporte de sedimentos estão relacionados com
drenagens intermitentes e áreas que possuem maior frequência de inundação. Por
outro lado, locais com baixas taxas de sedimentação são marcados por ausência de
drenagem e raramente sofrem inundações.
A comparação destes resultados com o mapa de vegetação (Schaefer et al., 2009)
mostra que as maiores taxas de sedimentação estão associadas a formações
ripárias de buritizais e campinarana graminosa. Estas fitofisionomias são
características de áreas alagáveis. Já as menores taxas de sedimentação estão
relacionadas com comunidades vegetais mais estruturadas, como florestas
ombrófilas e campinarana florestada. Observações realizadas em campo sugerem que
a microtopografia possui um papel importante na distribuição espacial das
fitofisionomias. Neste sentido, comunidades mais estruturadas estão em terrenos
até 2 m mais elevados que o seu entorno, sendo pouco afetados por inundações e
consequentemente caracterizados por baixas taxas de sedimentação.
Fig. 01.
Regressão não linear entre taxa de sedimentação com
a componente principal 3.
Fig. 02.
Taxa de sedimentação espacializada. (a)
Representação dos valores absolutos. (b) Valores
categorizados segundo a intensidade de sedimentação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho foi apresentado um modelo para espacializar dados pontuais de campo
coletados em ambientes aluviais. Embora ainda preliminares, os resultados obtidos
suportam a hipótese de que a vegetação é um indicativo eficiente da taxa de
sedimentação. Novos dados de campo serão incorporados nesta análise, a fim de
expandir o número de testemunhos e calcular taxas mais precisas de sedimentação.
Diversas amostras já se encontram em processo de datação pelo método de
luminescência. Desta maneira, espera-se obter um modelo mais robusto e validar
quantitativamente seus resultados.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a FAPESP pelo financiamento desta pesquisa (#2010/09484-2)
e
pela concessão de bolsa de doutorado para o primeiro autor (#2009/00672-3).
Parte
deste trabalho foi desenvolvido pelo primeiro autor durante estágio sanduíche
realizado no exterior (PDEE-CAPES #BEX 0070/11-4), sob a orientação de Michael
Thomas e Andrew Tyler. CPRM e ICMBio auxiliaram na logística para a realização
dos
trabalhos de campo.
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