Anais: Geomorfologia fluvial

REGISTROS DEPOSICIONAIS DO QUATERNÁRIO TARDIO NO VALE DO RIBEIRÃO SARDINHA, QUADRILÁTERO FERRÍFERO/MG

AUTORES
Barros, L.F.P. (UFMG) ; Magalhães Júnior, A.P. (UFMG)

RESUMO
Este artigo caracteriza e discute os registros deposicionais do vale do Ribeirão Sardinha. Foram identificados dois níveis aluviais, sendo: um nível de planície (N1) e um nível de terraço (N2). Dois níveis aluviais parcialmente retrabalhados por processos de coluvionamento também foram identificados. Em geral, as observações feitas para o vale do Ribeirão Sardinha se alinham às principais características apontadas em trabalhos anteriores para outros vales do Quadrilátero Ferrífero.

PALAVRAS CHAVES
geomorfologia fluvial; níveis deposicionais; Quadrilátero Ferrífero

ABSTRACT
This paper aims to describe and discuss the depositional records of the Sardinha River valley. It was identified two alluvial levels, being: a floodplain level (N1) and a terrace level (N2). Two alluvial levels partially reworked by colluvium processes were also identified. In general, the observations made to Sardinha River valley are lined to the main trends pointed out in previous works for other valleys in Quadrilátero Ferrífero.

KEYWORDS
fluvial geomorphology; depositional levels; Quadrilátero Ferrífero

INTRODUÇÃO
Ainda que quase sempre incompletos, os registros deposicionais aluviais são componentes críticos no desenvolvimento de uma compreensão integrada da geomorfologia fluvial, pois fornecem informações que não são disponíveis em outras fontes (JACOBSON et al., 2003). As seqüências estratigráficas aluviais são, muitas vezes, os únicos indícios da evolução morfodinâmica de uma área, constituindo-se em registros/respostas de eventos deposicionais e desnudacionais, exogenéticos e endogenéticos (SOMMÉ, 1990). A história dos sistemas fluviais pode fornecer subsídios para a compreensão dos processos condicionantes da configuração atual das unidades espaciais hidrográficas e da morfologia e dinâmica fluvial em termos naturais, servindo, dessa forma, como referencial para diagnósticos e avaliações, processos de restauração fluvial e previsões. Do mesmo modo que a compreensão dos processos atuais permite interpretar eventos registrados em depósitos fluviais antigos (princípio do uniformitarismo), a compreensão do passado pode ser a chave para se entender o futuro (JACOBSON et al., 2003; PETTS e FOSTER, 1985). Este artigo tem como objetivo caracterizar e discutir os registros deposicionais do vale do Ribeirão Sardinha. O trabalho se insere no conjunto de contribuições para a compreensão da dinâmica fluvial regional do Quadrilátero Ferrífero no Quaternário e a reconstituição dos principais eventos morfodinâmicos na área. Os resultados apresentados complementam as diversas pesquisas sobre a evolução geomorfológica dos vales deste conhecido domínio serrano, realizadas nas bacias do alto-médio Rio das Velhas (BACELLAR et al., 2005; MAGALHÃES JÚNIOR e SAADI, 1994; MAGALHÃES JÚNIOR et al., 2011a; MAGALHÃES JÚNIOR et al., 2011b; RAPOSO et al, 2008; VALADÃO e SILVEIRA, 1992), alto-médio Rio Paraopeba (MARQUES, 1997; MOREIRA, 1997) e alto Rio Doce (BARROS, 2012; CHEREM et al., 2008).

MATERIAL E MÉTODOS
A bacia do Ribeirão Sardinha está localizada na porção sul do Quadrilátero Ferrífero, entre os pares de coordenadas 20º18’S, 43º48’W e 20º27’S, 43º39’W, a noroeste do município de Ouro Preto. O Ribeirão Sardinha é tributário do Ribeirão Mata Porcos, que tem sua foz em um dos principais afluentes do alto Rio das Velhas, o Rio Itabirito. A bacia é drenada por dois cursos d’água principais: o Ribeirão do Mango, na porção leste, e o Ribeirão Sardinha, na porção oeste da bacia. O trabalho foi baseado em levantamentos de campo, quando foram identificados e caracterizados os níveis deposicionais fluviais em termos de tipologia, posição e organização espacial. Foram também coletados dados de perfis aluviais a partir de seções verticais. Na descrição das seqüências deposicionais foi destacado: sua posição em relação ao curso fluvial atual (desnível e distância em relação ao rio atual); altitude; composição granulométrica, espessura e organização das fácies, incluindo o tipo de transição entre as mesmas (abrupta ou gradual). Nas fácies de seixos foi determinado o predomínio ou não de matriz, além do tamanho médio, litologia e grau de arredondamento dos clastos. Observaram-se ainda a presença de estruturas sedimentares, cimentação ferruginosa, matéria orgânica e bioturbação. Uma vez organizados os dados, os níveis fluviais foram identificados por relações laterais e verticais e dados sedimentológicos, permitindo a definição de sua tipologia (escalonado, encaixado ou embutido). Esses níveis foram caracterizados em perfis-síntese, os quais devem ser compreendidos como um sumário de todas as seções relativas a certo nível deposicional. Eles não representam uma seção-tipo, reprodução fiel do perfil sedimentar mais significativo, de modo que não podem ser situados exatamente, pois refletem a superposição de dados (MAGALHÃES JÚNIOR, 1993).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Ribeirão Sardinha apresenta uma configuração típica de rios de domínio serrano, sendo marcado por repetidas rupturas de declive em seu perfil longitudinal, as quais se constituem como importantes níveis de base locais. O seu vale é geralmente estreito, ocorrendo, entretanto, alvéolos deposicionais: trechos onde o vale se amplia, abrindo espaço para uma maior acumulação de sedimentos. Os registros aluviais são mais escassos que nos demais vales do Quadrilátero Ferrífero. Foram identificados apenas dois níveis aluviais bem preservados, sendo: um nível de planície de inundação (N1) e um nível de terraço (N2). Também foram identificados depósitos de antigos níveis aluviais que foram retrabalhados por processos de coluvionamento: um posicionado no terço superior das vertentes, a cerca de 20 m acima da drenagem atual, e outro a cerca de 10 m. Estes depósitos apresentam entre 1,5 m e 2 m de espessura e se compõem de: (i) seixos mal selecionados, de quartzo e quartzito, sub-arredondados e suportados por matriz argilo-arenosa; sobrepostos por (ii) material arenoso a areno-argiloso, em meio ao qual podem ocorrer lentes de pequenos grãos. Estes depósitos são intercalados pelo afloramento do substrato rochoso. O N2 é do tipo escalonado e se encontra ainda bem preservado em quase todo o vale. Por não apresentar um desnível basal em relação à calha atual, este nível pode ser facilmente confundido com o nível de planície de inundação (N1). No entanto, ainda que o N2 possa ser atingido em grandes e episódicas inundações, suas características estratigráficas são suficientes para individualizá-lo da planície, sendo suas sequências dominantemente argilo-siltosas (Figura 1). Por definição, o nível de planície de inundação corresponde à dinâmica recente do vale, ou seja, ainda está em construção. Uma grande variedade de sequências estratigráficas pode ser observada para este nível, no entanto, predominam perfis ricos em areia (muito fina a média). O nível de planície é do tipo embutido, pois apresenta a mesma base que o N2. Os depósitos da planície estão assentados ora sobre o substrato rochoso, ora sobre os seixos basais do N2. Acrescenta-se que interessantes perfis de planície podem ser observados na área. Eles apresentam lentes ou camadas de pequenos seixos (< 5 cm) e grânulos em meio à facies de finos. Essa organização sugere, à primeira vista, um período de agradação, no qual a calha teria se elevado alguns metros. No entanto, a observação de barras arenosas com a presença de pequenos seixos em seu topo (Figura 2) sugere que esses perfis são, na verdade, testemunhos do recobrimento das barras arenosas em cheias e inundações, quando a linha de maior energia do fluxo tende a ser mais retilínea. Destaca-se que o escalonamento dos depósitos mais antigos indica fases bem marcadas de encaixamento da drenagem. O escalonamento de níveis aluviais em diversos vales do Quadrilátero Ferrífero aponta para um soerguimento regional, testemunhando a forte influência da neotectônica na área. Entretanto, como discutido por Magalhães Júnior et al. (2008), a dinâmica recente de encaixamento da drenagem no Quadrilátero Ferrífero parece estar desacelerada. Isso porque são comuns processos de exumação de um nível basal de seixos de terraços recentes, em geral, maiores que os transportáveis pelo regime atual dos rios. Por isso, esses seixos passam a se configurar como um pavimento detrítico resistente aos processos de encaixamento da calha. O embutimento do nível de planície pode ser explicado, ao menos em parte, por esse processo. Especificamente no vale do Ribeirão Sardinha, o canal apresenta sua calha pavimentada pelo nível basal de seixos do N2 (Figura 2).

Figura 1

Esquema de perfil transversal ao vale com a distribuição dos registros deposicionais.

Figura 2

Embutimento do N1 no N2. Observa-se nesta imagem tanto barra detrítica erosiva (seixos fósseis do N2) como barra deposicional atual (primeiro plano).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O levantamento e caracterização dos níveis deposicionais no vale do Ribeirão Sardinha aponta para uma concordância com as principais tendências apontadas em trabalhos anteriores acerca da dinâmica fluvial quaternária de rios no Quadrilátero Ferrífero. Dentre essas características se destacam: (i) o escalonamento dos níveis aluviais; (ii) o embutimento do nível deposicional mais recente, em parte condicionado pelo afloramento de fácies basais do nível deposicional anterior; (iii) a dominância de sequências arenosas no nível de planície, contrastando com as sequências argilo-siltosas dos níveis deposicionais mais antigos, o que vem sendo interpretado como reflexo de atividades antrópicas, como o garimpo e a mineração. O quadro encontrado também reforça as idéias sobre o condicionamento da dinâmica fluvial por atividade neotectônica marcada por pulsos de soerguimento.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela concessão de bolsa de doutorado, ao Programa de Pós-graduação em Geografia da UFMG pelo apoio logístico e aos colegas Breno Marent, Leilane Sobrinho, Letícia Oliveira e Manuela Pereira.

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