Anais: Geomorfologia fluvial
PROPOSTA METODOLÓGICA PARA AVALIAR O POTENCIAL DE TRANSFERÊNCIA DE SEDIMENTOS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS A PARTIR DE ÍNDICES MORFOMÉTRICOS
AUTORES
Zancopé, M. (LABOGEF-IESA/UFG-GOIÂNIA) ; Bayer, M. (LABOGEF-IESA/UFG-GOIÂNIA)
RESUMO
A taxa de transferência de sedimentos demonstra o volume de sedimentos evacuados
numa bacia hidrográfica. Contudo, tal transferência não ocorre direto ou
livremente até o exutório. Parte dos sedimentos é estocada nas margens dos rios.
Modelos empíricos usam dados de vazão diários para estimar as taxas de
transferência de sedimentos. Este trabalho apresenta proposta metodológica para
estimar o potencial de transferência de sedimentos de bacias hidrográficas a
partir de dados morfométricos.
PALAVRAS CHAVES
transferência de sediment; morfometria fluvial; bacia hidrográfica
ABSTRACT
The sediment transfer rate shows the volume of sediment evacuated from
hydrographic basins. The transport of sediment does not occur directly and easily
to another river channel because part of the sediment is stored along the rivers
which the sediments are related to. Empirical models require daily discharge data
to estimate the sediment transfer rates. This paper presents the methodology for
estimating the sediment transfer potential using morphometric indexes to
hydrographic basins.
KEYWORDS
sediment transfer potenti; fluvial morphometry; hydrographic basin
INTRODUÇÃO
Os rios carregam para fora da bacia hidrográfica parte dos materiais detríticos
produzidos em seu interior, além do excedente hídrico. Segundo Morisawa (1985),
95% da energia do escoamento fluvial coloca a água em movimento, superando a
turbulência interna do fluido e a fricção com o leito. Pequena quantidade de
energia permite aos rios removerem e transportarem detritos. As cargas
sedimentares são obtidas nas margens e no fundo do canal, porém a maioria advém
dos processos sobre as vertentes (SUGUIO; BIGARELLA, 1990). Segundo
Christofoletti (1981), “carregando água e detritos dos continentes para os
oceanos, as redes hidrográficas são as principais vias para o transporte dos
produtos elaborados pela meteorização”. Porém, o transporte de sedimentos ocorre
de modo desigual em diversas bacias. Latrubesse, Stevaux e Sinha (2005)
mostraram que, bacias sobre cinturões orogênicos ativos transportam grande
volume de carga, em razão do elevado gradiente decorrente da amplitude
altimétrica, enquanto que bacias sobre áreas cratônicas, o relevo apresenta-se
mais rebaixado e os rios possuem menores gradientes, e assim, menor capacidade
de transporte. Não obstante, o transporte de sedimentos não ocorre direto das
cabeceiras aos oceanos. Parte dos sedimentos acaba estocada ao longo dos rios,
formando as planícies. Zancopé e Perez Filho (2006) verificaram que a
morfodinâmica fluvial é alterada quando os rios transpõem litologias e
estruturas, afetando a distribuição das planícies fluviais. Este trabalho
apresenta os fundamentos de uma metodologia para avaliar o potencial de
transferência de sedimentos de bacias hidrográficas, com a associação de
parâmetros morfométricos. Esta proposta verificaria quais bacias têm maiores
condições de transportar sua carga detrítica até o exutótio (potencial de
transferência de sedimentos elevado) e quais têm menores condições (potencial de
transferência de sedimentos reduzido), favorecendo o assoreamento ou acreção
detrítica às planícies fluviais.
MATERIAL E MÉTODOS
De modo a alcançar os objetivos deste trabalho foi realizado uma revisão da
literatura relativa a conceitos, modelos e mecanismos de transporte de sedimentos,
bem como sobre a interação entre variáveis dos sistemas fluviais. Entre esses
assuntos estão aspectos morfométricos que permitam estimar as variáveis ligadas as
probabilidades de entrada de sedimentos nos cursos d’água, ao percurso dos
detritos sobre as vertentes até os cursos d’água e a fatores que influenciam as
mudanças na energia do fluxo fluvial, bem como aspectos fisiográficos que indiquem
a retenção da carga detrítica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A taxa de transferência de sedimentos de uma bacia é determinada pela diferença
entre a quantidade de detrítos que alcança os canais e aquela que atravessa o
exutório. Nem todo sedimento produzido nas vertentes alcança os rios, sendo
parte estocada nas porções inferiores das vertentes. Da mesma forma, nem todo
sedimento é lançado pelo exutório, sendo parte depositada ao longo das margens
dos rios, dando origem aos depósitos das planícies fluviais. Estudos empíricos
estimam as taxas de transferência de sedimentos das bacias, relacionando
variáveis de geometria hidráulica e de modelos de perdas de solo. O volume de
sedimentos lançado pelo exutório relaciona-se a magnitude e frequência das
vazões. A análise das vazões pode determinar as quantidades de sedimentos
transportados (LEOPOLD; MADDOCK, 1953; WOLMAN; MILLER, 1960). Para isso é
preciso de séries históricas de dados de vazões diárias e de carga sedimentar,
levantadas a partir de estações fluviométricas. Para bacias que não dispõem
dessas estações apenas estimar-se-ia as condições dos rios transportar sua
carga. Essa estimativa seria ponderada pela associação de variáveis dos sistemas
fluviais ligadas a entrada de sedimentos e a características dos fluxos, que
denominamos de potencial de transferência de sedimentos. Alguns parâmetros
morfométricos de bacias permitem avaliar a possibilidade dos detritos vindos das
vertentes se tornarem sedimento. A densidade hidrográfica (Dh) e a densidade de
drenagem (Dd) revelam a quantidade relativa de rios aptos a receber os detrítos
das vertentes. A extensão do percurso superficial (Eps) releva a distância que
os detrítos devem percorrer sobre as vertentes até os rios (CHRISTOFOLETTI,
1969). Bacias com valores altos de Dh e Dd possuem grande número de canais para
receber os detrítos e, então, transportá-los para fora da bacia (transferência
de sedimentos). Bacias com valores baixos de Eps demonstram vertentes curtas que
os detritos devem percorrer até os rios. Por outro lado, bacias com valores
baixos de Dh e Dd possuem pequeno número de canais para transportar os
sedimentos; e, bacias com valores altos de Eps apresentam vertentes muito
longas, dificultando a ação transportadora sobre as vertentes, depositando-os
nas mesmas, antes de alcançarem o rio mais próximo. O gradiente fluvial é um
parâmetro morfométrico que permite deduzir a energia disponível para o
transporte de sedimentos. Modelos teóricos e empíricos mostram a relação entre o
gradiente, as velocidades críticas (erosão e deposição), a potência fluvial
(stream power), transporte sedimentar, etc. (CHRISTOFOLETTI, 1981). Tais modelos
deduzem que em trechos fluviais com gradientes elevados, a energia disponível
gera velocidades do fluxo capazes de transportar volumes maiores de sedimentos,
transferindo os sedimentos para o trecho ou rio a jusante. Em trechos com
gradientes reduzidos, a energia gera velocidades capazes de transportar volume
menor, favorecendo sua retenção junto às margens. Ouchi (1985) e Gregoy e Schumm
(1987) desenvolveram modelos sobre alterações no transporte afetando os padrões
de canal, pela mudança do gradiente (efeitos tectônicos sobre o perfil
longitudinal). As larguras das planícies de inundação são um indicador do volume
de sedimentos que os rios transferem para outro trecho ou rio. Nanson e Croke
(1992) classificaram as planícies a partir da energia disponível para o
transporte. Planícies muito largas em relação a largura do canal indicam a
retenção da carga transportada, mesmo que parcial ou temporariamente. Perez
Filho e Christofoletti (1977) mostraram a relação entre a ordem hierárquica e a
largura das planícies de inundação, apontando a ligação entre a grandeza da
planície e o comportamento hidrológico do rio. “A planície surge como resposta
alometricamente ajustada à magnitude e frequência das cheias, que se torna a
principal responsável pelo controle da largura e das características
geométricas” (PEREZ FILHO; CHRISTOFOLETTI, 1977).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fundamentação apontada permitiu elaborar uma proposta para avaliar o potencial
de transferência de sedimentos de bacias hidrográficas. Uma matriz simplificada
associa os parâmetros morfométricos, apontando o grau do potencial de
transferência de sedimentos. Assim, bacias hidrográficas que apresentem valores
elevados de Dh, Dd e gradiente fluvial, e valores reduzidos de Eps e largura das
planícies de inundação, possuiriam elevado potencial de transferência de
sedimentos. Por outro lado, bacias com valores reduzidos de Dh, Dd e gradiente
fluvial, e valores elevados de Eps e largura das planícies, possuiriam reduzido
potencial de transferência de sedimentos, revelando, nesta situação, elevada
possibilidade de assoreamento. Estudos na bacia do alto Rio Araguaia verificarão a
aplicabilidade desta proposta e aprimorarão a matriz por meio da especificação de
valores intermediários dos parâmetros morfométricos, revelando graus
intermediários de potencial de transferência de sedimentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
CHRISTOFOLETTI, A. Análise morfométrica das bacias hidrográficas. Notícia Geomorfológica, v. 18, n. 9, p. 35-64, 1969.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia fluvial: o canal fluvial. 2 ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1974.
GREGORY, D.I.; SCHUMM, S.A. The effect of tectonics on alluvial river morphology. In: RICHARDS, K. (ed) River channel: environment and process. Oxford: B. Blackwell, 1987. Cap. 3, p. 41-68.
LATRUBESSE, E.M.; STEVAUX, J.C.; SINHA, R. Grandes sistemas fluviais tropicais: uma visão geral. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 6, n. 1, p. 01-18, 2005.
LEOPOLD, L.B.; MADDOCK, T. The hydraulic geometry of stream channels and some physiographic implications. United States Geological Survey, Prof Paper. 252, 1953.
MORISAWA, M. Rivers: forms and process. N. York: Longman, 1985. (Geomorphology texts, 7).
NANSON, G.C.; CROKE, J.C. A genetic classification of floodplains. Geomorphology, Amsterdam, v. 4, p. 459-486, 1992.
OUCHI, S. Response of alluvial rivers to slow active tectonic movement. The Geological Society of America Bulletin, v. 96, p. 504-515, 1985.
PEREZ FILHO, A.; CHRISTOFOLETTI, A. Relacionamento entre ordem e largura de planície de inundação em bacias hidrográficas. Notícia Geomorfológica, Campinas, v. 17, n. 34, p. 112-119, 1977.
SUGUIO, K.; BIGARELLA, J.J. Ambiente fluvial. 2 ed. Florianópolis: UFPR/UFSC, 1990.
WOLMAN, M.G.; MILLER, J.P. Magnitude and frequency of forces in geomorphic processes. The Journey of Geology, v. 68, n. 1, p. 54-74, 1960.
ZANCOPÉ, M.H.C.; PEREZ FILHO, A. Considerações a respeito da distribuição das planícies fluviais do Rio Mogi Guaçu. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 7, n. 1, p. 65-71, 2006.