Anais: Geomorfologia fluvial

Efeitos catastróficos de temporais localizados: o caso do município de Mirim Doce-SC, Estado de Calamidade Pública em janeiro de 2011

AUTORES
Sanchez, G.M. (GCN/CFH/UFSC) ; Vilela, J.H. (GCN/CFH/UFSC) ; Pellerin, J.R.G.M. (GCN/CFH/UFSC)

RESUMO
Em janeiro de 2011 a comunidade de Serra Velha, distante 42km da sede de Mirim Doce, foi atingida por fortes temporais que acumularam 327mm. No dia 19 o temporal de 2 horas registrou 106,5mm e no dia 21, em 7 horas, 170,1mm. Como efeito, ocorreram deslizamentos e inundações das planícies com represamentos temporários que amorteceram as águas, aliviando a sobrecarga na cidade. Mesmo assim, a cidade sofreu destruições e o município decretou Estado de Calamidade Pública.

PALAVRAS CHAVES
Desastre natural; inundações; deslizamentos

ABSTRACT
In January 2011, the community of Serra Velha, located 42km away from Mirim Doce, was hit by strong storms that have accumulated 327mm. On the 19th, the two-hour storm recorded 106.5mm and on the 21st, a seven-hour storm recorded 170.1mm. As a result of the storms landslides and floods occurred on lowlands with temporary impoundments that damped the water, relieving it from reaching the city. Nevertheless, the city went though destruction and the municipality of Serra Velha has declared a Public

KEYWORDS
Natural disasters; floods; landslides

INTRODUÇÃO
Fenômenos como inundações e deslizamentos são processos naturais e importantes modeladores da paisagem, juntamente com outros fenômenos naturais, e fazem parte da dinâmica superficial terrestre. A partir do momento que ocorre a ocupação em áreas susceptíveis a estes fenômenos, os mesmos são considerados perigos naturais, ou seja, possuem o potencial de causar danos. Quando um fenômeno destes ocorre e causa danos ambientais, econômicos e sociais, passa a ser considerado desastre natural (GOERL et al, 2009), que foi o caso de Mirim Doce-SC. Em janeiro de 2011 esse município foi cenário de tragédia devido à ocorrência de desastres hidrológicos resultantes dos fortes temporais na comunidade de Serra Velha, situada no sopé da Serra Geral, distante 42km da cidade. Entre os dias 19 e 21, os temporais localizados acumularam 327mm, sendo que no dia 19 o temporal de 2 horas registrou 106,5mm e no dia 21, em 7 horas, 170,1mm. A precipitação concentrada do dia 21 no alto vale do rio Taió (afluente do rio Itajaí d’Oeste), cumulativa aos dias anteriores, causou inundações das planícies e centenas deslizamentos nas encostas da localidade de Serra Velha, que teve sua estrada de acesso interrompida em vários pontos, ocasionando o isolamento da comunidade durante 30 dias. As planícies da Serra Velha e as da jusante, ocupadas por arrozais, represaram temporariamente o grande volume de água e bloquearam grande parte dos detritos. Posteriormente o fluxo d’água desceu pelo vale e atingiu a cidade cerca de 6 horas depois do fim do temporal. Mesmo com a magnitude e importância desses eventos naturais extremos, não houve óbitos, ficando os prejuízos restritos a danos materiais, uma vez que a população residente na cidade, às margens do rio Taió, foi previamente alertada pelo responsável da estação meteorológica da Serra Velha. O presente trabalho teve como objetivo analisar a intensidade dos impactos da inundação e deslizamentos ocorridos no município a partir de dados levantados em campo.

MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo O município de Mirim Doce, com 2.513 habitantes (52,2% na área rural) e densidade demográfica de 7,4 hab/km2, está localizado no alto vale do Itajaí e apresenta um território de 339 km2, sendo 7,8 km2 em área urbana e 331,7 km2 em área rural (IBGE, 2010; ZANELLA, 2011). O vale atingido pelos temporais é composto por 3 setores: O primeiro deles é a Serra Velha, localidade da zona rural, à 650m de altitude, inserida num relevo do tipo montanhoso, com vales muito encaixados, situados no sopé da Serra Geral. Esse setor é caracterizado por vertentes com declividades superiores a 45º, solos rasos e amplitude aproximada de 500m. O substrato geológico é constituído essencialmente por siltitos, argilitos e folhelhos, com camadas de arenito fino interestratificadas. A cobertura vegetal dominante nessa localidade é florestal. No segundo setor, a jusante, a planície aluvial suspensa de Volta Grande, com cerca de 6km de comprimento por 2km de largura ocupada por arrozais, encontra-se encaixada dentro do relevo do tipo colinoso. Está à 150m acima da sede do município e é limitada ao longo do curso do rio por uma queda d’água. No terceiro setor, está a cidade de Mirim Doce, localizada na planície do baixo vale do rio Taió, numa altitude aproximada de 350m (Fig 1). Procedimentos de campo Entre os dias 16 e 28/02/2011 realizaram-se expedições aéreas e por terra para vistorias geológica e geomorfológica na localidade de Serra Velha. A estrada de acesso alterna trechos entalhados dentro da rocha (folhelhos) que margeiam encostas muito inclinadas, beirando o rio Taió, com trechos que atravessam a planície aluvial desse rio e do seu afluente, rio dos Toldos. Foram vistoriadas 40 casas localizadas nos vales do ribeirão dos Caetanos, rio dos Toldos e rio Taió para verificar as condições de segurança das mesmas, diante dos eventos ocorridos já mencionados anteriormente. As informações obtidas em campo foram complementadas com fotografias aéreas adquiridas no mesmo período.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A alta bacia do rio Taió foi afetada por deslizamentos e inundações motivados pelas chuvas anômalas que acumularam 327mm em três dias de medições. Na estação meteorológica do local nos dias 19, 20 e 21/01 foram registrados respectivamente 106,5mm, 50,4mm e 170,1mm, enquanto na estação da Barragem de Taió, no mesmo contexto altimétrico da sede de Mirim Doce, registrou-se: 8,5mm, 28,7mm e 32,5mm nos mesmos dias. Ao analisar os dados das duas estações, a diferença nos índices pluviométricos indica que as chuvas se concentraram nas altas bacias entre 650 e 1000m de altitude na borda da Serra Geral, nos municípios de Mirim Doce, Taió e Rio do Campo.Essas chuvas intensas geraram escoamento superficial concentrado, causado pelas altas declividades e movimentos de massa, que foram essencialmente deslizamentos translacionais rasos, relacionados a uma cobertura de alteração pouco espessa sobre um substrato rochoso pouco alterado.Nas encostas e estreitas planícies aluviais que margeiam o alto rio Taió e seus afluentes, constatou-se numerosos pontos de desbarrancamentos e deslizamentos na estrada de acesso à Serra Velha, provocados por erosão marginal do rio e pela verticalidade do talude de corte (Fig 2). Em outros trechos a estrada foi recortada por fluxos de detritos provenientes dos deslizamentos ocorridos nos vales secundários. Alguns fluxos aquosos acrescidos por fluxos de detritos causaram represamentos temporários que provocaram a modificação dos leitos dos cursos d’água. Todos esses eventos provocaram o isolamento de 40 residências que, segundo informações da Prefeitura Municipal, representa um total de 139 moradores. Dessas residências, 23 encontravam-se em áreas de risco a deslizamentos, queda de blocos e/ou enxurradas, por estarem situadas na base de encostas muito inclinadas e/ou sobre antigos depósitos de vertentes. Algumas dessas foram parcialmente atingidas por fluxos de detritos e outras, situadas nas estreitas planícies aluviais, atingidas pela inundação. Já no setor do médio vale, as largas planícies aluviais da localidade de Volta Grande, ocupadas por arrozais, foram temporariamente inundadas por fluxos aquosos e de detritos e afetadas por deposição de sedimentos de granulometria variada e troncos de árvores. A sede de Mirim Doce, localizada na planície do baixo vale do rio Taió, foi inundada 6 a 7 horas depois dos temporais na Serra Velha (Fig 2). Os temporais se concentraram nas cabeceiras do rio Taió e seus afluentes, onde foi registrada a maior concentração de deslizamentos e modificação das calhas. A localização desses temporais foi comprovada pela expressiva diferença entre os índices pluviométricos já mencionados anteriormente. As planícies aluviais foram fundamentais para amortecer o fluxo da enxurrada antes de atingir a sede municipal. Os fluxos de detritos desceram o vale e, na medida em que atingiam a grande planície da Volta Grande, os materiais maiores eram depositados, chegando no baixo vale os sedimentos menores. Devido à quantidade de material mobilizado por este tipo de fenômeno, há uma súbita oferta de sedimentos no rio, que podem modificar parâmetros hidráulicos e hidrológicos (GOERL et al., 2009). A sede foi inundada e os danos não foram maiores, pelo sistema de alerta da estação meteorológica de Serra Velha que comunicou sobre o grande volume de chuvas nas cabeceiras. Isso permitiu que a população residente na margem do rio desocupasse suas casas e se deslocasse para partes mais altas. Mesmo com a magnitude e importância dos eventos, não houve perdas de vidas humanas, ficando os prejuízos restritos a danos materiais. Neste contexto, verifica-se que muitos desastres causam impactos sociais e econômicos muito sérios sem produzir mortalidade relevante. Nem por isso, o evento extremo não deve ser considerado menos importante, apesar de bancos mundiais de cadastros de desastres considerarem alguns critérios relacionados ao número de vítimas fatais e afetados para alimentarem seus sistemas (UNPD,2004)

Figura 1 - Mirim Doce e os setores atingidos

Concentração de deslizamentos na alta bacia do rio Taió e os setores atingidos de Mirim Doce(Fonte: Imagem LANDSAT nº220078 maio de 2011).

Figura 2 - Deslizamentos na Serra Velha e inundação na sede de Mirim D

Fotos de deslizamentos na Serra Velha (fotos: José Henrique Vilela) e inundação na sede de Mirim Doce (fotos: Prefeitura Municipal de Mirim Doce-SC).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho foram analisados os efeitos catastróficos das inundações e deslizamentos ocorridos no município, a partir de levantamentos em campo. A intensidade desses efeitos depende de aspectos físicos inerentes à geomorfologia da bacia e do grau de intervenção na mesma. Os condicionantes da bacia do rio Taió foram extremamente relevantes para evitar maiores danos à população de Mirim Doce. A planície aluvial suspensa contribuiu para amortecer a inundação brusca na sede, ocasionada pelos temporais localizados nas altas bacias da Serra Geral. Ressalta-se a importância do alerta da estação meteorológica local sobre essas chuvas que evitou a ocorrência de óbitos. Mesmo que os maiores danos tenham ocorrido no alto e médio vale, com inúmeros pontos de deslizamentos e modificação dos leitos dos cursos d’água, o baixo vale foi completamente inundado, tendo a sede do município sofrido graves prejuízos sociais e econômicos, a ponto de decretar Estado de Calamidade Pública.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Secretaria Estadual de Defesa Civil de Santa Catarina e ao CEPED UFSC pelo acordo de cooperação firmado entre os órgãos que possibilitou os levantamentos em campo; Coordenadoria da Defesa Civil Municipal; Sr. Santanor Petersen (Estação Meteorológica da EPAGRI), Prefeitura Municipal de Mirim Doce, 3ª Cia. do 13º Batalhão da Polícia Militar de Santa Catarina; 1ª Cia. do Batalhão de Aviação da Polícia Militar de Santa Catarina e aos moradores de Serra Velha.

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