Anais: Geomorfologia fluvial
Perigos naturais e vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos no Brasil – estudo de caso
AUTORES
Almeida, L.Q. (UFRN)
RESUMO
O objetivo da pesquisa é compreender as relações entre vulnerabilidades sociais e
exposição aos riscos de inundações na bacia hidrográfica do rio Maranguapinho
localizada na Região Metropolitana de Fortaleza, NE do Brasil. Empregaram-se
técnicas estatísticas, sobreposição cartográfica, trabalhos de campo, para
produzir um índice de vulnerabilidade socioambiental. Concluiu-se que há
coincidências entre espaços expostos a inundação e espaços da cidade que
apresentam os piores indicadores sociais.
PALAVRAS CHAVES
perigos naturais; vulnerabilidade; rios urbanos
ABSTRACT
The aim of this research is to understand the interrelationships between social
vulnerabilities and exposure to risks of flooding in Maranguapinho river basin,
located in the metropolitan area of Fortaleza, Northeastern Brazil. It was
employed statistical techniques, overlay mapping, field work, to produce an index
of socio-environmental vulnerability. It was concluded that there are coincidences
between susceptible areas to flooding, and the spaces of the city with the worst
social indicators.
KEYWORDS
natural hazards; vulnerability; urban rivers
INTRODUÇÃO
A humanidade tem vivenciado nas últimas décadas um clima de severa insegurança.
As sucessivas crises e mudanças sociais, sejam elas econômicas e/ou ambientais,
têm suscitado as condições para a onipresença do medo e da incerteza diante do
futuro. Tais condições trazem, concomitantemente, a noção de que somos cada vez
mais vulneráveis e cada vez mais susceptíveis aos riscos cotidianos, incluso
aqueles relacionados à Natureza.
Mesmo com uma crescente quantidade e qualidade do conhecimento produzido no que
diz respeito, especificamente, aos chamados “riscos naturais”, como pontuaram
White et al. (2001), ao longo das décadas do século XX, e já no século presente,
tem havido um aumento significativo da frequência e das consequências (perdas
humanas e materiais) dos eventos naturais perigosos.
Em 2008, o Brasil se encontrou entre os 13 países mais afetados por desastres
naturais, o que colocou em xeque a crença de que o País não é atingido por
fenômenos naturais perigosos. Naquele ano, 135 pessoas perderam a vida no Estado
de Santa Catarina, por conta de precipitações intensas, inundações e
deslizamentos de terra generalizados. Em 2009, novos desastres se abateram em
Santa Catarina, e em quase todos os estados da Região Nordeste. No final daquele
ano, precipitações concentradas, típicas de verão, também geraram perdas de
vidas e prejuízos materiais em diversas cidades dos Estados de São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Já em 2010 52 pessoas perderam a vida em escorregamentos
de terra generalizados no litoral sul do Estado do Rio de Janeiro, notadamente
em Angra do Reis.
O objetivo da pesquisa é analisar os riscos e as vulnerabilidades
socioambientais de rios urbanos no Brasil, tendo a bacia hidrográfica do rio
Maranguapinho, localizada na Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará, como área
de estudo de caso para compreensão das inter-relações das vulnerabilidades
sociais e exposição aos riscos naturais, principalmente os riscos ligados às
inundações urbanas.
MATERIAL E MÉTODOS
O Índice de Vulnerabilidade Socioambiental para a área de estudo foi produzido a
partir da sobreposição cartográfica de outros dois índices: Índice de
Vulnerabilidade Social-IVS e Índice de Exposição Física às Inundações-IEFI. No
IVS selecionaram-se variáveis do Censo 2000 IBGE, que representassem
desvantagens sociais. São 934 setores censitários e 21 variáveis e utilizou-se a
técnica de análise fatorial. 4 fatores foram elaborados e explicam 73,32% dos
dados. Aplicou-se a técnica Natural Breaks para formação de grupos cujos setores
sejam homogêneos. Seis grupos de vulnerabilidade foram estabelecidos de acordo
com a média dos fatores: 1. muito alta; 2. alta; 3. média a alta; 4. média; 5.
baixa; 6. muito baixa. O intervalo da média dos fatores, ou seja, do IVS é de
-1,01 a 4,94, sendo que os valores maiores representam os setores com maior
vulnerabilidade. Os valores para cada setor foram espacialidados com uso do
shapefile dos setores censitários e o mapa do IVS foi elaborado no ArcGIS 9.2. O
Índice de Exposição Física às Inundações-IEFI é um modelo têmporoespacial do
risco de inundações mediante a extensão espacial dos eventos de inundação, de
acordo com o tempo de retorno desses eventos. O IEFI foi elaborado através da
delimitação das áreas de inundação do rio Maranguapinho. As áreas de inundação e
os tempos de retorno foram obtidos com os resultados baseados em CEARÁ (2006).
Foram realizados estudos hidrológicos e hidráulicos das inundações do rio
Maranguapinho. A hierarquização da exposição física às inundações foi assim
definida: TR ≤ 2 anos – IEFI muito alta, TR ≤ 20 anos - IEFI alta, TR ≤ 100
anos - IEFI média a baixa, TR > 100 anos - IEFI muito baixa. Para a produção do
mapa do IEFI utilizou-se as linhas de inundação produzidas nos estudos
hidráulicos para a elaboração dos tempos de retorno, e produziu-se shapes para
cada intervalo com ArcGIS 9.2. Os shapes foram sobrepostos e atribuiu-se-lhes
tonalidade azul para representar as áreas de inundação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados do mapa do IVS (figura 1) apontaram como principal padrão uma
tendência à coincidência espacial entre os espaços com maiores valores de
vulnerabilidade social das periferias urbanas da RMF e o sistema de drenagem.
Com base nas análises anteriores e de acordo com a tabela 5.5, pode-se concluir
que, no conjunto de 934 setores censitários que formam a bacia hidrográfica do
rio Maranguapinho, 219 (23,45%) apresentaram vulnerabilidade social entre média
e alta e muito alta. Isso corresponde a um contingente populacional de 339.545
habitantes ou aproximadamente 34,25% da população total da bacia. Além disso,
tem-se que 81.270 famílias se encontram em algum nível de vulnerabilidade social
no âmbito da bacia hidrográfica do rio Maranguapinho. Esses dados mostram uma
parcela significativa das desigualdades socioespaciais da Região Metropolitana
de Fortaleza, refletindo um relevante contingente populacional que detém graves
problemas sociais, representados por analfabetismo e/ou poucos anos de estudos
formais, carências no acesso a serviços públicos (educação, saúde, segurança,
saneamento básico, entre outros), habitando em moradias precárias e
improvisadas, chefiadas frequentemente por jovens (com até 19 anos) e do sexo
feminino. Essas características perversas tornam esses indivíduos susceptíveis
aos perigos naturais, susceptibilidade agravada pelo adensamento urbano e pela
forma desorganizada e descontrolada com que se deu a urbanização na RMF e pelas
precaríssimas condições sociais desse importante contingente populacional
vulnerável. Já de acordo com a superposição dos setores censitários às áreas
correspondentes aos tempos de retorno de inundação elaborados para IEFI (figura
1), estima-se que um contingente populacional de até 200 mil habitantes esteja
exposto ao risco de inundações na bacia hidrográfica do rio Maranguapinho. As
áreas expostas ao risco de inundações variam de acordo com a probabilidade de
ocorrência de um evento de determinada área de extensão específica. No caso dos
tempos de retorno definidos para o IEFI, as áreas de extensão das inundações
para TR 02 anos, TR 20 anos e TR 100 anos são, respectivamente, 10,67 km² (4,91%
da área total da bacia de 217,15 km²); 14,70 km² (6,77% da área total da bacia);
e 16,70 km² (7,7% da área total da bacia). A integração ou sobreposição dos
mapas produzidos com arrimo no Índice de Vulnerabilidade Social - IVS e no
Índice de Vulnerabilidade Físico-Espacial às Inundações – IEFI, possibilitou a
identificação e localização dos espaços onde ocorre coincidência de riscos e
vulnerabilidades – sociais e ambientais – resultando no produto final da
pesquisa, o Índice de Vulnerabilidade Socioambiental – IVSA (figura 2) da bacia
hidrográfica do rio Maranguapinho, representado graficamente pelo Mapa de
Vulnerabilidade Socioambiental. Inicialmente, definiram-se a legenda do mapa e
os respectivos grupos de Vulnerabilidade Socioambiental mediante o cruzamento
dos grupos de vulnerabilidade dos índices produzidos anteriormente. Propôs-se o
cruzamento entre os grupos de vulnerabilidade (social e físico-espacial) com
suporte em suas proporcionalidades, ou seja, grupos com hierarquias semelhantes
(e.g., vulnerabilidade social alta/vulnerabilidade físico-espacial alta). A
sobreposição dos mapas realizada no programa ArcGIS 9.2 seguiu a legenda
elaborada anteriormente e integrou os setores censitários do IVS com as áreas de
extensão espacial das inundações do IEFI que apresentavam índices de
vulnerabilidade proporcionais, formando assim grupos homogêneos de
vulnerabilidade socioambiental e possibilitando a identificação e localização de
espaços em que ocorre coincidência de vulnerabilidades sociais e ambientais.
Figura 1
Mapas de Vulnerabilidade Social (esq.) e Exposição
Física às Inundações. Fonte: Elaborado por Almeida
(2010).
Figura 2
Mapa de Vulnerabilidade Socioambiental da bacia
hidrográfica do rio Maranguapinho. Fonte: elaborado
por Almeida (2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A metodologia de operacionalização do conceito de vulnerabilidade se baseia na
tentativa de sua mensuração, viabilizada pela sobreposição de dois indicadores
específicos de vulnerabilidade: exposição física aos perigos naturais e
susceptibilidade social a esses processos. A metodologia é considerada como
robusta para subsidiar a realização de novas pesquisas sobre a temática e o
direcionamento de investimentos prioritários nos espaços de maior vulnerabilidade
socioambiental. A partir dos indicadores elaborados, há a necessidade de
investimentos em fatores prioritários, tais como educação, infraestrutura urbana
(saneamento ambiental), habitação, políticas para jovens e idosos, nos espaços
onde se identificaram a coincidência de vulnerabilidades sociais e a exposição aos
riscos de inundações periódicas. Há a necessidade de avaliação da evolução
espaciotemporal das vulnerabilidades socioambientais, a fim de se conhecer como os
indicadores de vulnerabilidade evoluem no tempo e no espaço.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ALMEIDA, L. Q. de. Vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos. Bacia hidrográfica do rio Maranguapinho. Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará. Pós-Graduação em Geografia. Instituto de Geociências e Ciências Exatas/Unesp, Rio Claro, Tese de Doutorado, 2010. 278p. Acesso em
http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/brc/33004137004P0/2010/almeida_lq_dr_rcla.pdf
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WHITE, G. F.; KATES, R. W.; BURTON, I. Knowing better and losing even more: the use of knowledge in hazards management. In: Environmental hazards. v. 3, n. 3-4, set./dez., p. 81-92, 2001. ---- Este artigo é uma versão resumida da tese de doutorado “Vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos. Bacia hidrográfica do rio Maranguapinho. Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará”, elaborada no Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas/Unesp, Rio Claro, SP, e teve o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Recentemente, a tese recebeu o prêmio de Melhor Tese de 2010 da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia – ANPEGE. Link para acesso:
http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/brc/33004137004P0/2010/almeida_lq_dr_rcla.pdf