Anais: Geomorfologia fluvial
ANÁLISE GEOMORFOLÓGICA E NEOTECTÔNICA DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO MARÉS - LITORAL SUL DA PARAÍBA
AUTORES
Barbosa, T.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA) ; Furrier, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA)
RESUMO
A bacia hidrográfica do rio Marés localiza-se na região metropolitana da cidade de João Pessoa, litoral do estado da Paraíba. Para sua análise, foi aplicado o índice RDE (Relação Declividade vs Extensão) nos cursos mais importantes da bacia. Obtivemos como resultado, altos valores de RDE real, e se tratando de uma bacia situada predominantemente sobre uma mesma litologia - Formação Barreiras, presume-se que tais valores estejam ligados a atividades tectônicas recentes.
PALAVRAS CHAVES
Geomorfologia fluvial; Neotectônica; rio Marés
ABSTRACT
The Marés river watershed is located in the metropolitan city of Joao Pessoa, coast of the state of Paraíba. For analysis, it was applied the morphometric index slope-length (SL) in the most important courses of the watershed. We obtained as results high values of (SL). And because it is a watershed predominantly located on the same lithology - Formação Barreiras, it is assumed that the higher values of the morphometric index slope-length (SL) are related to recent tectonic activities.
KEYWORDS
Fluvial Geomorphology; Neotectonic; Marés river
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é a realização da análise geomorfológica e neotectônica da bacia do rio Marés, para a verificação de possíveis áreas afetadas por atividade tectônica recente. Dentre os elementos que compõem o meio convencionou-se utilizar a bacia hidrográfica, pois segundo Christofoletti (1980), os cursos de água constituem processo morfogenético dos mais ativos na esculturação da paisagem terrestre. Pode-se localizar a bacia do rio Marés em sua totalidade na carta topográfica Santa Rita (SB.25-Y-C-III-1-SO) em escala 1:25.000, localizada no estado da Paraíba.
Os estudos neotectônicos tem ganhado destaque por vários autores (p.e., BARBOSA et. al, 2011; ETCHEBEHERE et. al, 2006; FURRIER et. al, 2006; POLZIN, 2008; SOUZA et. al, 2010), onde são utilizados diversos índices morfométricos que fornecem dados quantitativos sobre determinada área. O principal parâmetro fluvio-morfométrico utilizado neste trabalho foi a Relação Declividade-Extensão (RDE), que segundo Etchebehere et. al (2006) é um indicador sensível de mudanças na declividade do canal fluvial, que podem estar associadas a desembocaduras de tributários, a diferentes resistências à erosão hidráulica do substrato rochoso e/ou à atividade tectônica.
Além do RDE levou-se em consideração a efetivação de outros cálculos fluvio-morfométricos, tais como o levantamento da área da bacia; perímetro; ordenamento dos canais; densidade hidrográfica; densidade de drenagem e amplitude altimétrica. Do mesmo modo, foram observadas as características do padrão de drenagem da bacia, que Andrades Filho (2010) cita como uma das formas de maior potencial em análises qualitativas de redes de drenagem, que se refere à forma do traçado estabelecido pelo conjunto de canais. Este traçado permite inferir sobre o condicionamento topográfico, litológico e estrutural da área onde se assentam os canais.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram elaboradas a partir do software SPRING 5.1.7, as cartas temáticas de altimetria e declividade, ambas produzidas com a utilização das curvas de nível e pontos cotados digitalizados da carta topográfica de Santa Rita (SB.25-Y-C-III-1-SO) na escala de 1:25.000 com equidistância de 10m.
Os procedimentos adotados após a confecção das mesmas, foi a análise qualitativa e quantitativa de seus respectivos conteúdos, bem como a efetivação de cálculos morfométricos descritos em Christofoletti (1980) efetuados também por Silva et. al (2003, pg. 96), que foram: o cálculo da área da bacia; perímetro; ordenamento dos canais (pelo sistema de Strahler); densidade hidrográfica e de drenagem e amplitude altimétrica. Efetuou-se ainda o cálculo de RDE (relação declividade-extensão), proposto inicialmente por Hack em 1973, conhecido como índice SL (Relação Slope vs. Lenght), empregado aqui como forma de detecção de possíveis deformações tectônicas.
Para a aplicação do índice RDE na bacia hidrográfica do rio Marés, selecionou-se o rio de maior extensão e hierarquia fluvial, e aplicou-se o cálculo de RDE (total), logo após ele foi dividido em três seguimentos de tamanhos similares e calculou-se o RDE (trecho) em cada um dos seguimentos. A fórmula utilizada para o cálculo de ambos, foi respectivamente: RDE (total) = (∆H/LnL) e RDE (trecho) = (∆H/∆L) x L, onde ∆H (no RDE total) é a diferença altimétrica entre a cota localizada a cabeceira do rio e a localizada na foz do mesmo, LnL é o logaritmo natural da extensão total do curso de água, ∆H (no RDE trecho) é a diferença altimétrica entre dois pontos selecionados no curso de água, ∆L é o comprimento do trecho analisado e L corresponde à extensão total do canal da nascente até o ponto final do trecho para onde o índice RDE está sendo calculado (MARTINEZ, 2005). Os valores das cotas da nascente, foz e trechos do rio foram dados a partir do modelo digital de elevação do terreno, obtidos a partir da vetorização da carta topográfica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A área de estudo está inserida sobre a Formação Barreiras - unidade litoestratigráfica de idade miocênica, que representa um conjunto de rochas sedimentares mal consolidadas que se encontram localizadas em faixa que vai do estado do Amapá até o norte do Rio de Janeiro (ARAI, 2006). Dispõe-se em camadas discordantes sobre embasamento cristalino e bacias sedimentares marginais, sobre ela são desenvolvidos os baixos tabuleiros, geralmente com topos aplainados, ora soerguidos, ora rebaixados ou basculados por evidente atuação da tectônica recente (FURRIER et. al 2006; FURRIER 2007). Verificando essa atuação, aplicou-se o cálculo RDE e os demais cálculos morfométricos citados anteriormente.
A hierarquia fluvial da bacia do rio Marés foi dada conforme o sistema proposto por Strahler em 1952, ela se constitui em uma bacia de 3ª ordem, contendo 19 canais nos quais 15 são de 1ª ordem, 3 de 2ª ordem e 1 é de 3ª ordem, sendo este último o rio principal. Apresenta padrão de drenagem dendrítico, possuindo alguns canais retilinizados por ação humana.
A densidade hidrográfica (Dh) e de drenagem (Dd) da bacia foram calculadas levando em consideração o número de cursos d'água, o comprimento total dos canais e a área da bacia, tendo como resultados os seguintes valores: Dh = 0,67(km (km2)-1) e Dd = 0,83(km (km2)-1), indicando se tratar de uma bacia de baixas densidades, com número de canais e tamanho dos mesmos relativamente reduzidos.
A bacia não envolve grandes cotas altimétricas por ser parte dos baixos planaltos costeiros, atingindo cerca de 150m de altitude, a amplitude altimétrica da bacia do rio Marés é de 71m, porém, o rio Marés tem entalhado o seu vale de forma significante, e modelado vertentes íngremes em boa parte de sua extensão.
O índice RDE foi aplicado para o rio principal da bacia, desconsiderando a área referente ao açude Marés, devido à interferência humana no mesmo. Foram definidos três segmentos de drenagem do rio principal para aplicar o RDE (trecho), estes segmentos atingem a extensão total de 7,40km (figura 1).
A obtenção do índice RDE por trechos apontou que todos os seguimentos previamente selecionados apresentam indícios de anomalias de drenagem, estando eles posicionados no alto, médio ou baixo curso do rio.
Para avaliar os valores RDE adotou-se como base o trabalho de Andrades Filho (2010), onde ele ressalta que os segmentos considerados anômalos são os que obtêm RDE real (RDE trecho/ RDE total) maior ou igual a 2, e o de Sebeer e Gornitz (1983), onde eles apontam que para os índices RDE maior que 2 existem duas categorias: as anomalias de 2ª ordem, referentes aos índices obtidos compreendidos entre os limiares 2 a 10 e as anomalias de 1ª ordem referentes aos valores iguais ou superiores a 10.
Os resultados dos cálculos de RDE (total) e RDE (trecho) do curso do rio Marés apontam que o mesmo se encontra dentro do padrão anômalo, ou seja, maior que 2, e por se tratar de uma bacia que está situada predominantemente sobre uma mesma litologia - sedimentos inconsolidados da Formação Barreiras, presumi-se que os altos valores de RDE estejam ligados à atividades de tectônica recente. A Tabela 1 mostrará um resumo das variáveis morfométricas encontradas no curso total e nos seguimentos do rio Marés, bem como os resultados de RDE e a relação RDE trecho/RDE total (RDE real).
O rio principal para o qual foi calculado RDE (total) apresentou um valor de 2,068, estando então dentro da classificação de anomalias de 2ª ordem entre os limiares 2 à 10. Dos três seguimentos analisados, todos obtiveram resultados de RDE real altíssimos, que foram respectivamente os valores 13, 10 e 17, que de acordo com a classificação de Sebeer e Gornitz (1983), representam anomalias de 1ª ordem com valores iguais ou superiores a 10.
Figura 1
Figura 1 - Localização da área da bacia do rio Marés com destaque para os trechos escolhidos para o cálculo do RDE.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a sensibilidade morfométrica dos rios frente aos processos que interferem na dinâmica natural deles, e como suas características são modificadas para alcançar novo equilíbrio, tem-se posse de um instrumento de análise bastante proveitoso em estudos neotectônicos, o RDE. Este instrumento permite de forma simples e sem altos custos detectar áreas anômalas especificando os principais pontos para investigação em campo, possibilitando encontrar indícios da atuação da neotectônica apontada nos resultados dos cálculos.
Os altos valores de RDE obtidos na análise da bacia do rio Marés indicam provável influência estrutural em sua configuração, apontando através do RDE (trecho) os pontos mais anômalos do rio. Considerando que a bacia situa-se sobre os tabuleiros costeiros, em margem continental passiva, a presente análise foi fundamental para contribuição à ciência geomorfológica, que há pouco tempo atrás desconsiderava a influência estrutural nas formas de relevo do Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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