Anais: Outros

Estruturas de impacto meteorítico e geomorfologia: considerações teóricas

AUTORES
Santos, A. (USP)

RESUMO
Apresenta-se uma reflexão teórica sobre as estruturas de impacto, feições geológicas formadas por colisões de bólidos extraterrestres – como meteoritos e cometas – contra a superfície da Terra. Discutem-se questões como: o histórico dos estudos sobre crateras de impacto, o processo de impact cratering e as estruturas de impacto como condicionantes do relevo. Busca-se integrar os estudos de estruturas de impacto com os estudos geomorfológicos.

PALAVRAS CHAVES
Estruturas de impacto; Impact Cratering; Morfoestrutura

ABSTRACT
We present a theoretical reflection on the impact structures, geological features formed by extraterrestrial bolide collisions – such as meteorites and comets – against the Earth's surface. We discuss issues such as: the history of studies on impact craters, the process of impact cratering and development of relief on impact structures. This research aims to integrate the studies of impact structures with the geomorphological studies.

KEYWORDS
Impact Structures; Impact cratering; Morphostructure

INTRODUÇÃO
Estruturas de impacto são feições geológicas resultantes do impacto de hipervelocidade de bólidos (meteoritos ou cometas) contra a superfície de um corpo maior, seja ele um satélite ou um planeta. Na Terra, elas sustentam feições geomorfológicas conhecidas pela designação “crateras de impacto”, por vezes referidas como “astroblemas”. Embora estudadas quase exclusivamente por geólogos, geofísicos e astrônomos, as crateras de impacto constituem importante problema geomorfológico e não devem ser ignoradas por esta disciplina. A formação dessas feições envolve a rápida destruição do relevo pretérito e o desenvolvimento de um novo arranjo geomorfológico, cuja evolução passa a ser influenciada pela estrutura de impacto que se impõe ao arcabouço geológico local. A formação de estruturas de impacto se dá pelo processo de impact cratering (Melosh, 1989) Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão teórica sobre o papel dos impactos de bólidos extraterrestres na elaboração do relevo da Terra. Elencam-se, dentre as questões fundamentais sobre relevos elaborados sobre estruturas de impacto: os fenômenos compreendidos no processo de impact cratering, a tipologia morfológica das crateras de impacto, a influência da obliquidade do impacto e da estratificação do embasamento geológico sobre a morfologia da cratera resultante, a compartimentação do relevo em estruturas de impacto recém-formadas e a distribuição espacial das crateras de impacto pela superfície da Terra.

MATERIAL E MÉTODOS
Para a investigação dos estudos clássicos e atuais sobre impactos meteoríticos e seus produtos, consultou-se o Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo e o banco de dados de trabalhos acadêmicos Science Direct, na Internet. Textos teóricos da geomorfologia também foram consultados, conduzindo a uma integração entre as temáticas. Consultou-se ainda o banco de dados Earth Impact Database (PASSC, 2010), para obtenção de dados sobre estruturas de impacto terrestres.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os estudos sobre estruturas de impacto desenvolveram-se a partir de três áreas inicialmente independentes: estudos de crateras lunares, estudos de meteoritos localizados na Terra e experimentos envolvendo explosões nucleares e artilharia pesada com finalidade militar (Melosh, 1989). Têm mais antiguidade os estudos lunares. Do século XVIII ao XX, Schröter, Neison, Dana, Nasmyth e Carpenter sustentaram a hipótese vulcânica para explicar as crateras, devido à perda rápida de calor pelo satélite. Outro grupo, notando disparidades morfológicas entre crateras lunares e vulcões terrestres, não aceitava a explicação e propunha origem por impacto, como Gruithusen, Althans, Proctor e Gilbert (Hoyt, 1987). Obstáculo à hipótese era a morfologia circular das crateras, apesar da distribuição aleatória das direções dos bólidos. Dietz (1946) demonstrou que as velocidades cósmicas dos impactos levariam a processo análogo ao de uma explosão. Estudos experimentais buscaram compreender os processos envolvidos na formação dessas feições. Destacam-se os estudos de Jones (1977), que produziu crateras complexas no alúvio e descreveu deformações produzidas nas rochas, e de Roddy (1997), que procurou obter dados para analogias morfológicas entre crateras de impacto e de explosão. Crateras de impacto terrestres também foram alvo de controvérsias: nos anos 1910 a 1930, debatia-se a origem da cratera do Meteoro, atribuída por muitos a processos vulcânicos explosivos. Grieve e Robertson (1979) elaboraram um inventário de 13 estruturas conhecidas; Trefil e Raup (1990) contabilizaram 110 estruturas, Grieve e Pesonen (1992), 130, e French e Koeberl (2010), 175. Desenvolve-se o conceito de impact cratering, processo desencadeado a partir da colisão de um bólido extraterrestre em hipervelocidade (velocidade superior à do som) contra a superfície da Terra, provocando liberação de grande quantidade de energia em espaço e tempo muito limitados (French e Koeberl, 2010). Para Gault et al (1968), o processo é uma sequência rápida de eventos, agrupados em estágios. No estágio de contato e compressão, o bólido entra em contato com a superfície e transfere sua energia cinética, por uma onda de choque. No estágio de escavação, a onda de choque se expande pelas rochas e é seguida por um fluxo de escavação, que efetivamente abre a cratera. O estágio de modificação caracteriza-se pelo colapso gravitacional da cratera transitória, que adquire uma morfologia mais estável com preenchimento de seu interior por detritos. Há dois grupos morfológicos de estruturas: simples e complexas (Grieve e Pesonen, 1992). As primeiras exibem forma de “tigela”, enquanto as últimas possuem picos ou anéis centrais. Tal diferenciação ocorre no estágio de modificação e é função direta da escala do colapso gravitacional (Dressler et al, 2001). Impactos meteoríticos participam da elaboração do relevo, com mais de 170 conhecidas. Com origem externa ao planeta, são processos exógenos, embora produzam fraturas e dobras, endógenos (Penck, 1953). Tratam-se de morfoestruturas (Mescerjakov, 1968), deformações distintas nas rochas locais em relação ao contexto regional, que sustentam morfoesculturas, as crateras de impacto. Uma cratera de impacto pode levar de segundos a minutos para se desenvolver, embora sua degradação dure milhões de anos. Cristas e picos centrais tendem a se degradar, enquanto as partes mais rebaixadas são preenchidas por sedimentos, permitindo reconstrução de ambientes em longos períodos sem interrupções (Ledru et al, 2005). Observações em diversas crateras recentes (Fudali et al, 1980) sugerem que a drenagem é tipicamente endorréica no interior das crateras de impacto nos estágios iniciais de degradação, com exceção dos ambientes áridos e glaciais. À medida que a crista se rebaixa e o interior é entulhado, criam-se condições para a abertura da drenagem, que passa a exorréica, por meio de capturas fluviais (Bishop, 1995).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos temas levantados ao longo deste trabalho, busca-se abrir perspectivas para o estudo da geomorfologia das crateras de impacto. O próprio processo de impact cratering, deve ser considerado em estudos geomorfológicos que tratarem de áreas influenciadas por impactos meteoríticos. Estruturas de impacto estão presentes em diversos lugares da Terra e constituem heranças desses eventos catastróficos. Sua presença implica em fenômenos de interesse à geomorfologia, como a destruição de paisagens pré-existentes, o condicionamento estrutural ao desenvolvimento da drenagem e a elaboração de uma classe de feições geomorfológicas: as crateras de impacto, rapidamente produzidas pelos processos de impact cratering e lentamente degradados pelos processos subsequentes.

AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de mestrado concedida.

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