Anais: Outros
O papel do vigor energético da drenagem na distribuição potencial do mexilhão dourado(Limnoperna fortunei): modelagem de nicho ecológico
AUTORES
Bezerra, D.P. (UFMG) ; Campos, M.D.S. (CETEC)
RESUMO
A introdução do mexilhão dourado na América do Sul esteve relacionada às descargas
de água de lastro. A espécie continuamente adentrou o continente causando
prejuízos econômicos e ecológicos. O nicho ecológico do mexilhão e sua
distribuição potencial no baixo Rio Paranaíba é determinada através dos algoritmos
GARP e MAXENT. O mexilhão esteve restrito às porções mais baixas do rio Paranaíba;
tal distribuição se deve ao vigor dos rios da região, que retardam sua dispersão à
montante.
PALAVRAS CHAVES
espécies invasoras; energia fluvial; modelagem de nicho
ABSTRACT
The introduction of the golden mussel in South America was related to discharges
of ballast water. The species continuously taken the continent causing economic
damage and ecological. The ecological niche of mussels and their potential
distribution in the lower Rio Paraíba is determined using the algorithms GARP and
MAXENT. The mussels was restricted the portions lower Rio Paraíba; such
distribution is due to the force of the rivers of the region, that retard its
dispersion upstream.
KEYWORDS
invasive species; stream power; niche modeling
INTRODUÇÃO
O grande intercâmbio global nos últimos 200 anos tem promovido a quebra de
barreiras naturais e acelerado a taxa de dispersão de vários organismos (Elton,
1958). Tal processo tem consequências desastrosas sobre a biodiversidade nativa
de ecossistemas naturais, ou mesmo impactos de ordem econômica sobre sistemas
agrícolas, industriais e sobre a saúde humana (Cairns & Bidwell, 1996). Por essa
razão entender o processo de invasão, prever seu sucesso e efeitos sobre o novo
ambiente, torna-se essencial e isso inclui entre outros aspectos, a
identificação das espécies invasoras e a avaliação de suas prováveis áreas de
invasão (Mack et al., 2000).
O Limnoperna fortunei – popularmente conhecido como mexilhão dourado, é
um caso típico de bioinvasão na América do Sul (Ricciardi & Cohen, 2007) e sua
introdução na região esteve relacionada às descargas de água de lastro
(Darrigran & Pastorino, 1995).
Nesse trabalho buscou-se melhor entender a relação entre os
requerimentos ecológicos do mexilhão dourado e seus ambientes potenciais através
da modelagem de seu nicho, utilizando os algoritmos Genetic Algorithm for Rule-
Set Production (GARP) e Maximum Entropy Method (MAXENT). O trabalho de Oliveira
(2009) considerou a utilização de variáveis físico-químicas das águas em uma
escala regional para a modelagem de nicho do mexilhão dourado. Entretanto, não
levou em conta o papel do vigor energético dos rios como uma das variáveis
potencialmente determinantes do nicho e da distribuição potencial de L.
fortunei. A hipótese desse trabalho é a de que a competência dos cursos fluviais
deve ser importante na composição do nicho ecológico de L. fortunei,
influenciando no seu estabelecimento em um novo ambiente e determinando a sua
distribuição. Para testar tal hipótese, foi calculado o Índice de Hack da área
de estudo (Hack, 1973) – utilizando-o como uma das camadas ambientais a serem
testadas nos modelos de nicho ecológico do mexilhão dourado para o sistema do
baixo Paranaíba.
MATERIAL E MÉTODOS
A modelagem do nicho ecológico do mexilhão dourado para A região do baixo rio
Paranaíba foi realizada através de quatro procedimentos distintos e
complementares, a saber:
(1) Construção de camadas ambientais (conjunto de células espacialmente
contínuas com valores de uma determinada variável abiótica em uma região)
utilizando as seguintes variáveis: pH / Oxigênio dissolvido / Clorofila a /
Turbidez / Condutividade / Cálcio; além dessas, o Índice de Hack ou Relação
Declividade-Extensão também foi utilizado – tal é uma base comparativa do vigor
energético de diferentes ambientes fluviais;
(2) Cálculo do Índice de Hack (RDE) para o baixo Paranaíba de acordo com Hack
(1973);
(3) Desenvolvimento, através do algoritmo GARP, de 800 modelos de nicho
ecológico do Mexilhão Dourado, sendo 200 para cada uma das 4 diferentes
combinações de variáveis selecionadas (a saber, (1) todas as camadas ambientais;
(2) todas as camadas exceto o RDE; (3) todas as camadas exceto a Clorofila a;
(4) todas as camadas exceto RDE / Clorofila a) com posterior determinação da
distribuição potencial pra cada uma das combinações supracitadas (bem como
testes de jackknife);
(4) Desenvolvimento, através do algoritmo Maxent, de 8 modelos de nicho
ecológico do Mexilhão Dourado, utilizando para isso 8 diferentes combinações de
camadas ambientais (a saber, (1) todas as camadas ambientais; (2) todas as
camadas exceto Clorofila a; (3) todas as camadas exceto Oxigênio Dissolvido; (4)
todas as camadas exceto o RDE; (5) todas as camadas exceto Oxigênio dissolvido /
pH; (6) todas as camadas exceto o Oxigênio dissolvido / pH / Cálcio /
Condutividade; (7) todas as camadas exceto Condutividade / pH / Oxigênio
dissolvido ; (8) somente as camadas Clorofila a / RDE) com posterior
determinação da distribuição potencial pra cada uma das combinações supracitadas
(bem como testes de jackknife).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A distribuição espacial do mexilhão dourado entre 2006/2007 no sistema modelado,
expressa em densidades médias de larvas do mexilhão por metro cúbico, é
apresentada na Figura 1. Essa espécie, dentro do recorte temporal considerado no
estudo, está restrita ao trecho final do rio Paranaíba próximo à confluência com
o Rio Grande que junto formam as cabeceiras do Rio Paraná. A espécie não é
encontrada no reservatório de São Simão e seus afluentes. Entre os tributários
da margem direita do rio Paranaíba, foi verificada a presença do invasor somente
neste último rio (Aporé – T4), na sua junção com o rio Paranaíba. Interessante
observar que em 2004 foi detectada a espécie na localidade de Porto Alencastro
(PR3) que está a menos de 120 Km em linha reta do reservatório de São Simão
(Campos et al., 2005). Considerando que a velocidade da colonização da espécie
para montante ao longo da bacia do rio da Prata foi em média de 240 km/ano
(Darrigran & Drago, 2000) pode-se considerar que o avanço da espécie é
desacelerado nesta parte do sistema mesmo com o contínuo tráfego de embarcações
contendo mexilhões em seus cascos.
De maneira geral, os resultados gerados a partir dos algoritmos MAXENT e
GARP foram semelhantes; mesmas combinações de variáveis geraram resultados
análogos. Tanto em nível estatístico, quanto de representação espacial da
distribuição potencial do Mexilhão, tivemos três padrões claros: (1) os modelos
gerados com a presença das camadas ambientais RDE e Clorofila a (independente
das outras variáveis); (2) modelos gerados sem a presença da camada ambiental
RDE; (3) modelos gerados sem a presença das camadas ambientais RDE e Clorofila
a.
Os modelos inseridos no padrão (1) apresentaram os maiores valores
estatísticos de acurácia e estiveram de acordo, em sua representação espacial,
com a distribuição dos Pontos conhecidos de ausência do Mexilhão. Os modelos do
padrão (2) apresentaram baixos valores estatísticos de acurácia em sentido amplo
(dados de treino e teste) e, sobretudo, na porção média do Baixo Paranaíba,
entraram em desacordo com os Pontos conhecidos de ausência do L. fortunei. Já os
modelos do padrão (3) apresentaram os menores valores estatísticos de acurácia e
foram incompatíveis com os Pontos de ausência. Essa constatação dos padrões de
modelos gerados, somados à análise de jacknife gerada pelo algoritmo MAXENT nos
leva a teorizar a ordem de importância das camadas ambientais utilizadas para a
predição da distribuição potencial do Mexilhão Dourado no Baixo Paranaíba, a
saber: RDE > Clorofila a > Turbidez > Cálcio > Oxigênio dissolvido =
Condutividade > pH. Tal ordem possui natureza qualitativa.
Essa constatação sugere que, considerando que os mecanismos de
introdução estivessem presentes em toda a extensão da área modelada, no Baixo
Paranaíba, o vigor energético dos rios seria a principal característica
ambiental relacionada com a distribuição do L. Fortunei. A Clorofila a,
indicador da disponibilidade de alimentos em ambientes aquáticos, também teria
elevada importância nessa distribuição (embora não tão grande quanto o RDE). A
explicação dessa relação advém do raciocínio de Oliveira (2009) de que o
Mexilhão pode utilizar detritos orgânicos como alimentos para compensar uma
eventual pequena disponibilidade de algas e bacterioplânctons. As outras
variáveis apresentam pequeno poder de explicação da distribuição do Mexilhão na
região. O resultado é muito interessante: a variável com maior poder explicativo
dentro dos modelos construídos nunca foi utilizada em nenhum trabalhos com
finalidade semelhante. Isso não significa, necessariamente, que em todos os
casos o mesmo acontecerá; Oliveira (2009) mostra como em sua área de estudo o
evento limnológico de depleção de oxigênio (que não ocorre na área considerada
nesse estudo) apresenta grande poder explicativo em seu caso.
FIGURA 1
Pontos de amostragem e de ocorrência do mexilhão
no rio Paranaíba, a jusante e a montante do
reservatório de São Simão (MG/GO), baixo rio
Paranaíba.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A habilidade dos algoritmos MAXENT e GARP em realizar previsões de distribuição de
espécies usando registros de ocorrência de espécie e características ambientais
são atestadas nesse estudo. Os modelos de distribuição potencial de espécies
invasoras podem auxiliar estratégias e ações a serem tomadas em âmbitos
individuais e coletivos (sobretudo por gestores) no sentido de prevenção e
preservação dos ambientes aquáticos.
A proposição do RDE como variável para a modelagem da distribuição do
Mexilhão Dourado no Baixo Paranaíba se mostrou deveras acertada; a rigor, o RDE
foi a variável que mais contribuiu para a eficiência dos modelos construídos, o
que prescreve que estudos futuros de mesma natureza levem em consideração a sua
utilização, ignorada por todos os estudos até então. Caso a utilização desse
índice seja deveras complicada, o mesmo poderá ser substituído por outras
variáveis que indiquem o vigor energético de rios, como por exemplo a vazão.
AGRADECIMENTOS
Os autores desse trabalho agradecem à FAPEMIG pelo auxílio financeiro no
desenvolvimento dessa pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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CAMPOS, M.C.S., ROLLA, M.E. & FELIPE, G.A. 2005. Ocorrência de Limnoperna fortunei (Dunker,1857) em Minas Gerais In Proceedings X Congresso Brasileiro de Limnologia,(Sociedade Brasileira de Limnologia coord) Ilhéus, BA, número 998 794.
DARRIGRAN, G. & DRAGO, E. 2000. Distribucion de Limnoperna fortunei (Dunker, 1857) (Mytilidae), en la Cuenca del plata, Region Neotropical. Medio Ambiente 13(2): 75-79.
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OLIVEIRA, M.D. 2009. Fatores reguladores e distribuição potencial do Mexilhão dourado (Limnoperna fortunei Dunker 1857) na bacia do alto rio Paraguai e outros rios brasileiros. Tese de Doutorado, Programa de Pós Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo e Vida Silvestre, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais.
RICCIARDI A.E, COHEN J. 2007 The invasiveness of an introduced species does not predict its impact Biol Invasions 9:309–315. DOI 10.1007/s10530-006-9034-4.