Anais: Outros
Feições Morfoestratigráficas Indicativas de Movimentos Neotectônicos na Região do Médio Vale do Rio Paraíba do Sul
AUTORES
Peixoto, M.N.O.P. (DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA (IGEO/UFRJ)) ; Barros, S.C. (PESQUISADORA VINCULADA AO NÚCLEO DE ESTUDOS DO QUA) ; Mello, C.L. (DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA (IGEO/UFRJ))
RESUMO
O estudo tem como objetivo investigar feições morfoestratigráficas indicativas de
movimentos tectônicos quaternários na região do Médio Vale do Rio Paraíba do Sul a
partir da análise de feições deposicionais quaternárias e morfoneotectônicas. A
análise evidenciou que as rampas de alúvio-colúvio em forma de leques aluviais
podem ser consideradas feições indicativas de falhas associadas à tectônica
cenozoica, em especial ao regime de transcorrência dextral E-W, ocorrido no
Pleistoceno/Holoceno.
PALAVRAS CHAVES
Morfoestratigráficas; Morfotectônica; Médio Vale do Rio Paraíba
ABSTRACT
This study investigates morphostratigraphic features indicative of Quaternary
tectonic movements in the Paraiba do Sul River Middle Valley. The results obtained
in this study reveal that alluvial fan-shaped alluvial-colluvial deposits can be
correlated to Cenozoic fault reactivation events, primarily an E-W dextral
transcurrent regime, occurred along the Pleistocene/ Holocene.
KEYWORDS
Morphostratigraphic ; morphotectonic; Paraiba do Sul River Midd
INTRODUÇÃO
A região do Médio Vale do Rio Paraíba do Sul (MVPS) tem sido foco de diversos
estudos sobre a evolução da paisagem durante o Quaternário, tendo sido
identificados distintos episódios de erosão/sedimentação que resultaram em
feições características na morfologia das encostas e fundos de vale (Moura &
Mello, 1991; Moura et al., 1991). Dentre estes se destaca o evento Manso como o
de maior significado geomorfológico regional (Moura & Mello, 1991), relacionado
a um episódio de grande instabilidade ambiental ocorrido no Holoceno inicial a
médio, que produziu feições deposicionais muito expressivas no relevo atual – as
rampas de alúvio-colúvio e o nível de terraço fluvial superior (T1).
Mello (1992) elaborou um modelo paleoambiental para o evento Manso,
sugerindo um cenário caracterizado por condições climáticas de curtos períodos
de chuvas concentradas de grande magnitude. Contudo, o autor não descartou a
possibilidade de um condicionamento neotectônico neste evento. Dentro desta
concepção de controle neotectônico na sedimentação quaternária do MVPS, Salvador
& Riccomini (1995) interpretaram as feições deposicionais como registros de
falhas associadas à fase de distensão holocênica WNW-ESSE. Morais (2009) também
associou rampas de alúvio-colúvio com morfologia de leques aluviais à atuação de
movimentos tectônicos - transcorrência dextral E-W (Pleistoceno a Holoceno
inicial) e distensão WNW-ESE (Holoceno médio). Embora estes estudos demonstrem
indícios de controles estruturais e/ou neotectônicos na sedimentação quaternária
da região, ainda são necessárias análises que permitam avaliar a sedimentação
quaternária como registro de movimentos neotectônicos. Deste modo, o presente
estudo tem como objetivo investigar as feições morfoestratigráficas rampas de
alúvio-colúvio como indicativas de movimentos neotectônicos.
MATERIAL E MÉTODOS
A área selecionada para estudo é composta por setores das bacias de drenagem dos
rios do Bananal (72,734km2), Piracema (106,418 km2) e Barreiro de Baixo (75,894
km2), localizados na região limítrofe entre os municípios de Bananal (SP) e
Barra Mansa (RJ). Abrange diferentes domínios litoestruturais do segmento
central da Faixa Ribeira, constituído por corpos granitoides e metassedimentos
do Complexo Paraíba do Sul, de orientação principal NE-SW (Heilbron et al.,
2004).
A metodologia adotada envolveu as seguintes etapas: i) elaboração de mapas de
feições deposicionais, buscando identificar as feições morfoestratigráficas
associadas ao evento Manso e aos níveis de sedimentação fluvial inferiores,
segundo a metodologia proposta por Moura et al. (1992), e individualização das
áreas esvaziadas, conforme critérios estabelecidos por Barros (2011, adaptado de
Peixoto, 2003); ii) individualização de feições morfoneotectônicas, seguindo os
critérios empregados por Gontijo (2009); iii) identificação de feições de rampas
de alúvio-colúvio (reafeiçoadas ou não) de caráter morfoneotectônico, com base
na análise da geometria em planta destas feições, similar à morfologia de leques
aluviais e associada a facetas triangulares; iv) orientação das feições
morfotectônicas, segundo metodologia proposta por Oliveira et al. (2009); v)
análise do controle neotectônico fundamentada na correlação dos dados obtidos
com o mapa de compartimentação topográfica elaborado por Barros et al. (2011) e
com os domínios litoestruturais e dados neotectônicos levantados na região do
Médio Vale do Paraíba do Sul (Salvador e Riccomini, 1995; Heilbron et al., 2004;
Riccomini et al., 2004; Gomes, 2006; Gontijo, 2009; Morais, 2009; Barros, 2011).
Ortofotos digitais (IBGE,2004) com resolução espacial de 2m foram utilizadas
para mapeamento e orientação de feições morfoneotectônicas, com o software
ArcGis 9.2, e a extração de azimutes das feições morfoneotectônicas com o
software Rozeta 2.0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O mapa de feições deposicionais quaternárias elaborado para a área de estudo
evidencia a distribuição diferenciada das feições morfoestratigráficas em
análise (Figuras 1 e 2).
A maior preservação dos depósitos sedimentares associados ao evento Manso
concentra-se no compartimento Depressão Colinosa Piracema-Barreiro de Baixo
(CPB), de orientação NE-SW. Segundo Barros et al. (2011) a segmentação do CPB
por compartimentos de morros com orientação NW-SE controla a retenção da
sedimentação quaternária nos coletores Barreiro de Baixo e Piracema, que se
destacam pela expressiva sedimentação associada aos terraços superiores,
seguindo a orientação NE-SW. Por outro lado, as feições de rampas de alúvio-
colúvio (e reafeiçoadas) apresentam uma concentração na área do divisor das
bacias dos rios Piracema e do Barreiro de Baixo, evidenciando nítido controle
estrutural, visto que as sub-bacias de drenagem onde se desenvolvem apresentam-
se fortemente orientadas para NW-SE, distinguindo-se do quadro litoestrutural
regional (Barros et al. 2011).
As rampas de alúvio-colúvio similares a leques aluviais distribuem-se por toda a
área de estudo, sendo que as bacias dos rios Piracema e Barreiro de Baixo
destacam-se pela maior concentração (1028 e 1084, respectivamente), enquanto que
na bacia do rio do Bananal foram documentadas apenas 668 ocorrências. De modo
geral, estas feições desenvolvem-se perpendicularmente ao eixo principal do
entulhamento sedimentar de sub-bacias de drenagem de até segunda ordem com
orientação preferencial NW-SE. Observa-se uma assimetria na distribuição das
rampas de alúvio-colúvio em forma de leque aluvial nestas sub-bacias: as
encostas a SW estão mais dissecadas que as encostas a NE.
A análise geral das orientações dos eixos de paleofluxo sedimentar das rampas de
alúvio-colúvio em forma de leque aluvial evidencia que há uma maior
representação dos paleofluxos para NE em todas as bacias de drenagem
investigadas. Contudo, são as bacias dos rios Piracema e, principalmente, do
Barreiro de Baixo que apresentam maior concentração de paleofluxos sedimentares
neste sentido, conforme pode ser visualizado na Figura 2, destacando-se a região
colinosa localizada na margem direita do rio do Barreiro de Baixo, próximo com o
limite da bacia do rio Piracema. Outros sentidos de paleofluxos de rampas de
alúvio-colúvio também foram verificados, ressaltando-se o sentido de paleofluxo
para SW como o segundo mais importante.
A análise da distribuição espacial das facetas triangulares revela que
estas feições desenvolvem-se, predominantemente, nas sub-bacias de drenagem
localizadas na região do divisor entre as bacias dos rios do Barreiro de Baixo e
Piracema. Em todas as bacias analisadas as facetas triangulares estão
orientadas, preferencialmente, para NW, evidenciando um controle estrutural
segundo esta direção nas sub-bacias de drenagem onde se desenvolvem as rampas de
alúvio-colúvio em forma de leque aluvial com orientação preferencial NE.
O controle tectônico sobre o desenvolvimento de facetas triangulares com
orientação preferencial NW e na geração das rampas de alúvio-colúvio em forma de
leque aluvial foi documentado em afloramento localizado no divisor entre as
bacias dos rios do Barreiro de Baixo e Piracema (Barros, 2011), que apresenta
registro de falhas de orientação WNW-ESE a NW-SW, com movimentação oblíqua,
dextral e normal, compatíveis com um regime de transcorrência dextral E-W.
Figura 1: Área de estudo, com os limites das bacias
hidrográficas analisadas.
Trecho do mapa de feições deposicionais
quaternárias.RAC= Rampa de alúvio-colúvio;RACr =
Rampa de alúvio-coluvio reafeiçoada; 1= Facetas
triangulares
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conjunto de dados produzidos indica que as feições de rampas de alúvio-colúvio
(reafeiçoadas ou não) em forma de leques aluviais são resultantes de antigas
paleovoçorocas de fluxo sedimentar preferencial para NE, que dissecaram
interflúvios das sub-bacias de orientação NW-SE, controladas pelo regime de
transcorrência dextral E-W (Barros, 2011). Considerando as relações entre as
feições deposicionais quaternárias, associadas ao evento Manso, com os registros
de falhas neotectônicas produzidos para área investigada (Salvador e Riccomini,
1995; Riccomini et al., 2004; Barros, 2011) e com os resultados obtidos neste
estudo, as rampas de alúvio-colúvio em forma de leques aluviais são consideradas
feições indicativas de falhas, em especial ao regime de transcorrência dextral E-
W, ocorrido no Pleistoceno/Holoceno, que faz parte da evolução do Rifte
Continental do Sudeste do Brasil.
AGRADECIMENTOS
À Faperj pelo apoio financeiro através de projetos de pesquisa desenvolvidos no
NEQUAT/UFRJ.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BARROS, S.C. Controle neotectônico na evolução de cabeceiras de drenagem entulhadas no Médio Vale do Paraíba do Sul (SP/RJ). 2011. 95p. Dissertação (Mestrado em Geologia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
BARROS, S. C.; MELLO, C. L.; PEIXOTO, M.N.O; RENK, J.F.C.; SILVA, S. M.; SILVA, T.M. Influência Neotectônica na Compartimentação do Relevo e na Distribuição da Sedimentação Quaternária na Depressão Interplanáltica do Médio Vale Paraíba do Sul (SP/RJ). In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, 13., 2011. Anais eletrônicos... Búzios: ABEQUA. v. 13. 2011.
GOMES, L.C. Reativações neotectônicas ao longo de zonas de cisalhamento Neoproterozóicas na região do médio vale do rio Paraíba do Sul, entre Volta Redonda (RJ) e Bananal (SP). 2006. 26 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Geologia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
GONTIJO, A.H.F. Morfotectônica do médio vale do rio Paraíba do Sul: região da serra da Bocaina, estados de São Paulo e Rio de Janeiro. 1999. 259 p. Tese (Doutorado em Geologia) Instituto de Geociências, Universidade Estadual Paulista. Rio Claro (SP), 1999.
HEILBRON, M.; PEDROSA-SOARES, A.C.; CAMPOS NETO, M.C.; SILVA, L.C.; TROUW, R.A.J.; JANASI, V.A. Província Mantiqueira. In: MANTESSO-NETO, V.M.; BARTORELLI, A.; CARNEIRO, C.D.R.; BRITO-NEVES, B.B. (orgs.). Geologia do Continente Sul-Americano: evolução da obra de Fernando Flávio Marques de Almeida. São Paulo: Editora Beca, 2004. p. 203-234.
MELLO, C.L. Fácies sedimentares, arquitetura deposicional e relações morfoestratigráficas em um sistema de leques aluviais holocênicos: Aloformação Manso - médio vale do rio Paraíba do Sul (SP/RJ). 1992. 188 p. Dissertação (Mestrado em Geologia) - Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992.
MORAIS, N.B. Avaliação do controle estrutural/neotectônico na sedimentação aluvial-coluvial quaternária no Gráben Casa de Pedra (Bacia de Volta Redonda, RJ). 2009. 39p. Trabalho de conclusão de curso (Especialização em Geologia do Quaternário) – Departamento de Geologia e Paleontologia, Museu Nacional-Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
MOURA, J.R.S. e MELLO, C. L. Classificação aloestratigráfica do Quaternário superior na região de Bananal (SP). Revista Brasileira de Geociências. v.21, n. 3, p.236-254. 1991.
MOURA, J.R.S.; PEIXOTO, M. N. O.; SILVA, T. M. Geometria do relevo e estratigrafia do quaternário como base à tipologia de cabeceiras de drenagem em anfiteatro – médio vale do rio Paraíba do Sul. Revista Brasileira de Geociências. v.21, n. 3, p.255-265. 1991.
MOURA, J.R.S.; PEIXOTO, M.N.O.; SILVA, T.M.; MELLO, C.L. Mapa de feições geomorfológicas e coberturas sedimentares quaternárias: abordagem para o planejamento ambiental em compartimentos de colinas no planalto Sudeste do Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 1992. Anais... São Paulo: SBG-SP. 1992. v.1, p. 60-62.
OLIVEIRA, D.B.; MORENO, R.S.; MIRANDA, D.J.; RIBEIRO, C.S.; SEOANE, J. C.S.; MELLO, C.L. Elaboração de um mapa de lineamento estrutural e densidade de lineamento através de imagem SRTM, em uma área ao norte do rio Doce, ES. In: XIV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, XX., 2009, Natal. Anais eletrônicos... Natal: INPE, 2009, p. 4157-4163.
PEIXOTO, M.N.O. Evolução do relevo, coberturas sedimentares e formação de solos em superfícies geomorfológicas – médio vale do rio Paraíba do Sul (SP/RJ). 2003. 212 p. Tese (Doutorado em Geografia), Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003.
RICCOMINI, C.; SANT’ANNA, L.G.; FERRARI, A. L. Evolução geológica do Rift Continental do Sudeste do Brasil. In: MANTESSO-NETO, V.M.; BARTORELLI, A.; CARNEIRO, C.D.R.; BRITO-NEVES, B.B. (orgs.). Geologia do Continente Sul-Americano: evolução da obra de Fernando Flávio Marques de Almeida. São Paulo: Editora Beca, 2004. p. 383-406.
SALVADOR, E.D. e RICCOMINI, C. Neotectônica do alto estrutural de Queluz (SP-RJ, Brasil). Revista Brasileira de Geociências. v. 25, n. 3, p.151-164. 1995.