Anais: Outros
A influência das leis ambientais na formação da paisagem urbana de Poços de Caldas
AUTORES
Souza, J.D. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - DEP. DE GEOGRAFIA)
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a influência das leis ambientais
municipais na formação da paisagem urbana da cidade de Poços de Caldas. A pesquisa
tem mostrado que as leis sobre o meio ambiente do município influenciam nas formas
e nos processos estruturantes da paisagem: por um lado, a legislação disciplina a
proteção e preservação de áreas verdes; por outro, a legislação torna obrigatório
para os lotes o cálculo de taxa mínima de permeabilidade e coeficientes máximo de
ocupação.
PALAVRAS CHAVES
Poços de Caldas; Legislação Ambiental; Paisagem Urbana
ABSTRACT
This paper aims to analyze the influence of local environmental laws in the
formation of the urban landscape of the city of Poços de Caldas. The research has
shown that local environmental laws influence the form and the structuring process
of urban landscape: on the one hand, legislation protects and preserves green
areas; on the other hand, legislation forces constructions to calculate
permeability rate and maximum occupancy rate.
KEYWORDS
Poços de Caldas; Environmental Laws; Urban Landscape
INTRODUÇÃO
O município de Poços de Caldas encontra-se no sul de Minas Gerais, nas
proximidades da divisa com o estado de São Paulo.
Entendemos aqui, por paisagem urbana da cidade de Poços de Caldas, toda a
paisagem cultural existentes dentro dos limites legais do que juridicamente se
define como cidade.
Na cidade de Poços de Caldas, as leis municipais de caráter ambiental
desempenham importante papel na conformação da paisagem urbana uma vez que elas
disciplinam a intervenção antrópica nos loteamentos e nos lotes frente as
necessidades de proteção e preservação ambiental.
O objetivo deste trabalho é analisar de que maneira as leis municipais
ambientais influenciam na formação paisagística da cidade, estudando quais
elementos da paisagem urbana a lei protege, quais são os locais privilegiados e
de que forma as leis regulamentam esta proteção.
Para Poços de Caldas, esta análise torna-se fundamental na medida em que revela
os desdobramentos legais na forma e nos processos estruturantes da paisagem
urbana essenciais na manutenção das características de seu sítio urbano: quer
dizer, a cidade de Poços de Caldas teve todo seu desenvolvimento histórico e
cultural ligado a ocorrência de águas termais e recursos minerais na área;
portanto, o correto aproveitamento destes recursos assim como a preservação dos
seus sistemas naturais depende em grande medida da disciplina legal dada ao meio
ambiente.
O papel das leis na conformação da paisagem, em geral, ou da paisagem urbana, em
específico, tem sido estudado principalmente por autores que trabalham na
interface entre a geografia e o direito. Estes autores tem chamado a atenção
disfunção espaço normativo existentes em algumas regras, ou seja, os limites e
os conteúdos de proteção ao meio ambiente por vezes mostram-se incompatíveis com
os limites geossistemas da paisagem, tornando as leis muitas vezes inócuas na
proteção ambiental.
MATERIAL E MÉTODOS
Metodologicamente, nos orientamos pelos quatro níveis de pesquisa propostos por
Libaut, quais sejam: I) nível compilatório que contempla a coleta e a compilação
de dados obtidos; II) nível correlatorio onde se realiza uma relação primária
entre as variáveis, procurando comparar os dados na sua homogeneidade, na
localização geográfica, ordem cronológica, etc.; III) nível semântico que
compreende a interpretação das variáveis correlacionadas anteriormente; IV)
nível normativo que corresponde a tentativa de elaboração de normas e modelos de
aplicação geral ou regional.
Os dados compilados incluem o levantamento do quadro histórico e geográfico da
cidade a fim de contextualizar o momento de edição dos diplomas legais. Foi dada
especial atenção às características hidrográficas da área já que ela é a
responsável pela ocorrência de águas termais na cidade. Por outro lado, também
foi feita uma revisão do contexto nacional e internacional para melhor situar os
temas tratados.
As leis pesquisadas foram as leis que dispõem sobre proteção ambiental em Poços
de Caldas, abrangendo o período de 1872 (ano de fundação da cidade) a 2010:
concentramo-nos nas leis que aprovam o Plano Diretor e nas Leis de Parcelamento
e Uso e Ocupação do Solo; como no início da ocupação urbana de Poços não haviam
tais leis, foram consideradas as que apresentavam algum tipo de relação com o
meio ambiente.
Dividimos a legislação poços caldense em 3 períodos: o primeiro de 1872 até
1946, quando a proteção ambiental tinha como pano de fundo o ideário moderno e
higienista para a cidade; o segundo período que se estende de 1946 até a década
de 80, momento de relativa desregulamentação na proteção do meio ambiente; e o
terceiro período que vai da década de 80 até 2010, quando a proteção é posta
sobre os princípios da Constituição Federal de 1988.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A primeira lei de cunho ambiental na cidade talvez tenha sido a Lei Municipal nº
2 de 1905 que considerava de utilidade pública e autorizava a desapropriação
"amigável ou judicial" dos terrenos localizados na Serra de São Domingos.
Segundo o relato da historiografia, "a fralda da Serra estava com toda a
floresta destruída, tendo sido em seu lugar plantadas umas inestéticas roças de
milho" (MOURÃO, 1933, pg. 37). Também existiam na cidade a Lei nº 120 de 1919
que proibia terminantemente em todo o município "a contaminação do solo por meio
de fezes humanas", e a Lei nº 224 de 1928 que determinava a preservação de
determinadas matas da cidade "para melhor defesa dos mananciais de água
potável". No mesmo sentido iam os Atos Municipais nº 55 e nº 58 de 1935.
Estas primeiras leis ambientais de Poços de Caldas estavam sob os ditames da
modernidade e do higienismo que aportava na cidade. Isto é, visionando erguer
uma estação balneária aos moldes das modernas estações balneárias europeias, a
paisagem urbana da cidade era construída segundo um caráter médico e racional da
época (MARRAS, 2004).
Numa segunda fase legislativa, que começa em 1946 e estende-se até a década de
80, as leis municipais pouco disciplinavam a proteção ao meio ambiente na
cidade. De fato, o Plano de Desenvolvimento Integrado de 1970/71 elaborado para
Poços de Caldas não colocava as características físicas locais como
condicionantes as novas ocupações urbanas, restringindo-se a proteção ambiental
às Zonas de Preservação, estas incidindo principalmente na Serra de São
Domingos. Em âmbito municipal, foi apenas com a Lei de Parcelamento do Solo de
1985 e com a Lei de Uso e Ocupação do Solo também de 1985 que começam a ser
previstas áreas "non aedificandi" ao longo dos rios, áreas de proteção de
mananciais e obrigatoriedade de reserva de áreas verdes nos loteamentos.
O terceiro período da legislação municipal na proteção ao meio ambiente inicia-
se com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tendo como marco em Poços
de Caldas a aprovação do Plano Diretor pela Lei 5488 de 1994. Neste período, a
proteção ambiental na cidade tem por base um entendimento mais integrativo e
global do meio ambiente (SILVA, 2009; MACHADO, 2010). O Plano Diretor da cidade,
então, passa a descrever mais detalhadamente o meio físico em relação às
"consequências das ações antrópicas" e estabelece mais Zonas de Preservação
Permanente.
Com a revisão e alteração do Plano Diretor promovido pela Lei Complementar nº 74
de 2006, as Zonas de Preservação Permanente aumentam em número, recaindo,
sobretudo, nas bacias pertencentes ao sistema das fontes termais. Na verdade, a
preocupação com a preservação das "bacias de recarga dos aquíferos hídricos e
termais" é acentuada, fazendo parte agora dos objetivos gerais da política de
zoneamento urbano, redação ausente na legislação anterior. Ademais, tanto na Lei
Complementar nº 74 quanto na Lei de Parcelamento e Uso e Ocupação do Solo dos
anos 2000 passa a ser obrigatório a adoção de taxas de permeabilidade mínima e
taxa de ocupação máxima para os lotes.
No geral, as leis ambientais de Poços de Caldas participaram na proteção e
preservação da Serra de São Domingos, importante elemento na paisagem urbana e
área de nascentes d´água, e, a partir do terceiro período legislativo, na
delimitação de áreas verdes nos loteamentos, principalmente nas margens dos
rios. Outrossim, a obrigatoriedade da taxa mínima de permeabilidade e taxa
máxima de aproveitamento contribui para a manutenção da infiltração nas bacias
de recarga dos aquíferos locais, embora esta obrigatoriedade só comece em 2006 e
não se distribua homogeneamente na cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Leis municipais de cunho ambiental existem em Poços de Caldas desde os primeiros
anos do século XX. Num primeiro momento, estas leis influenciaram na construção da
paisagem urbana da cidade protegendo e preservando os elementos naturais que de
alguma forma se relacionavam com a construção moderna e higiênica da estância
balneária. Posteriormente, numa segunda fase legislativa, o meio ambiente sofre
com a desregulamentação legal das atividades humanas face aos impactos ambientais,
o que determina a construção indiscriminada na margem dos cursos d´água e a densa
ocupação na bacia de recarga dos aquíferos. Por último, a partir da década de 90,
a legislação municipal ambiental se fortalece com a previsão de mais Zonas de
Preservação Permanente e uma maior restrição a atividade humana nos loteamentos e
nos lotes. A influência das leis na formação da paisagem urbana da cidade de Poços
de Caldas revela-se, enfim, na definição de áreas verdes bem como na preservação
da infiltração nas bacias.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos o apoio institucional e financeiro da CNPQ; à Prefeitura Municipal de
Poços de Caldas e à Câmara Municipal de Poços de Caldas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
MOURÃO, Mário. Poços de Caldas: synthese historica e crenologica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Papelaria Velho, 1933
MARRAS, Stelio. A propósito de águas virtuosas: formação e ocorrência de uma estação balneária no Brasil. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2004
SILVA, J. A. Direito Urbanístico Brasileiro. 6º ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2009.
LIBAULT, A. Os quatro níveis da pesquisa geográfica. Métodos em questão, São Paulo, n. 1, 1971.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 25º edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.