Anais: Outros
CONSIDERAÇÕES SOBRE A DINÂMICA EVOLUTIVA DA PAISAGEM NO MUNICÍPIO DE ANGRA DOS REIS (RJ) E DEBATE SOBRE MAGNITUDE E FREQUENCIA DE EVENTOS PLUVIOMÉTRICOS EXTREMOS
AUTORES
Lemos Pocidonio, E.A. (IGEO-UFRJ) ; Mendes da Silva, T. (IGEO-UFRJ)
RESUMO
A temática sobre magnitude e frequência das entradas de energia nos sistemas
ambientais, abordado por este trabalho, vem se tornando um assunto cada vez mais
atual e necessário frente aos inúmeros eventos recorrentes e de grande vinculação
na mídia. Busca-se debater a importância dada aos eventos estritamente de grande
magnitude frente a eventos de menor magnitude e maior frequência na evolução do
relevo terrestre. Este tema é abordado na análise de processos evolutivos de Angra
dos Reis (RJ).
PALAVRAS CHAVES
Processos Geomorfológicos; Recorrência de Processos; Angra dos Reis
ABSTRACT
The theme on the magnitude and frequency of energy inputs into environmental
systems, covered by this work, has become an issue increasingly linked in the
current and necessary number of recurrent events and linked in the mass media. The
aim is to discuss the importance given to events of great magnitude in
relationship to events of lesser magnitude and more frequent in the evolution of
the terrestrial relief. This issue is covered in the analysis of evolutionary
processes of Angra dos Reis(RJ).
KEYWORDS
Geomorphological Processe; Process Recurrence; Angra dos Reis
INTRODUÇÃO
A discussão sobre a temática magnitude e frequência das entradas de energia nos
sistemas ambientais e sua associação a eventos catastróficos se torna cada vez
mais atual e pertinente, visto que a recorrência de eventos vem ocorrendo
sistematicamente e a repercussão pública alcança uma velocidade cada vez maior
de transmissão pelos mais diversos meios de comunicação. O clássico artigo de
Wolman e Miller (1974) será a principal fonte teórica para a discussão neste
trabalho, procurando demonstrar sua importância e o quão significativo é a
realização deste debate na busca e compreensão da dinâmica evolutiva dos
processos físicos do planeta. Tais autores ao introduzirem este debate em
estudos de processos geomorfológicos descrevem, de forma geral, que eventos
infrequentes, mas de grande intensidade, são ditos como mais efetivos na
transformação progressiva da superfície terrestre. Esta colocação pode ser
fundamentada na atualidade pela observação de eventos que acabaram tendo grande
repercussão e divulgação na mídia, tais como: enchentes, movimentos de massa,
tsunamis, tempestades de areias, dentre outros. No entanto, estes autores
ressaltam ainda que a ocorrência de um evento extremo não seria necessariamente
o único ou o principal fator responsável pelo desenvolvimento das formas de
relevo, mas a frequência da ocorrência de eventos constantes teria maior
efetividade na geração de processos geomorfológicos e, portanto, na própria
esculturação das formas, p. ex.: o transporte de sedimentos em um canal fluvial
indica que grande parte do trabalho é realizada por eventos de magnitude
moderada, e que ocorrem com relativa frequência, muito mais efetivamente do que
por eventos raros de magnitude incomum. Neste contexto, o trabalho aqui
elaborado tem por objetivo discutir a questão dos eventos naturais na
configuração da superfície terrestre, tendo como área-laboratório o município de
Angra dos Reis e analisando diferentes episódios de alteração da paisagem.
MATERIAL E MÉTODOS
A presente pesquisa se fez em duas etapas distintas e complementares: de
gabinete e de campo. Após a definição da área e da temática que seria abordada,
foi iniciado o processo de levantamento bibliográfico pertinente a fim de
construir o embasamento teórico-conceitual, assim como o levantamento de dados
secundários, com objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o município em
questão. E, através da realização dos trabalhos de campo estas informações
puderam ser averiguadas, sendo confirmadas ou refutadas e, portanto, atribuindo
um caráter mais refinado aos dados previamente levantados. Como parte da 1ª.
etapa, foram resgatados os arquivos fotográficos existentes no Núcleo de Estudos
do Quaternário e Tecnógeno (NEQUAT/IGEO-UFRJ) das ocorrências de eventos
pluviométricos extremos e que geraram inúmeros processos geológico-
geomorfológicos no ano de 2002, assim como busca de informações e
acompanhamento, em campo, dos processos desencadeados no início de 2010. Além da
realização de visitas técnicas a Defesa Civil da Prefeitura de Angra dos Reis
para coleta de dados secundários sobre os índices de pluviosidade para se
realizar uma análise da distribuição das chuvas neste intervalo de tempo
analisado, bem como coletar dados referentes à localização dos pontos de
movimentos de massa ocorridos tanto nos anos de 2002, como em 2010, para
procurar identificar se houve recorrência local destes processos. Após a reunião
dos dados e de informações de campo coligidas foi realizado uma análise
sistemática à luz dos conceitos de magnitude e frequência de eventos, de modo a
permitir traçar considerações preliminares sobre uma provável periodicidade de
eventos extremos e geração de processos na área em estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O município de Angra dos Reis é um local de atratividade turística por suas
belezas paradisíacas, formadas por seu relevo de formas contrastantes e
complexas de escarpas, morros, colinas, mangues e praias que o caracterizam.
Esta morfologia diversa resulta de uma história geológico-geomorfológica
derivada de inúmeros aspectos como tectonismo, regressão e transgressão
marítima, intemperismo, além daqueles ligados aos aspectos climáticos, que muito
influencia e influenciou a formação e evolução da composição cênica local. Neste
sentido, estudos que versam sobre a geomorfologia auxiliam na compreensão, de
forma mais detalhada, de como o modelado se comporta hoje e quais foram os
processos que deram origem a atual configuração de um dado local. Como coloca
Monteiro (1954), as feições geomorfológicas do Brasil oriental e do litoral do
Atlântico Sul estão ligadas à ocorrência de movimentos tectônicos aos quais foi
submetido o escudo cristalino brasileiro. Provavelmente durante o fim do
Cretáceo superior (entre 99,6 milhões a 65,5 milhões de anos) ou início do
Cenozóico (65,5 milhões anos até o presente) - (Lamego apud Monteiro, 1954), a
antiga estrutura geológica que se insere o município foi submetida a fortes
movimentos tectônicos que produziram um sistema de falhas longitudinais
paralelas, os quais talharam abruptamente a costa e fizeram “desabar” em blocos
escalonados a parte oriental do continente atlântico. Concomitante a estes
eventos, a ação intempérica vem atuando nessa nova superfície, cujas formas
estão muito distantes da antiga estrutura apresentada por essa região, e, além
disso, a heterogeneidade existente das rochas do complexo cristalino contribuiu
também para a variedade das formas do relevo. Outro fato interessante na área
refere-se à composição vegetal, que nesta área é composta predominantemente por
formações florestais de Mata Atlântica, e é, ao mesmo tempo, um aliado da
preservação, mas quando destruída, as rochas em elevado grau de decomposição e
que recobre em geral vertentes íngremes ficam susceptíveis aos movimentos de
massa, que são historicamente observados na região da Costa Verde, em especial
em Angra dos Reis. A erosão é acelerada ainda pelo uso do solo pela ação humana,
e que acabam resultando em efeitos catastróficos locais como os ocorridos em
dezembro de 2002 e início de 2010 (Gráfico 1). Os anos de eventos 2002 e 2010
foram os mais emblemáticos ao município, em especial o último, principalmente
por conta da grande vinculação na mídia, onde somando estes dois eventos teve-se
um total de 95 vítimas fatais, entre moradores e turistas, além de grandes
prejuízos materiais. Porém ressalta-se que a presença de fraturas de alívio de
pressão, a existência de inúmeras paleo-cicatrizes de processos erosivos nas
encostas, e a ocorrência de muitos blocos rochosos nos depósitos de encosta,
demonstram a recorrência de eventos na dinâmica evolutiva local. A recorrência
de processos nesta área está associada tanto a eventos pluviométricos de grande
magnitude e baixa frequência, que são responsáveis pelas alterações mais
acentuadas do modelado, quanto aos eventos de pequena magnitude presentes ao
longo de todo o ano no município, mas que também tem significado na evolução
geológico-geomorfológica local. Sobre os estudos desta temática em áreas
urbanizadas Christofoletti (1995) ressalta que estes podem ser denominados de
“azares naturais”, e que a mensuração da magnitude e frequência dos desastres
está, ainda, relacionada com as condições socioeconômicas das populações. O
município em questão se torna um ilustrativo laboratório para pesquisas
envolvendo esta temática, onde processos naturais acabam ocasionando prejuízos
materiais e, por vezes, perda de vidas, o que se torna uma dualidade, pois a
mesma “natureza” que encanta e atraí turistas do mundo inteiro é aquela que, em
determinados momentos, “repulsa” a presença dos mesmos.
Figura 1
Dados de pluviosidade mensais para os anos de 2001 a
2010 - Estação meteorológica de São Bento (Cento de
Angra dos Reis). Fonte: Defesa Civil de Angra
Figura 2
Figura 2: Morfologia Serrana e evidências de
escorregamentos na Bacia do rio Jurumirim. Foto.
SILVA, T. M. junho de 2009.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Colângelo (2005) versa sobre a importância de estudos sobre processos evolutivos
da paisagem definindo-os como entidades temporais e espacialmente descontínuas,
desencadeados a partir da interação de agentes físicos, químicos ou biológicos,
manifestando-se nas mais variadas escalas, de modo que se superpõem no tempo e/ou
no espaço. Summerfield (1991), procurando compreender a frequência com que
processos geomorfológicos de diferentes magnitudes ocorrerem, ressalta que estas
têm um componente fundamental na explicação evolutiva da paisagem. Desta forma,
pesquisas que visam aferir com maior acurácia tais ocorrências se fazem
necessárias à minimização de seus efeitos danosos para o município, possibilitando
tanto o incremento da atividade turística como um adequado condicionamento da
expansão urbano-industrial, onde grandes investimentos, tais como a revitalização
da indústria naval, construção da nova Usina Nuclear e a própria indústria do
turismo atraem grandes fluxos migratórios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
CHRISTOFOLETTI, A. Aplicabilidade do Conhecimento Geomorfológico nos Projetos de Planejamento. In: Geomorfologia: Uma atualização de bases e conceitos. Org. Antonio Teixeira Guerra e Sandra Baptista cunha. 2° ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro. 1995. 415-442 p.
COLÂNGELO, A. C. Sobre os modelos de magnitude-frequência e de estabilidade de vertentes. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, v.16, p. 11-23. 2005.
Defesa Civil de Angra dos Reis. Disponível em: http://www.defesacivil.angra.rj.gov.br/ Acessado em: 14 de janeiro de 2010.
EIRADO, L. G., HEILBRON, M. & ALMEIDA, J. C. H. Os terrenos tectônicos da Faixa Ribeira na Serra da Bocaina e na Baía da Ilha Grande, Sudeste do Brasil. Revista Brasileira de Geociências. 36 (3): 426-436, setembro de 2006.
MONTEIRO, C. A. F. Angra dos Reis. Excursão pelos membros da XIV Assembleia Geral do Conselho Nacional de Geografia em 10 de Julho de 1954. Rio de Janeiro. C.N.G.
SUMMERFIELD, M.A. Global Geomorphology. New York, Jonh Wiley & Sons. 1991, 537 p.
WOLMAN, M. G. & MILLER, J. P. Magnitude e frequência das forças nos processos geomorfológicos. Notícia Geomorfológica, Campinas, 14 (27/28). 3 – 43, dezembro, 1974.