Anais: Geomorfologia de encostas
MICROMORFOLOGIA DE FLUXOS DE LAMA SUBAÉREOS QUATERNÁRIOS NO PLANALTO DAS ARAUCÁRIAS - SUL DO BRASIL
AUTORES
Paisani, J.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ) ; Pontelli, M.E. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ) ; Fachin, A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ)
RESUMO
A micromorfologia de dois depósitos de fluxos de lama quaternários do Planalto das Araucárias, sul do Brasil, mostrou: pedorrelíquias nodulares como principais microfeições herdadas do material fonte, remobilização vertical de Fe, sindeposicional e pós-deposicional, e que as transformações pós-deposicionais estão em estágio inicial, não sendo suficientes para reorganizar o material como se espera pela ação da pedogênese, mesmo na unidade onde se registra o maior teor de matéria orgânica.
PALAVRAS CHAVES
coluvio; encosta; subtropical
ABSTRACT
Analysis micromorphological of two mud flows quaternary in the Planalto das Araucárias, South Brazil, showed: nodules pedorelict as microfeatures major inherited of material source, remobilization vertical Fe, sindepositional and pos-depositional, and after-deposicional transformations are in early-stage, is not sufficient to reorganize the material as if wait by pedogenesis action, even in the unit where it recorded the highest organic matter content.
KEYWORDS
colluvium; hillslope; subtropical
INTRODUÇÃO
A cerca de 10 anos os integrantes do laboratório de Geodinâmica Superficial da UFSC iniciaram estudos que visava identificar estruturas sedimentares em escala microscópica em ambiente de encosta articulado com o fluvial, respectivamente nos Planaltos de Ponta Grossa (PR) e Norte Catarinense (Oliveira et al., 2001; Ferreira & Oliveira, 2006). Os estudos visavam a identificação de laminações que atestassem as variações nos fluxos deposicionais, sobretudo gerados pelo escoamento superficial laminar e concentrado. Nos últimos 4 anos, parte dos integrantes estruturaram os laboratórios de Análise de Formações Superficiais e Microscopia Ótica na UNIOESTE, buscando dar continuidade ao entendimento das propriedades micromorfológicas de sedimentos, sob nova perspectiva e área de estudo.
A área de estudo passou a ser a o Planalto das Araucárias no sudoeste do Paraná e noroeste de Santa Catarina, onde pouco se sabe a respeito da ação da morfogênese esculturando as encostas. O foco inicial era o reconhecimento de propriedades micromorfológicas de colúvios que auxiliassem na distinção genética de formações superficiais alóctones daquelas autóctones (Paisani & Pontelli, 2011). Atualmente busca-se nas propriedades micromorfológicas dos colúvios informações a respeito do material da área fonte, do processo de sedimentação e de transformações pós-deposicionais associadas a pedogênese. Tais informações são úteis na compreensão dos paleoprocessos responsáveis pela evolução do modelado. Nesse sentido, iniciou-se um programa de caracterização micromorfológica de unidades coluviais em seções estratigráficas representativas de paleofundos de vales de 2ª ordem na unidade geomórfica Superfície II (Paisani et al., 2008), designada de Planalto de Palmas (PR)/Água Doce (SC). O presente trabalho traz resultados preliminares da micromorfologia de dois depósitos de fluxos de lama encontrados na seção estratigráfica guia, denominada HS1.
MATERIAL E MÉTODOS
A Superfície II se encontra acima de 1.200 m de altitude entre os estados do Paraná e Santa Catarina e é mantida por derrames vulcânicos de natureza ácida, sobretudo riolito. Sua paisagem exibe relevos residuais (Superfície I), topografia suavemente ondulada de colinas convexas e vales com fundo chato, vegetação de campo (estepe) em um regime climático subtropical úmido de altitude (Cfb – Koeppen). As formações superficiais são caracterizadas por registros sedimentares e pedológicos (Neossólos) quaternários preservados em paleovales de baixa ordem hierárquica (Paisani et al., 2008), geralmente em situação de inversão de relevo.
A seção estratigráfica HS1 corresponde a seção guia do registro Quaternário da área e registra a colmatação de paleofundo de vale de 2ª ordem hierárquica (Paisani et al., 2012). Tal seção apresenta 7 unidades estratigráficas, respectivamente: aluvial (unidade I e II), colúvio-aluvial (unidade II), coluvial (unidades IV, V e VI) e tecnogênica (unidade VII), sendo as unidades II e VI pedogenizadas com desenvolvimento de horizonte húmico (Paisani et al., submetido).
A descrição micromorfológica foi precedida por duas fases: i) coleta e impregnação de amostras indeformadas; e ii) confecção de lâminas delgadas. Com auxílio de caixas de cartolina de dimensões 10 x 5cm, foram coletadas um total de 8 amostras indeformadas das unidades estratigráficas, a exceção dos cascalhos com clastos suportados (unidades I e III). Essas amostras foram submetidas a impregnação e confecção de lâminas delgadas junto ao Laboratório de Laminação do Instituto de Geociências, Departamento de Geologia e Recursos Naturais da UNICAMP. As lâminas estão em fase de descrição no Laboratório de Microscopia Ótica da UNIOESTE, Campus Francisco Beltrão, conforme critério e terminologia proposta por Stoops (2003). Aqui são apresentados os resultados referentes as unidades IV e VI, ambas caracterizadas como colúvio lamoso maciço gerado por fluxo de lama.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A distribuição relativa das frações fina e grossa exibe similaridade com a macroestrutura, trata-se de lama com < 5% de fração grossa cujos grãos estão dispostos ao acaso na matriz maciça. Trata-se de uma fábrica de lama maciça ou porfírica aberta (Figura 1a, 2a). Poros vesiculares são comuns e representam aprisionamento de ar durante o processo de sedimentação (Bertran & Texier, 1999). A fração grossa é constituída de quartzo, calcedônia, magnetita e nódulos de forte impregnação (Figura 1c, 2a), sendo o quartzo o dominante nas frações silte médio a areia fina (Figura 1b, 2b). Os minerais primários mostram-se angulosos a subangulos e quando subarredondados expressão as pedorrelíquias na forma de nódulos e os fragmentos de geodos. Já a fração fina é constituída de oxidohidroxido de Fe e pequenas quantidades de gibbsita, calcedônia e vermiculita (determinadas pela difratogrametria de Raio-x), cuja primeira foi encontrada apenas na unidade IV, além da melanização por matéria orgânica.
As microfeições herdadas do material fonte estão intimamente relacionadas com as frações grossa e fina. Não se registra fragmento de horizonte na matriz dos sedimentos (pedorrelíquias), como observado em outra área do Planalto das Araucárias (Paisani & Pontelli, 2011), sugerindo significativa liquefação dos fluxos de lama. Na unidade VI registra-se fragmento de poro preenchido, com paredes concentrando Fe - pápula complexa (Figura 2c). Os minerais primários da fração grossa revelam a abundância de SiO2 nos materiais derivados da alteração do riolito, enquanto que os nódulos são pedomórficos, geralmente nucleicos (Figura 1c, 2a). Tais pedorrelíquias revelam a mobilidade dos oxidohidroxidos de Fe no perfil de solo antes do desencadeamento dos fluxos de lama. Litorrelíquias são raras e foram identificadas apenas na unidade IV (Figura 2d). A ausência de litorrelíquias sugere que a degradação ocorreu nos níveis do solum (horizontes A e B). A fonte mais provável do Fe é a alteração do piroxênio, mineral comum no riolito (Nardy et al., 2002). Nódulos de fraca impregnação estão associados a concentração contemporânea de ferro na matriz das unidades e são entendidos como feições pós-deposicionais (Figura 1d).
As feições pós-deposicionais estão associadas a pedogênese. Destacam-se a melanização, pedalidade, porosidade, microestrutura, orientação da fração fina e feições mátricas e intrusivas. A melanização representa a incorporação de matéria orgânica a fração fina, sendo responsável pelas cores bruno forte (7.5 YR 5/8) da unidade IV (1,71 a 2,89 % Carbono total) e bruno (7.5 YR 4/4) da unidade VI (2,31 a 6,80 % Carbono total). A unidade IV exibe de ausência a fraca pedalidade sem separações de pedes (Figura 1a,b). Já a unidade VI apresenta pedes microagragdos fracamente desenvolvidos. A porosidade predominante na unidade IV é cavitária (40%), seguida por fissural (30%), registrando-se canais e vesículas sindeposicionais (Figura 1c). As cavidades e fissuras estão associadas a processo de umectação/dissecação e remobilização de Fe (Figura 1d). Na unidade VI predomina fissural (70%), seguida de cavitária (20%) e canais (10%). A microestrutura da unidade IV expressa a baixa pedogênese e a alta concentração de poros cavitários e fissuras (Weak Vughy to Plane microstructure) associada ao desmonte da matriz pela mobilidade de Fe (Figura 1a,b). Já da unidade VI é do tipo microagregada de fraca acomodação (Figura 2a). A fração fina exibe orientação cintilante em domínios dificilmente identificáveis (Speckled b-fabric) em ambas as unidades, expressando a fraca transformação pedogeoquímica pós-deposicional. As feições mátricas mais expressivas são os hipocutãs e quasicutãs de depleção e acumulação de Fe, localmente associados a poros, e os nódulos de fraca a moderada impregnação, sobretudo na unidade IV (Figura 1d). As feições intrusivas são raras, quando presente são preenchimentos finos e densos de poros cavitários (Figura 1c).
Figura 1 – Micrografias da unidade IV.
Microestrutura maciça a fraca em cavidades (Ca)/fissuras (a,b). Preenchimento fino (Pf) Ch: canal Qci e Hci: quase- e hipocutã de impregnação (c,d)
Figura 2 – Micrografias da unidade VI.
Microestrutura microagregada de fraca fraca acomodação (a,b). Pápula (c). Litorrelíquia de riolito (d).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As microfeições herdadas do material fonte estão intimamente relacionadas com as frações grossa e fina, com destaque para pedorrelíquias nodulares que revelam a mobilidade de Fe no perfil de solo antes do desencadeamento dos fluxos de lama. Constata-se que foram fluxos de duas gerações em materiais distintos. Os fluxos foram de alta viscosidade, cuja quantidade de água era suficiente para liquefação do material. A unidade IV, fracamente melanizada, relevou que a fração fina sofreu remobilização vertical de seus constituintes durante e após a sedimentação, fenômeno entendido como sindeposicional e pós-deposicional. Esse fenômeno manteve-se promovendo o desmonte do fundo matricial. A ausência de pedalidade mostra que as transformações pós-deposicionais estão em estágio inicial, não sendo suficientes para reorganizar o material como se espera pela ação da pedogênese, sobretudo na unidade VI onde se registra o maior teor de matéria orgânica.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq (Proc. 472267/2009-4), à Fundação Araucária do Paraná (Convênio 407/2009) e ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pelo apoio financeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
Bertran, P. & Texier, J.P. 1999. Facies and microfacies of slope deposits. Catena, 35: 99-121.
Ferreira, G.M.S.S. & Oliveira, M. A. T. 2006. Aplicação da Micromorfologia de Solos ao Estudo de Sedimentos Alúvio-Coluviais em Cabeceiras de Vale. Pesquisas em Geociências, 33: 03-18.
Nardy, A.J.R., Oliveira, M.A.F., Betancourt, R.H.S., Verdugo, D.R.H. & Machado, F.B. 2002. Geologia e estratigrafia da Formação Serra Geral. Geociências, 21(1/2): 15-32.
Oliveira, M.A.T., Camargo, G., Paisani, J.C. & Camargo Filho, M. 2001. Caracterização paleohidrológica de estruturas sedimentares quaternárias através de análises macroscópicas e microscópicas: do registro sedimentar local aos indícios de mudanças globais. Pesquisas em Geociências, 28: 183-195.
Paisani, J.C., Pontelli, M.E.; Andres, J. 2008. Superfícies aplainadas em zona morfoclimática subtropical úmida no Planalto Basáltico da Bacia do Paraná (SW Paraná/ NW Santa Catarina): primeira aproximação. Geociências, 27(4): 541-553.
Paisani, J.C.; Pontelli, M.E. Propriedades micromorfológicas de colúvios em encosta no médio vale do Rio Marrecas (SW PR) – bases para distinção de formações superficiais alóctones e autóctones em substrato basáltico, Pesquisas em Geociências, UFRGS, 2011, no prelo.
Paisani, J.C.; Pontelli, M.E.; Calegari, M.R. Contribuição para a reconstrução de paleoperfis de alteração no Planalto de Palmas/Água Doce - sul do Brasil. Mercator, UFC, submetido.
Paisani, J.C.; Pontelli, M.E; Calegari, M.R. Evolução de paleovale de segunda ordem hierárquica no Planalto das Araucárias – Superfície II – nos 41 Ka AP (Sul do Brasil). SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA, 9 Rio de Janeiro, 2012, Anais..., Rio de Janeiro, 2012, no prelo
Stoops, G. 2003. Guidelines for analysis and description of soil and regolith thin sections. Soil Science Society of America, Madison, WI, 184pp.