Anais: Geomorfologia de encostas

Monitoramento do lençol freático em plantios de eucalipto: bacia do rio Sesmaria, Médio Vale do Rio Paraíba do Sul

AUTORES
Sato, A.M. (IGEO-UFRJ) ; Silva, A.P.A. (IGEO-UFRJ) ; Facadio, A.C.C. (IGEO-UFRJ) ; Coelho Netto, A.L. (IGEO-UFRJ) ; Avelar, A.S. (IGEO-UFRJ)

RESUMO
As alterações hidrológicas são constantemente apontadas como um dos principais impactos ambientais da silvicultura do eucalipto, sendo a recarga de aquíferos um ponto de destaque nesta temática. Neste trabalho foi monitorada a oscilação do nível d’água (NA) em quatro cabeceiras de drenagem com plantios de eucalipto. Buscou-se compreender quais são os controles da dinâmica de oscilação do NA, sendo detectada a ocorrência de oscilações sincrônicas entre os diferentes poços nas quatro cabeceiras.

PALAVRAS CHAVES
lençol freático; aquífero; eucalipto

ABSTRACT
The hydrological changes are consistently identified as one of the main environmental impacts of eucalypt forestry and aquifer recharge is a top topic in this theme. In this work we monitored the fluctuation in water table level (WT) in four headwater basin covered by eucalyptus plantations. We aimed to identify the controls of WT dynamics, being detected the occurrence of synchronous WT oscillations between different wells in the four headwater basins.

KEYWORDS
water table; aquifer; eucalypt

INTRODUÇÃO
No médio vale do rio Paraíba do Sul (MVRPS) existem diversos trabalhos que abordam a relação entre a dinâmica da água subterrânea com a formação de voçorocas (Rocha Leão, 2005; Leal, 2009; Fonseca, 2009). No MVRPS, Leal (2009) identificou 128 voçorocas na bacia do rio Piracema (138 Km2), afluente do rio Bananal, enquanto Dantas (submetido) contabilizou 24 voçorocas na bacia do rio Sesmaria (149 Km2), demonstrado que existem diferentes controles no desenvolvimento dessas feições erosivas mesmo em áreas distanciadas por menos de 20 Km. Avelar e Coelho Netto (1992a) relacionaram a formação de concavidades estruturais com o processo de exfiltração da água subterrânea por artesianismo através de fraturas nas rochas, sendo este processo também identificado por Fonseca (2009). Um modelo elaborado por Coelho Netto (1999) baseado em dados que apontam um aumento das concavidades estruturais de montante para jusante na bacia do rio Bananal, ressalta a importância da exfiltração da água pelas fraturas a partir de um aquífero regional e também do gradiente hidráulico formado a partir da infiltração e percolação da água no domínio montanhoso da Serra do Mar, sendo facilitado pelo mergulho das camadas geológicas de direção NW. Embora a densidade de voçorocas seja pequena na bacia do rio Sesmaria, sabe-se que estas feições erosivas são responsáveis pela produção de grande quantidade de sedimentos que são carreados para os principais rios desta bacia (Sato, 2012). Os trabalhos apontados anteriormente monitoraram as variações no NA em diferentes áreas de estudo, mas não são conhecidos trabalhos que apresentem o monitoramento simultâneo em diversas cabeceiras de drenagem numa mesma bacia de drenagem nesta região. O objetivo deste trabalho é monitorar as oscilações do NA em quatro diferentes cabeceiras de drenagem com presença de plantios de eucalipto e identificar os padrões e controles relacionados com a recarga e descarga da zona saturada do solo.

MATERIAL E MÉTODOS
A bacia do rio Sesmaria possui quatro estações de monitoramento em cabeceiras de drenagem com plantios de eucalipto iniciados em 2004 (Cax 01, Cax 02, Ind 01 e Ind 02.) e outras quatro estações nos principais rios da bacia (Sesmaria, São João, Feio e Formoso). Para maiores detalhes sobre as estações de estudo, consulte Sato (2012). Em cada cabeceira foi instalado um poço dentro da Área de Preservação Permanente (APP) próximo ao canal de drenagem, enquanto os demais poços foram instalados no interior ou próximo aos plantios de eucalipto, visando monitorar a oscilação do lençol freático nos fundos de vale como também na baixa-média encosta. A estação Cax 01 possui dois poços (P04 e P05), enquanto as estações Cax 02 (P01, P02 e P03), Ind 01 (P07, P08, P09) e Ind 02 (P10, P11 e P12) apresentam três poços cada. Os poços foram perfurados com trado mecânico até aproximadamente três metros abaixo do NA ou até a profundidade que as condições técnicas e do local permitissem. Os poços foram monitorados semanalmente com a utilização de um sensor de nível manual desde Outubro de 2009, com exceção da estação Ind 02, que teve seu monitoramento iniciado em Dezembro de 2010. A precipitação foi mensurada diariamente em seis estações espalhadas pela bacia. Os dados de NA dos diferentes poços foram normalizados para facilitar a comparação. O NA normalizado foi comparado com a precipitação antecedente e com o fluxo de base dos principais rios da bacia, visando identificar o padrão de recarga e depleção do aquífero. A determinação das cotas linimétricas que correspondiam ao fluxo de base dos rios foi feita assumindo que a precipitação média da bacia no dia da medição não poderia ser superior a 5 mm e que o acumulado de chuva dos dois dias antecedentes deveria ser inferior a 10 mm. Foram avaliadas também as respostas entre os diferentes poços a fim de determinar o comportamento de variação do NA na comparação de poços instalados em diferentes profundidades e em locais distintos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os poços apresentaram água em algum momento no período de monitoramento, com exceção do P12, sendo esta a razão da exclusão deste poço das análises. Os poços apresentam grande diferença na oscilação do NA, especialmente na comparação dos localizados no fundo de vale e na baixa-média encosta (Figura 1). Os poços P4, P7 são os que apresentam maior variação ao longo do tempo. Entretanto o P1, que também está localizado no fundo de vale, apresentou grande estabilidade do NA ao longo do período de monitoramento. As avaliações feitas em campo indicaram que este poço é o único que apresenta grande desenvolvimento de raízes no seu interior, demonstrando que a vegetação arbórea de médio porte deste local extrai água diretamente da zona saturada, atuando como freatófita. Sobre o comportamento geral, verificou-se a ocorrência em todos os anos de uma reversão da tendência de queda do NA a partir do mês de Dezembro (Figura 2). O comportamento do rebaixamento do NA contrasta com o de subida, sendo o de rebaixamento lento e duradouro enquanto o de ascensão é rápido e curto. A ascensão do NA mostrou-se altamente correlacionada com a precipitação acumulada de 120 dias (R2 > 0,90), enquanto para períodos maiores e menores que este o coeficiente de correlação linear foi inferior. Os resultados dos trabalhos de Fonseca (2009), Leal (2009) e Avelar e Coelho Netto (1992a) na bacia do rio Bananal indicaram que a ascensão do NA em suas respectivas áreas de estudo foram iniciadas na maioria dos anos em Dezembro, Janeiro e Fevereiro. Estas respectivas áreas estão localizadas em unidades geológicas distintas e que apresentam densidades de fraturas decrescentes (Avelar e Coelho Netto, 1992b), o que sugere que o tempo de resposta possa estar relacionado com as propriedades físicas das rochas. Além da precipitação acumulada no período chuvoso ser de fundamental importância para o entendimento da subida do NA, verifica-se também que as chuvas de maior volume apresentam papel fundamental na recarga da zona saturada. Esta recarga foi detectada com bastante rapidez nos fundos de vale onde a profundidade do NA é menor. Nos acumulados de chuva semanais superiores a 100 mm observou-se uma tendência geral de variações positivas do NA nos poços. O NA dos poços mostrou- se altamente relacionado com o fluxo de base dos principais rios da bacia (rios Sesmaria, São João e Formoso) ao longo de todo o período de monitoramento. Os resultados indicaram que durante o período de ascensão é o NA que influencia o fluxo de base, ao passo que nos períodos de depleção é o fluxo de base o responsável por rebaixar o NA. Foi observado que a maioria dos poços, independentemente da profundidade e da estação onde estão localizados, respondeu de forma sincrônica no momento de reversão da tendência de queda para o de ascensão do NA (Figura 2). Este resultado sugere fortemente que a maior parte da recarga da zona saturada destas cabeceiras de drenagem esteja sendo realizada de forma ascendente, muito provavelmente pelo sistema de fraturas das rochas encontradas nesta região. Se a recarga do NA nestas cabeceiras de drenagem ocorresse principalmente em virtude de fluxos descendentes, seria esperado que a recarga ocorresse primeiramente nas porções mais rasas do solo e só posteriormente nos pontos mais profundos, em virtude do tempo diferenciado de percolação da água no perfil do solo. A partir da observação da estreita relação entre a precipitação acumulada de 120 dias com a elevação do NA e o constante acompanhamento do NA dos poços nas cabeceiras de drenagem com o fluxo de dos principais rios da bacia, reforça-se a concepção de que exista uma variação sincrônica do NA em extensão regional.

Figura 1

Figura 1 - Localização dos poços de monitoramento.

Figura 2

Figura 2 - Variação do NA normalizado e da precipitação. No eixo x (temporal) também está indicada a idade dos plantios de eucalipto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Devido à sincronicidade da oscilação do NA nas cabeceiras de drenagem, foi permitido afirmar que o aquífero possui um comportamento regional, o que torna difícil distinguir os efeitos da recarga local da regional. A ascensão do NA na área estudada apresentou estreita relação com o acumulado de chuva de 120 dias, ao passo que a depleção é promovida pelo fluxo de base dos principais rios. As precipitações semanais superiores a 100 mm apresentam grande relevância na recarga do aquífero e a revisão de trabalhos anteriores sobre a oscilação do NA aponta para uma relação entre a velocidade da ascensão destes níveis com a densidade de fraturas das rochas encontradas nesta região. Os resultados indicam a necessidade do estudo da zona vadosa a fim de distinguir os efeitos hidrológicos da cobertura do solo nas cabeceiras de drenagem da recarga regional. Faz-se necessário também estudar a hidrogeoquímica da zona saturada para subsidiar o entendimento da origem dos fluxos subterrâneos.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o auxílio financeiro da FAPERJ (processos E-26/102.791/2008 e E-26/110.283/2012), do CNPq (processo 480293/2011-2), além destas duas Agências de Financiamento através do Instituto Geotécnico de Reabilitação do Sistema Encosta- Planície (INCT-REAGEO), processos E-26-170.023/2009 (FAPERJ) e 573.795/2008-8 (CNPq). Agradecemos também ao apoio logístico da FIBRIA Celulose S.A. por permitir o acesso e o monitoramento das fazendas de eucalipto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
AVELAR, A.S.; COELHO NETTO, A.L. (1992a): Fluxos d’água subsuperficiais associados à origem das formas côncavas do relevo. 1º COBRAE: 709-719.
AVELAR, A.S.; COELHO NETTO, A.L. (1992b): Fraturas e desenvolvimento de unidades geomorfológicas côncavas no médio vale do rio Paraíba do Sul. Rev. Bras. Geociências 22(2): 222-227.
COELHO NETTO, A.L. (1999): Catastrophic Landscape Evolution in a Humid Region (SE Brazil): inheritances from tectonic, climatic and land use induced changes. Supplementi di Geografia 162 (III), Tomo 3: 21-48.
FONSECA, A.P. (2006): Análise de mecanismos de escorregamento associados a voçorocamento em cabeceiras de drenagem na bacia do rio Bananal (SP/RJ). Tese (Doutorado), COPPE/UFRJ. 348 p.
LEAL, P.J.V. (2009): Crescimento de redes de canais e pirataria de água subterrânea em vales de cabeceiras de drenagem. Tese de Doutorado (Programa de Pós-graduação em Geografia/UFRJ), 213 p.
ROCHA LEÃO, O.M. (2005): Evolução regressiva da rede de canais por fluxos de água subterrânea em cabeceiras de drenagem: bases geo-hidroecológicas para a recuperação de áreas degradadas com controle de erosão. Tese (Doutorado), PPGG/IGEO/UFRJ, 247 p.
SATO, A.M. (2012): Influência do manejo de plantios de eucalipto na hidrologia e erosão de encostas: estudos na bacia do rio Sesmaria, médio vale do rio Paraíba do Sul. Tese de Doutorado (PPGG/UFRJ), 177 p.