Anais: Geomorfologia de encostas

AVALIAÇÃO DO PAPEL DA VEGETAÇÃO NA ESTABILIDADE DE ENCOSTAS ATRAVÉS DO MODELO SHALSTAB MODIFICADO

AUTORES
Michel, G.P. (UFSC) ; Kobiyama, M. (UFSC) ; Goerl, R.F. (UFPR)

RESUMO
O presente trabalho inseriu dois parâmetros relacionados à presença de vegetação (coesão das raízes e sobrecarga exercida pelo peso das árvores) nas equações utilizadas no modelo SHALSTAB. Além disso, realizou uma análise de sensibilidade do modelo em relação à variação destes parâmetros. Com os resultados obtidos, conclui-se que a influência da vegetação na estabilidade das encostas depende da espessura da camada de solo.

PALAVRAS CHAVES
Vegetação; Análise de sensibilidade; SHALSTAB

ABSTRACT
The present study inserted two parameters related to vegetation (root cohesion and tree surcharge) into SHALSTAB equations. With this modified SHALSTAB, a sensitive analysis to these parameters was performed. The obtained results permit to conclude that the vegetation influence on the slope stability depends on the soil layer thickness.

KEYWORDS
Vegetation; Sensitive analysis; SHALSTAB

INTRODUÇÃO
Os escorregamentos são fenômenos naturais que cada vez mais causam mortes e danos devido à ocupação inadequada de áreas com maior susceptibilidade a movimentos de massa. A redução dos desastres causados por escorregamentos depende da realização de medidas adequadas. As medidas não-estruturais, tais como o mapeamento de áreas susceptíveis a escorregamentos, destacam-se por sua vasta aplicabilidade e baixo custo. A modelagem computacional utilizada na detecção de tais áreas é uma ferramenta cada vez mais aplicada em todo o mundo através de modelos como SHALSTAB (Dietrich e Montgomery, 1998), SINMAP (Pack et al., 1998) e TRIGRS (Baum et al., 2002), entre outros. No Brasil, diversos estudos aplicaram o modelo SHALSTAB para avaliação da susceptibilidade a escorregamentos (Fernandes et al., 2001; Guimarães et al., 2003; Gomes et al., 2010, entre outros). Embora esse modelo venha demonstrando bom desempenho na identificação de áreas susceptíveis a escorregamentos, ainda existem algumas deficiências na estrutura do mesmo. Uma delas é a negligência da presença da vegetação, e consequentemente de seus efeitos na estabilidade das encostas, pelo modelo. A vegetação presente em encostas naturais pode exercer diversos efeitos em sua estabilidade, portanto, sua presença deve ser considerada no processo de modelagem. Além disso, o entendimento da relação entre a vegetação e a estabilidade das encostas é de extrema pertinência na orientação de práticas de manejo florestal. Nestas circunstâncias, o presente trabalho teve como objetivo inserir dois fatores oriundos da presença da vegetação (coesão das raízes e sobrecarga exercida pelo peso das árvores) nas equações utilizadas pelo modelo SHALSTAB e verificar o funcionamento deste novo equacionamento através da análise de sensibilidade do modelo à variação dos parâmetros inseridos.

MATERIAL E MÉTODOS
O SHALSTAB (Shallow Landsliding Stability Model) é um modelo determinístico baseado na combinação do modelo de estabilidade de vertente infinita descrito por Selby (1993) e no modelo hidrológico de estado uniforme (O’loughlin, 1986). Através do modelo digital do terreno (MDT) são obtidas as variáveis topográficas, declividade e índice geomorfológico. Os parâmetros de entrada do modelo são coesão do solo, ângulo de atrito interno do solo, densidade do solo úmido e profundidade do solo. As equações originais utilizadas pelo modelo foram descritas por Dietrich e Montgomery (1998). A presença da vegetação sobre a estabilidade das encostas pode alterar significativamente o resultado obtido pela modelagem através do SHALSTAB. Por isso, o presente trabalho incluiu ao SHALSTAB as equações obtidas por Borga et al. (2002) que consideraram os efeitos da vegetação no cálculo do fator de segurança (FS) para vertentes infinitas. Assim, a estrutura original do modelo foi modificada. O SHALSTAB modificado foi aplicado à bacia do Rio Cunha (16,2 km²), no município de Rio dos Cedros – SC. A altimetria da bacia varia de 80 m a 860 m apresentando inúmeras áreas de alta declividade (>45°). Michel et al. (2011) relataram a ocorrência de inúmeros escorregamentos nesta bacia durante as fortes chuvas que ocorreram no mês de novembro de 2008 na região. Os parâmetros de coesão, ângulo de atrito e densidade do solo úmido foram obtidos através de ensaios geotécnicos e equivalem respectivamente a 11,9 kPa, 31,2° e 1815 kg/m³. A análise de sensibilidade do modelo relacionada aos parâmetros referentes à presença de vegetação foi realizada através da variação dos valores de coesão das raízes - Cr (0 – 20 kPa) e sobrecarga exercida pelo peso das árvores - W (0 – 20 kPa). Também foram utilizados três valores de profundidade do solo - z (5, 10 e 20 m) para analisar o comportamento do modelo frente a diferentes valores de espessura do solo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O resultado da análise de sensibilidade do modelo, exibido através da variação da área instável dentro da bacia gerada pela alteração do valor de cada parâmetro, está apresentado na Figura 1. De maneira geral, a aplicação do modelo demonstrou que o aumento da coesão das raízes eleva a estabilidade das encostas. Observa-se que quanto menor a profundidade do solo, maior o efeito da coesão das raízes no sentido de elevar o FS da encosta. A redução da efetividade da coesão total (combinação entre coesão do solo e das raízes) com o incremento da profundidade do solo para modelos de taludes infinitos já foi descrita por Pack et al. (1998). Hammond et al. (1992) e Borga et al. (2002) além de relatarem o crescimento do FS com o aumento da coesão das raízes, igualmente mencionaram a influência exercida pelo aumento da profundidade do solo no sentido de atenuar este efeito. Contudo, o aumento da coesão das raízes sempre resulta em incremento na estabilidade das encostas. Em relação ao outro parâmetro observado, constata-se que para a menor profundidade do solo (5 m), o aumento da sobrecarga devido ao peso da vegetação eleva levemente o número de áreas instáveis. Porém, para os dois maiores padrões de profundidade, ou seja, 10 m e 20 m, o aumento da sobrecarga gera uma leve redução das áreas consideradas instáveis. Diferentemente das conclusões obtidas por Borga et al. (2002), que concluíram que o aumento da sobrecarga exercida pelo peso das árvores acarretaria no decréscimo do FS, o comportamento das encostas em relação a este parâmetro difere conforme a espessura do solo. Hammond et al. (1992) ignoraram o efeito da sobrecarga devido a vegetação em sua análise de sensibilidade do FS por acreditar que este seria muito pouco sensível a tal parâmetro. Embora a análise de sensibilidade realizada pelo presente trabalho demonstre baixa sensibilidade do modelo à sobrecarga devido ao peso das árvores, a relação entre este parâmetro e a profundidade do solo na estabilidade das encostas deve ser mais bem investigada através de pesquisas de campo e modelagem. Ao analisar os dois parâmetros juntamente, o modelo mostrou-se mais sensível à variação da coesão das raízes. Percebe-se que a influência da vegetação diminui com o aumento da espessura do solo. Ainda assim, para solos espessos, considerando os dois parâmetros estudados, a presença de vegetação sempre acarretará no aumento do FS da encosta. Em relação a solos pouco espessos, embora a sobrecarga exercida pela vegetação tenha efeito negativo sobre a estabilidade, o acréscimo de resistência originado pela coesão das raízes é bastante significante. Vale ressaltar que os resultados foram obtidos através de simulações realizadas em sistema computacional e não necessariamente contemplam todas as possíveis influências da vegetação na estabilidade das encostas estudadas. Portanto, é necessário investigar detalhadamente a real coesão originada pela presença das raízes de diferentes espécies e a sobrecarga de peso originada. Desta maneira, o manejo florestal em áreas de encostas poderá ser mais bem conduzido.

Figura 1

Análise de sensibilidade do SHALSTAB modificado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A consideração de uma maior quantidade de parâmetros na modelagem de escorregamentos pode acarretar em maior precisão nos resultados obtidos. Desta maneira, no presente trabalho, a influência de dois parâmetros inseridos no modelo SHALSTAB relacionados à presença de vegetação foi avaliada. Verificou-se a influência positiva da coesão das raízes, sendo que esta influência é tão maior quanto menor a profundidade do solo. A sobrecarga originada pelo peso da vegetação pode assumir influência positiva ou negativa conforme a profundidade do solo e este comportamento deve ser mais abordado através de verificações em campo e aprimoramento do processo de modelagem. De qualquer forma, o presente trabalho permite concluir que, embora exista influencia da vegetação na estabilidade das encostas, tal influencia depende da espessura do solo.

AGRADECIMENTOS
O primeiro autor agradece ao CNPq pela concessão de bolsa de mestrado. O terceiro autor agradece ao programa REUNI/UFPR pela concessão de bolsa de doutorado.

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