Anais: Geomorfologia de encostas
Os movimentos de massa do Megadesastre de Janeiro de 2011 na Região Serrana do Rio de Janeiro: uma avaliação dos condicionantes geológicos
AUTORES
Guidolini, L. (UERJ - INSTITUTO DE GEOGRAFIA) ; Eirado, L.G. (UERJ - FACULDADE DE GEOLOGIA) ; Fraifeld, F. (PUC-RIO) ; Motta, M. (PUC-RIO) ; Amaral, C. (DRM-RJ; UERJ)
RESUMO
Análise dos movimentos de massa do Megadesastre de Janeiro’2011 (Região Serrana, RJ) permitiu avaliar o papel dos condicionantes geológicos na tipologia, orientação e distribuição das feições erosivas. Os movimentos de massa nas encostas e fundos de vales ocorreram em todas as direções, destacando EW, N45W, N45E e N10E, e em parte coincidem às estruturas que orientam as drenagens e encostas. Frente às chuvas anômalas as unidades litológicas não condicionaram o padrão dos movimentos de massa.
PALAVRAS CHAVES
Movimentos de massa; Condicionantes geológicos; Desastres naturais
ABSTRACT
Mass movements analysis of the disaster of January 2011 (mountain region, RJ, Brazil) evaluated the role of geological controls on the type, orientation and distribution of erosional features. Mass movements on the slopes and valley bottoms occurred in all directions, mainly EW, N45W, N45E and N10E and partly coincide with structures that control the drainage and slopes. Faced with anomalous rainfall the lithological units not conditioned the pattern of mass movements.
KEYWORDS
Mass moviments; Geological controls; Natural hazards
INTRODUÇÃO
O megadesastre natural que ocorreu nos dias 11 e 12 de janeiro de 2011 gerou centenas de movimentos de massa na vertente interior da Serra do Mar, envolvendo os municípios de Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, entre outros situados na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. A causa primária deste “Megadesastre na Região Serrana” foi a anômala precipitação de chuvas concentrada num curto período tempo, que gerou um conjunto de deslizamentos, que produziu um marcante evento de erosão das encostas e fundos de vale e provocou inúmeras vítimas fatais e perdas materiais.
A intensidade das chuvas foi a causa primária do desastre, porém a erosão das encostas e fundos de vales relacionada aos movimentos de massa foi deflagrada sobre um substrato constituído de vários condicionantes: geologia, relevo, solos, hidrologia, vegetação e uso antrópico urbano e rural. Neste sentido, equipes do DRM-RJ, PUC-Rio, UERJ e UFRJ, entre outras, desenvolveram estudos locais e regionais visando o mapeamento dos movimentos de massa, identificação de áreas de risco e a caracterização dos processos erosivos.
O substrato geológico da Região Serrana é predominantemente constituído por diversas rochas graníticas e ortognaisses do Terreno Oriental da Faixa Ribeira, que encontram-se afetadas em diferentes graus de deformação dúctil (dobras, foliação NE e zonas de cisalhamento NW) e rúptil (falhas e fraturas NW-SE, NE-SW e E-W). Esse conjunto litológico controla o relevo da Serra do Mar gerando encostas íngremes ricas em paredões rochosos de alta declividade, vales fluviais encaixados e depósitos de tálus e colúvios que cobrem os sopés das encostas e fundos de vales.
Neste contexto, o objetivo deste trabalho é contribuir identificação do papel do substrato geológico (litologia e estruturas) e do relevo no condicionamento da orientação, situação e distribuição dos movimentos de massa resultantes desse marcante evento erosivo-deposicional das encostas e fundos de vale da Região Serrana.
MATERIAL E MÉTODOS
O mapeamento das cicatrizes erosivas dos movimentos de massa do Megadesastre’ 11 da Região Serrana foi realizado pelas equipes do MorfoTektos (PUC-Rio) e DRM-RJ através da análise de imagens satélite Geoeye, fotografias de sobrevôos e correções de campo (DRM-RJ,2011; Fraifeld et al.,2011). A partir disso, foram classificadas por meio de mapa topográfico (1:10.000) e imagens de satélite, utilizando o programa ArcGis 10, em 3 tipos de movimentos de massa segundo a situação no relevo: 1) encostas; 2) fundos de vales fluviais; 3) mistos ou duvidosos.
Por movimentos de encosta, compreende-se a diversidade de deslizamentos classificados pelo DRM-RJ (2011), com rupturas rasas ou profundas, que ocorreram em várias situações nas encostas e mobilizaram diferentes materiais. Os movimentos de fundo de vale compreendem as corridas de detritos, terra ou lama, semelhantes ao deslocamento de um líquido viscoso ao longo dos canais de drenagens, mobilizando grandes volumes de material. Os movimentos de massa classificados como duvidosos ou mistos, foram os que após a análise topográfica, não puderam ser classificados nos 2 grupos anteriores, ou porque estão situados na transição da base das encostas e o eixo das drenagens.
Posteriormente, determinou-se as orientações dos movimentos de massa, através do ArcGis 10, onde calculou-se os azimutes das direções do deslocamento erosivo. Os dados referentes às direções foram analisados no programa StereoNett 32 aonde foram gerados diagramas de roseta para cada tipo de movimento, revelando a frequência de orientações, possibilitando relacionar com os elementos geomorfológicos e geológicos regionais.
A etapa seguinte consistiu na análise quantitativa dos movimentos de massa frente às unidades geológicas, por meio do mapa geológico da Folha Nova Friburgo escala 1:100.000 (Tupinambá et al., 2011), elaborado pelo convênio CPRM e UERJ, com a finalidade de identificar os condicionantes litológicos e estruturais na ocorrência dos movimentos de massa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram mapeados na área de estudo cerca de 4297 segmentos de movimentos de massa relacionados ao evento de Janeiro de 2011. Sendo que destes 3631 (84,5%) foram classificados como situados nas encostas, 529 nos eixos dos fundos de vale e 137 como mistos ou duvidosos.
A análise dos dados de direções azimutais das cicatrizes erosivas mostra que os movimentos de massa nas encostas, ocorreram em praticamente todas as orientações. Porém destaca-se a maior frequência na direção Leste-Oeste, intervalos N80-90E e N80-90W, com máximo de 236 (6,3%) movimentos daqueles 3631 situados nas encostas. Outras orientações que possuem frequências significativas são N40-50W, N40-50E e N0-10E, onde cada direção corresponde a cerca de 3,0% do total. A orientação dos movimentos de massa em todas as direções mostra a relação direta das cicatrizes erosivas com a posição das encostas (rumo de maior inclinação). A vertente interior da Serra do Mar apesar de estar voltada principalmente para N e NW, é cortada por importantes canais fluviais NNE-SSW, gerando encostas inclinadas para E-W, e canais tributários NW-SE que formam encostas inclinadas para NE-SW.
Os movimentos (corridas) ocorridos nos eixos dos fundos de vale, geralmente mais extensos, possuem maior frequência na direção N40-50E com um máximo de 27 (5%) cicatrizes neste padrão de deslocamento NE-SW, e subordinadamente, nas direções N80-90W e N30-40W. Isto demonstra a orientação preferencial da rede de drenagem regional. No caso dos movimentos mistos ou duvidosos, predomina a ocorrência dos deslocamentos com direção N-S (N0-10E) e subordinadamente, N20-30W.
Em relação à ocorrência dos movimentos de massa frente ao substrato geológico da área da Folha Nova Friburgo (1:100.000), os dados revelam uma distribuição das cicatrizes erosivas em todas as unidades litológicas aflorantes. O Leucognaisse granítico e o Batólito Serra dos Orgãos apresentam maior número de cicatrizes erosivas, respectivamente com 1008 (23%) e 976 ocorrências (22,7%), seguidos de perto pelos casos nos corpos do Granito Nova Friburgo e nos ortognaisses do Complexo Rio Negro, respectivamente com 833 (19,3%) e 824 ocorrências (19%). Ou seja, as quatro unidades geológicas do Terreno Oriental da Faixa Ribeira que ocupam maior área na região afetada pelo megadesastre, possuem uma distribuição semelhante das feições erosivas. Também foram observados, com números menos expressivos, movimentos de massa sobre os depósitos aluvionares quaternários (3,5%), outros litotipos (granitos e gabros, 2,7%), além daqueles casos que cruzaram mais de 1 unidade litológica (9,4%).
As principais unidades litológicas por um lado não apresentam grande variação composicional (rochas em geral quartzo-feldspáticas de composição granítica a granodiorítica), por outro possuem variações texturais e estruturais. Assim, essas unidades apresentaram aparentemente um comportamento mecânico similar, frente à anômala precipitação pluviométrica do evento de Janeiro de 2011. Portanto, as variações litológicas não atuaram como condicionante geológico decisivo na distribuição espacial dos movimentos erosivos.
Em relação às estruturas geológicas regionais é importante ressaltar o papel da foliação NE nos gnaisses e alguns granitos, zonas de cisalhamento dúctil-rúpteis NNW, e falhas e fraturas NW-SE e NE-SW (Tupinambá et al., 2011). Essas estruturas controlam a direção da rede de drenagem e, consecutivamente, as encostas dos vales, orientando os movimentos de massa, especialmente aqueles encaixados nas cabeceiras de drenagem e nos eixos de fundos de vale. Outro controle estrutural é o papel das falhas, fraturas tectônicas e de alívio no controle dos knickpoints (níveis de base locais) que estrangulam os vales fluviais, bem como na segmentação dos maciços e desmonte dos afloramentos rochosos durante os fluxos dos movimentos de massa (Rodrigues et al., 2011; Lago et al., 2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa escala regional, os condicionantes geológicos aparentemente não revelam marcante controle no padrão de orientação e distribuição dos movimentos de massa do Megadesastre’11 da Região Serrana. No entanto, as rochas e estruturas constituem o substrato predisponente sobre o qual se deflagrou as chuvas intensas e os movimentos catastróficos.
Um desdobramento deste estudo é analisar a relação das tipologias de movimentos de massa (tipos de rupturas e deslocamentos) frente às características texturais, anisotropia estrutural e padrão de intemperismo das rochas graníticas e gnáissicas, fraturadas ou não. Essas características geológicas, junto com as formas de relevo pré-existentes, parecem atuar como um significativo condicionante sobre as diversas formas de movimentos massa nas encostas, sendo importante na classificação de áreas de riscos remanescentes e na identificação de locais susceptíveis a recorrência de movimentos erosivos gerados por eventos de chuvas menos intensos (normais).
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Prof. Miguel Tupinambá (UERJ), estudantes de Geologia/UERJ, especialmente Gabriel Soares, e de Geografia/PUC-Rio (Rodrigo Paixão e Felipe Waldherr, entre outros) e a diversos geólogos do NADE/DRM-RJ, que participaram dos trabalhos de campo, mapeamento e análise dos movimentos de massa do Megadesastre'11. E também ao Rafael Perico no apoio do geoprocessamento e ao TEKTOS - Grupo de Pequisa em Geotectônica da Faculdade de Geologia/UERJ pelo uso de sua estrutura de pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
DRM-RJ – Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro. 2011. Megadesastre da Serra Fluminense - Janeiro 2011. Disponível em: http://www.drm.rj.gov.br/index.php.
Fraifeld, F.; Motta, M.; Paixão, R.; Waldherr, F.; Vieira, B.; Peixoto, M.; Amaral, C. 2011. Mapeamento emergencial das cicatrizes do Megadesastre da Serra Fluminense. Anais 12o Simp. Geol. SE/ 16o Simp.Geol. MG, SBG, Nova Friburgo, p.19.
Lago, L.; Amaral, C.; Lima, F.P.: Campo, L.E.P.: Eirado Silva, L.; Dourado, F. 2011. O deslizamento do Condomínio do Lago, Nova Friburgo – análise dos condicionantes geológicos e geomorfológicos. Anais 12o Simp. Geol. SE/ 16o Simp.Geol. MG, SBG, Nova Friburgo, p.25.
Rodrigues, J.G.; Amaral, C.; Santos, J.B.S.; Tupinambá, M. 2011. Novos dados sobre o papel dos condicionantes geológicos na corrida de massa do Vieira, Teresópolis, Região Serrana do RJ. Anais 12o Simp. Geol. SE/ 16o Simp.Geol. MG, SBG, Nova Friburgo, p.24.
Tupinambá, M. et al. 2011. Mapa Geológico da Folha Nova Friburgo – escala 1:100.000. Programa Nacional de Geologia (PRONAGEO), CPRM – UERJ, Brasília. Disponível em: http://geobank.sa.cprm.gov.br/pls/publico/geobank.download.downloadlayouts?p_webmap=N