Anais: Geomorfologia de encostas
Avaliação da suscetibilidade a escorregamentos rasos na bacia da Ultrafértil, na Serra do Mar (Cubatão) por meio da aplicação do modelo SINMAP
AUTORES
Nery, T.D. (CEMADEN) ; Vieira, B.C. (USP)
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi avaliar a suscetibilidade dos escorregamentos rasos
na bacia da Ultrafértil (SP) por meio da aplicação do modelo SINMAP. Os parâmetros
topográficos e geotécnicos foram retirados, respectivamente, do MDT (resolução de
2m) e dos trabalhos já realizados na área. O modelo previu que 90% dos
escorregamentos estão em classes instáveis (instável, limiar superior e limiar
Inferior), tendo a classe LI com o maior percentual de área e concentração de
escorregamentos.
PALAVRAS CHAVES
Serra do Mar; escorregamentos rasos; SINMAP
ABSTRACT
The aim of this study was to evaluate the susceptibility of shallow landslides at
Ultrafértil basin (SP) by the SINMAP model. The geotechnical and topographical
parameters have been obtained, respectively, by the MDT (2 m resolution) and by
the studies in the area. The model predicted that 90% of landslides are in
unstable classes (unstable, upper threshold and lower threshold), having the class
lower threshold with the highest percentage of area and landslides concentration.
KEYWORDS
Serra do Mar; Shallow landslides; SINMAP
INTRODUÇÃO
Os modelos matemáticos são ferramentas muito úteis na previsão de áreas
instáveis a escorregamentos rasos em áreas com difícil acesso como, por exemplo,
as regiões serranas. No Brasil, inúmeros trabalhos vêm empregando diferentes
modelos para predizer a suscetibilidade (Gomes et al, 2008; Guimarães et al,
2009; Vestena, 2009; Lopes et al, 2010 Michel et al, 2010).
A Serra do Mar é uma região onde os escorregamentos rasos são os processos mais
comuns e que por muitas vezes, causam danos irreparáveis. No contexto do
município de Cubatão, a Serra do Mar é sustentada por rochas ígneas e
metamórficas (Hassui et al, 1994), encostas com amplitudes entre 750 a 850 m e
com formatos retilíneo e convexo (IPT, 1986). Os solos apresentam comportamentos
distintos, caracterizando camadas menos espessas (1 a 2 m) nas partes mais
elevadas (Wolle e Carvalho, 1989) e camadas mais espessas nas seções suaves do
relevo (Rossi e Queiroz Neto, 2001).
Por muitas vezes os locais de deflagração destes processos são inacessíveis e,
consequentemente, muitos estudos são realizados aplicando métodos indiretos seja
por meio da correlação entre escorregamento e precipitação (Tatizana et al,
1987, Tavares et al, 2005) ou utilizando os modelos matemáticos (Lopes, 2007,
Vieira et al, 2010). Porém, mesmo com tais dificuldades, os poucos dados na
literatura sobre as propriedades físicas dos materiais vêm permitindo a melhor
calibração dos modelos utilizados. Portanto, é objetivo desta pesquisa avaliar a
suscetibilidade dos escorregamentos rasos de na bacia da Ultrafértil por meio da
aplicação do modelo SINMAP.
O modelo SINMAP (Pack et al, 1998) fundamenta-se nos modelos de estabilidade de
encosta e hidrológico que auxiliam na identificação de áreas instáveis. Os
mecanismos de avaliação do modelo partem do emprego do MDT e da inserção de
dados do meio físico. Desta combinação de parâmetros é derivado o Índice de
estabilidade (IE) definido como a probabilidade de um local ser estável.
MATERIAL E MÉTODOS
Para alcançar o objetivo desta pesquisa alguns procedimentos foram
estabelecidos: escolha do modelo matemático SINMAP; mapeamento dos
escorregamentos; elaboração do Modelo Digital de Terreno e obtenção de dados
pluviométricos, geotécnicos e hidrológicos.
As cicatrizes foram mapeadas utilizando-se de ortofotos, em escala 1:25000, com
resolução de 0,5 metros (INPE) e foram representadas em formato ponto. Os
parâmetros topográficos do modelo foram obtidos pelo MDT com resolução de 2 m
elaborado a partir de cartas topográficas digitalizadas em escala 1:10000 com
equidistância de 5 m por meio da ferramenta Topo to Raster.
Os dados geotécnicos e hidrológicos foram compilados de trabalhos realizados na
Serra do Mar em áreas onde houve ou apresentaram potencial de ocorrência de
movimentos de massa. As propriedades físicas dos solos foram obtidas de Wolle e
Carvalho (1994); que por meio de ensaios em laboratório buscaram compreender a
dinâmica de ocorrências dos escorregamentos na Serra do Mar, em Cubatão; Amaral
Junior (2007) propôs um mapeamento geotécnico na região serrana de Costa Verde,
Rio de Janeiro e; Mendes (2008) que estudou áreas caracterizadas por atividades
de mineração e que atualmente são afetadas por processos erosivos. As
informações a respeito da coesão das raízes (Cr) foram extraídas de Guimarães
(2000) que se baseou em estudos realizados por Vieira et al (1998) sobre o papel
da vegetação nos movimentos de massa.
A variável T, que corresponde a transmissividade na razão T/R, foi obtida pelo
trabalho de Carvalho (1989) que se propôs estudar o papel da infiltração da água
na deflagração dos escorregamentos na Serra do Mar (SP). Os dados pluviométricos
foram obtidos no Banco de Dados do SIRGH – DAEE e serviram para compor a
variável R da razão T/R. A partir daí, foi proposto o seguinte cenário de
suscetibilidade: razão T/R (mín.: 68; máx.: 213), Coesão (mín.: 0,06; máx.:
0,83) e Densidade (1350 kg/m³).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A bacia da Ultrafértil, com 2,5 km², concentrou 216 cicatrizes de
escorregamentos ocorridos em 1985. O modelo apontou que a bacia da Ultrafértil
(Figura 1) possui grande instabilidade identificando 90% dos escorregamentos
abaixo da condição limitante (1), ou seja, valor que separa as classes estáveis
(estável, moderadamente estável e quase estável) das classes instáveis
(instável, limiar superior e limiar inferior). Tal resultado mostra-se
condizente com aqueles observados por Wolle e Pedrosa (1981), que encontraram
78% dos escorregamentos em solos superficiais ou coluvionares na Serra do Mar
ocorrendo nestas condições, ou seja, com FS < 1.
Os escorregamentos na bacia da Ultrafértil ocorreram em encostas com ângulos
superiores a 30°, concentrados, em maior parte, no intervalo de 40° a 50°
(Figura 2A). Os resultados mostraram que as classes instáveis representam 90% da
área da bacia, tendo a classe limiar inferior com o maior percentual (71%). As
áreas estáveis representam apenas 10% da área da bacia, com os maiores valores
de área para as classes estável e quase estável (apenas 4%) (Figura 2B). Os
escorregamentos se concentraram, em sua maior parte, na classe limiar inferior
(155 cicatrizes). Contudo, a maior densidade de escorregamento está associada à
classe limiar superior (Figura 2C).
Pack et al (2001) aplicaram o modelo SINMAP na região de Kilpala, no Canadá, e
registraram 65 escorregamentos. Deste total, 64 foram associados às classes
instáveis e, assim como na bacia da Ultrafértil, apenas 1 escorregamento foi
associado à classes estáveis. A classe instável para Kilpala concentrou 45
escorregamentos e para a bacia da Ultrafértil nenhum processo foi identificado
para esta mesma classe. Segundo Pack et al (2001), estes escorregamentos
ocorreram em áreas de substrato rochoso intemperizados, assim como, toda a área
classificada como instável, o que de fato não ocorreu na Ultrafértil, visto que,
somente a classe instável está associada aos paredões rochosos. As demais
classes estão associadas às zonas com materiais predisponentes ao movimento.
Lopes et al (2007) em estudos realizados na bacia do Rio da Onça, Cubatão (SP)
aplicaram o modelo SINMAP e verificaram que 286 estão associadas às classes
instáveis. Assim como na bacia da Ultrafértil, a classe limiar inferior, que
representa as margens de incertezas do modelo, concentrou 46% dos
escorregamentos para o ano de 1985. As classes estáveis representaram 37% da
bacia do Rio da Onça, 27% a mais daqueles encontrados para a bacia da
Ultrafértil. Verificou-se que 55 escorregamentos foram associados para esta
classe na bacia do Rio da Onça e apenas 1 para a Ultrafértil. Contudo, o modelo
conseguiu predizer a maior parte dos escorregamentos abaixo de 1 para ambas as
bacias (Ultrafértil, 90% e Rio da Onça, 63%).
Aplicando o modelo SINMAP na região de Santa Giuletta (Itália), Meisina e
Scarabelli (2007), verificaram que o modelo conseguiu prever 78% dos 44
escorregamentos para as classes instáveis, sendo 47% associado à classe limiar
superior. A classe limiar superior representou 25% da área, aproximadamente 20%
a mais do que esta classe representou para a bacia da Ultrafértil. Observa-se
que a ocorrência desta classe para a bacia da Ultrafértil está associada a
ângulos de 40° a 50° e para Santa Giuletta, aos ângulos de 34°.Ttal análise
mostra um importante fator topográfico na ocorrência destes processos em ambas
as áreas.
Em relação à densidade de escorregamento (Figura 2C), observou-se que a classe
limiar superior apresentou o maior valor. Deb e El-Kadi (2009), em estudos
realizados em 4 regiões de Oahu (Hawaii), observaram que as classes instáveis
(limiar inferior e limiar superior) apresentaram os maiores valores de densidade
para estas regiões. Assim como observado em Meisina e Scarabelli (2007), os
escorregamentos em Oahu ocorreram em encostas acima de 30° e as áreas instáveis,
limiar inferior e superior, concentraram em intervalos médios de 39°. Os altos
valores de densidade
Mapa de Índice de estabilidade
Figura 1: Mapa de localização da área de estudo –
Bacia da Ultrafértil.
Histogramas
Figura 2: Gráfico de área de contribuição vs ângulo
(2A), histograma de índice de estabilidade (2B),
histograma de densidade de escorregamento (2C).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os escorregamentos rasos são processos recorrentes nas regiões serranas do Brasil
e devido às dificuldades de estudos in situ e os resultados bastante satisfatórios
dos modelos matemáticos apresentam-se como métodos viáveis e confiáveis. Os
resultados encontrados nesta pesquisa, bem como em outros trabalhos, mostram que a
aplicação dos modelos matemáticos apresenta-se como uma ferramenta útil na
avaliação destes processos.
A aplicação do modelo SINMAP na bacia da Ultrafértil mostrou-se satisfatória e os
resultados obtidos podem servir de base para o planejamento da região do pólo-
industrial de Cubatão. O modelo tem como principal vantagem o baixo custo de
instrumentação e a eficiência dos resultados. Mas, acredita-se que para um melhor
desempenho do SINMAP e de outros modelos matemáticos, aplicados em regiões
serranas, necessita-se de mais estudos in situ que possam fornecer dados
geotécnicos e hidroclimatológicos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo – FAPESP no desenvolvimento desta pesquisa por meio da bolsa de mestrado.
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