Anais: Geomorfologia de encostas

Correlação entre nível freático raso e atributos hidrogeomorfológicos na escala de vertente

AUTORES
Marangon, F.H.S. (MESTRANDO DO PPG EM GEOGRAFIA DA UFPR) ; Santos, I. (PROF ADJUNTO DO DEP. DE GEOGRAFIA DA UFPR)

RESUMO
Este trabalho objetiva a avaliação da correlação entre a superfície freática e os atributos hidrogeomorfológicos ao longo do talvegue da bacia do rio Saci. Utilizando modelos de regressão múltipla, obteve-se que os valores do nível freático calculado a partir das características da superfície do terreno são capazes de representar a superfície freática observada. Porém, a presença de caminhos preferenciais de escoamento também exerce grande influência na posição da superfície freática.

PALAVRAS CHAVES
Nível freático raso; índice topográfico; escoamento superficial

ABSTRACT
This paper aims to evaluate the relations between the shallow water table and the hydrogeomorphologic attributes from the surface of the thalweg in the Saci watershed. The results show that the predicted water table calculated using the surface attributes is able to represent the observed water table. However, preferential flow paths have also great influence on the height of the water table.

KEYWORDS
Shallow water table; topographic index; surface flow

INTRODUÇÃO
Em bacias hidrográficas florestadas e localizadas em ambientes úmidos o nível freático raso contribui de forma significativa para o escoamento (BEVEN e GERMANN, 1982; MCDONNELL, 2003; WHIKPEY, 1965). Solos nessas bacias tendem a ser mais porosos e conseqüentemente possuem maiores taxas de infiltração (HÜMANN et al., 2011). Nessas condições o escoamento no canal é oriundo de diferentes mecanismos de geração de escoamento que atuam em momentos diferentes numa mesma vertente separados por limiares de quantidade precipitada e condições antecedentes de umidade (MCDONNELL, 1990; SANTOS, 2009). Portanto, compreender a dinâmica do nível freático raso nessas bacias possibilita melhor entendimento sobre os mecanismos de geração de escoamento. Sabe-se que a dinâmica do nível freático é espacialmente variável devido à topografia, sendo esta relação proposta no estudo pioneiro de King (1899 apud DESBARATS et al., 2002). Atualmente, utilizam-se diversos parâmetros hidrogeomorfológicos para estimar a profundidade e variação do nível freático, sendo mais comum o Índice Topográfico proposto por Beven e Kirkby (1979). Desbarats (2002) demonstrou que para grandes áreas é possível representar o nível freático raso como uma relação linear do índice topográfico. Entretanto, para pequenas bacias, verifica-se que apesar desta relação ser válida, outros fatores influenciam a posição da superfície freática, tais como a presença de uma camada menos permeável do solo ou a presença de caminhos preferenciais de escoamento (DAHLKE et al., 2012; MCDONNELL, 2003; TROMP- VAN MEERVELD e MCDONNELL, 2006). Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar a relação entre a superfície do terreno, calculada pelo índice topográfico associado ao comprimento de vertente a montante, e a superfície freática ao longo do talvegue. Avalia-se o comportamento da superfície freática na vertente em quatro momentos distintos e discute-se a influência nos mecanismos de geração de escoamento.

MATERIAL E MÉTODOS
A bacia hidrográfica do rio Saci está localizada no município de Rio Negrinho, planalto norte de Santa Catarina. Possui área de 10,2 ha, sendo recoberta em 85% por reflorestamento de Pinus taeda com idade de 30 anos. A área restante é ocupada por mata nativa no entorno da drenagem e possui características de floresta secundária (SANTOS, 2009). O monitoramento das variáveis hidrológicas presentes na bacia foi iniciado em 2005 e atualmente conta com 20 poços perfurados até a camada rochosa para monitoramento do nível freático. Este monitoramento é realizado de maneira automatizada nos pontos p5 e p8 (Figura 1). Nos demais poços são realizadas, eventualmente, leituras simultâneas do nível freático. Para verificar o comportamento da superfície freática ao longo do talvegue, assim como sua relação com a superfície do terreno, optou-se por utilizar os níveis medidos em quatro momentos distintos. As datas foram selecionadas em função da variação do nível freático observado, de tal forma que os momentos selecionados representassem estados em que: (a) a superfície freática se encontra em posição intermediária dentro do solo (Figura 2a), (b) próximo à ausência de camada saturada no solo (Figura 2b) e (c) em que o solo encontra-se totalmente saturado em alguns pontos e/ou próximos da saturação em outros (Figuras 2c e 2d). Como forma de avaliar a relação entre o nível freático raso e os atributos do terreno utilizou-se modelos de regressão múltipla correlacionando os atributos hidrogeomorfológicos das vertentes, índice topográfico (IT) e comprimento de vertente a montante (L), com o nível freático observado nos poços situados ao longo do transecto correspondente ao talvegue da bacia. A caracterização hidrogeomorfológica da bacia do rio Saci foi feita por meio de uma malha de elementos (Figura 1) delimitados espacialmente pela intersecção entre as curvas de nível e as trajetórias das linhas de fluxo na vertente utilizando o software SPLIN2H (HUTCHINSON, 1989).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As equações de predição do nível freático raso obtidas pelos modelos de regressão apresentaram boa correlação com os níveis observados ao longo do talvegue da bacia do Saci. Os valores de R2 obtidos como resultado das regressões múltiplas realizadas se situaram próximos a 1, sendo 0,993; 0,988; 0,995; e 0,997 para as figuras 2a, 2b, 2c e 2d respectivamente. Portanto, mostram forte correlação entre o nível freático e os atributos hidrogeomorfológicos apresentando pequenos resíduos. Tais valores se aproximam aos do trabalho de Santos (2009) que utilizou as mesmas características das vertentes com o intuito de propor um modelo de profundidade da camada de solo hidrologicamente ativa em toda a bacia. Outros autores também demonstraram a relação entre IT e os perfis de umidade distribuídos no solo (i.e. DESBARATS et al., 2002; WESTERN et al., 2004). Esta relação se fundamenta no fato de que o valor de IT em um ponto da bacia apresenta relação direta com a área de contribuição e inversa com a declividade local. Assim, a distribuição espacial do índice topográfico em uma bacia revela as áreas com potencialidade de gerar escoamento superficial por saturação, ou seja, quando a superfície freática coincide com a superfície do terreno (BEVEN e KIRKBY, 1979). Entretanto, na bacia do rio Saci existem caminhos preferenciais de escoamento que controlam o armazenamento de água no solo, conforme apontado nos trabalhos de Santos (2009) e Marangon et al (2009) e ilustrado na Figura 2. Analisando-se as situações em que o solo não se encontra totalmente saturado em nenhum ponto ao longo da vertente, representadas pelas Figuras 2a e 2b, verifica-se que o nível calculado pelos atributos do terreno indica afloramento do lençol na área à jusante do poço p7. A Figura 2b apresenta uma situação com nível freático bem mais rebaixado, sendo que em alguns dos poços há ausência de camada saturada no solo. Entretanto, apesar de o modelo obtido pela regressão apresentar concordância com os valores observados na maioria dos poços, em alguns pontos verificam-se variações discrepantes com as condições físicas da bacia. Nas situações em que a superfície freática se encontra mais próxima à superfície do terreno (Figura 2c), apesar de haver saturação a montante, a superfície freática observada não coincide com a superfície do terreno nos poços p5 e p4. Já na Figura 2d, apesar de haver presença de escoamento superficial por saturação no talvegue, observações em campo demonstram não haver escoamento superficial sobre a área com presença da rede de pipes. De maneira geral, a associação de IT e L, mostra-se um bom indicador da posição da superfície freática. Porém, a superfície freática é também afetada pela presença de caminhos preferenciais de escoamento, que aumentam consideravelmente a condutividade hidráulica do solo elevando as taxas de escoamento subsuperficial, diminuindo a probabilidade de saturação do solo e o nível freático (BEVEN e GERMANN, 1982).

Figura 1

Localização dos poços e profundidade do solo hidrológico na bacia do rio Saci - Fonte: Santos (2009)

Figura 2

Nível freático observado e calculado em quatro momentos diferentes

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A superfície freática do talvegue da bacia do rio Saci apresentou boa correlação com os atributos hidrogeomorfológicos selecionados neste estudo (Índice topográfico e comprimento de vertente a montante). Entretanto, verificou-se que na escala de vertente é necessário levar em conta outros fatores capazes de interferir na posição da superfície freática. No caso da bacia do rio Saci, a presença de caminhos preferenciais de escoamento influencia de maneira direta a posição da superfície freática, diminuindo a probabilidade de saturação do solo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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