Anais: Geomorfologia de encostas
Feições erosivas e uso do solo da bacia do córrego Espraiado – São Pedro (SP)
AUTORES
Daniel, E. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP) ; Gomes, R.V. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP) ; Vieira, B.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP)
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo analisar as feições erosivas da bacia do córrego
Espraiado, São Pedro (SP) por meio da correlação entre os mapas do uso do solo e o
das feições erosivas em diferentes cenários (1972 e 2006) e o uso do índice de
Potencial de Erosão. Os resultados mostraram uma redução de cerca de 60% do volume
das feições erosivas entre os dois cenários, sendo o solo exposto à classe de uso
mais afetada nos dois cenários.
PALAVRAS CHAVES
Uso do Solo ; Feições Erosivas; Potencial de Erosão
ABSTRACT
This study aimed to analyze the erosion features of the Espraiado Basin, São Pedro
(SP) through the correlation between the land use and erosional features maps of
the different scenarios (1972 and 2006) and using the potential erosion index. The
results showed a reduction of about 60% of the erosion features volume between the
two scenarios, and the soil exposed class most affected in both scenarios.
KEYWORDS
Land Use; Erosion Features; Erosion Potential
INTRODUÇÃO
Na grande maioria dos casos, os processos erosivos começam pelo aumento do
escoamento superficial/subsuperficial das águas pluviais, conseqüência das
mudanças na cobertura vegetal (ex. remoção de árvores, aumento da terra arável,
queima excessiva de vegetação e prática de pastagem) e das mudanças climáticas
(variações na intensidade e distribuição das chuvas) (Selby, 1993). Para a
compreensão da ocorrência das feições erosivas é necessária uma investigação dos
parâmetros morfológicos (curvatura, declividade, hipsometria, entre outros) que
influenciam nas características do solo e principalmente nos agentes erosivos
(energia cinética da chuva, vento) (Brady 1989; Torri 1996; Braimoh, 2007; entre
outros), além da análise das propriedades litológicas, da cobertura vegetal e
principalmente do uso do solo. O estudo dessas propriedades é relevante, uma vez
que a formação de feições erosivas apresenta comportamento diferenciado de
acordo com a fisiografia da paisagem de cada região, isto é, ao mudar as
dimensões do tempo e do espaço, também mudam as relações múltiplas causais e o
sistema morfogenético precisa ser reconsiderado (Cruz, 1985; Canil, 2000, entre
outros).
Em 1997 foram registradas cerca de 6.700 erosões no Estado de São Paulo (DAEE,
1997), sendo que 80% da área cultivada sofreram processo erosivo além dos
limites de tolerância, com uma perda de 200 milhões de toneladas de solo
(Kertzman et al (1995). Neste contexto, o município de São Pedro (SP) possui
representatividade no cenário paulista, pois está inserido na classe de alta
suscetibilidade a erosão segundo Kertzman et al (1995), e a bacia do córrego
Espraiado, selecionada para este estudo, apresenta grande volume de feições
erosivas lineares, ao longo da sua extensão de 8 km e área de 12km2 (Furquim,
2002; Zuquette et al., 2007, entre outros). Desta forma, este trabalho teve como
objetivo analisar a distribuição das feições erosivas, a partir da correlação
com o uso do solo na bacia do córrego Espraiado.
MATERIAL E MÉTODOS
Os mapas das feições erosivas e do uso do solo foram realizados por meio da
fotointerpretação nas seguintes escalas: 1:25.000 e 1:30.000 e seus respectivos
cenários 1972 e 2006. As feições erosivas foram identificadas considerando
alguns aspectos visuais como: sombreamento, solo exposto, entalhamento do
relevo, fissuras no solo, declividade acentuada. Em relação às classes de uso do
solo, o mapeamento foi baseado no método proposto por Almeida e Freitas (1996).
São elas: cobertura natural vegetal (mata), silvicultura, solo exposto, pasto
limpo e pasto sujo, áreas agrícolas, área urbana inconsolidada e área urbana
consolidada. Essas classes foram identificadas e delimitadas considerando alguns
aspectos visuais tais como: cor, textura e arruamento. A análise integrada e
quantitativa entre as feições erosivas lineares e o uso do solo foi realizada a
partir da sobreposição dos mapas gerados em ambiente SIG e a identificação do
número de células com feições erosivas, de cada classe. A partir daí, foram
gerados histogramas, considerando apenas as classes atingidas pelas feições,
sendo calculado o índice de Potencial de Erosão (PE): razão entre o número de
células, de cada classe, afetadas pelas feições erosivas (Nf) e o total de
células dessa mesma classe (N).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cerca de 4% da área da bacia registraram feições erosivas em 1972 (Figura 01),
um total de 97 polígonos, e que praticamente 60% destas feições possuem área de
até 1000m2 sendo que a menor área registrada foi de 100m2 e a maior 45.900m2.
O grande volume de voçorocas na bacia pode ser justificado pelas altas e médias
declividades, curvaturas côncavas, uso do solo (solo exposto, pastos sujo e
limpo) e das propriedades físicas e hidrológicas dos materiais, que conforme
apontaram Santoro e Fúlfaro (1996), as amostras de sedimentos da área são do
tipo não plásticas, com baixos valores de resistência ao cisalhamento, elevados
índices de vazios e de porosidade (42%).
Embora mais da metade da bacia, 52%, tenha sido classificada como pasto sujo
(33%) e pasto limpo (19%), a classe com maior potencial de erosão (PE) foi o
solo exposto (PE=11,13%), seguida de pasto limpo (PE=3,34%), pasto sujo
(PE=2,76%) e mata (PE=2,60%), conforme mostra a Figura 2. Tal fato pode ser
justificado pela presença desta classe (35% da área do solo exposto) em
curvaturas côncavas e em canais de primeira ordem que concentram mais fluxos de
água e de detritos. Grande parte destas feições mapeadas se concentra na alta
bacia, próxima à cabeceira do rio principal, podendo ser explicada, segundo
Yamanouth (2003), pela presença de material inconsolidado residual e
retrabalhado (rocha muito alterada, arenosa e de baixa resistência), pouco
espesso (cerca de 1m), que durante eventos pluviométricos saturam mais
facilmente, aumentando o escoamento superficial. Isso pode estar relacionado com
a declividade deste setor (20 – 40%) e com o uso do solo desta área, constituída
aproximadamente por 55% do tipo pastagem (pasto sujo 36,49%, pasto limpo
17,80%).
Para o cenário de 2006 foi verificada uma redução de quase 60% do volume de
feições erosivas mapeadas em relação ao cenário anterior, ocupando neste cenário
apenas 1,50% da área total da bacia, (Figura 1). Foram mapeados um total de 22
polígonos de feições erosivas, cujo menor polígono, em área, foi 164m2 e o maior
48.600m2. Vale ressaltar que aproximadamente 40% dos polígonos registrados e
verificados em campo foram menores que 1.000m2 e o restante maior que essa área.
Em relação à distribuição dessas feições, as mesmas permaneceram concentradas no
setor da cabeceira e em trechos da média e alta bacia, em área circundante de
canais de primeira e segunda ordens e em curvatura côncava. Entretanto, houve
uma mudança de uso, nestas áreas de cabeceira de drenagem, onde predominou a
classe de mata (30%), em declividades altas (20 – 40% e 40% - <), com redução
das classes de pastagem (pasto sujo e pasto limpo). Embora neste cenário, as
classes de mata (24%) e pasto sujo (24%) tenham ocupado praticamente 50% da área
da bacia (Figura 2), o solo exposto registrou o maior PE (4,72%), assim como no
cenário anterior. As classes de pasto sujo e mata registraram também potenciais
de erosão elevados (PE), 2,31% e 1,17%, respectivamente.
A redução da área das feições, sobretudo das ravinas, provavelmente está
relacionada tanto com o aumento da área urbana consolidada (6%), e o consequente
aterramento para implantação de loteamentos, quanto pela expansão da
silvicultura (14%) (Figura 2). Santoro (1991) e Almeida Filho et al. (2004)
realizaram estudos no município e identificaram que a implantação de loteamentos
populares próximo aos processos erosivos sem infraestrutura contribuiu para a
formação do escoamento concentrado voltado para o talvegue do processo erosivo e
a formação de novos ramos da erosão, devido principalmente: à ausência de
sistema de drenagem de águas pluviais e servidas, ao sistema viário inadequado,
com ruas perpendiculares as curvas de nível e à ausência de pavimentação, guias
e sarjetas.
Figura 1
Mapas das Feições Erosivas e do Uso do Solo -
Cenários de 1972 e 2006
Figura 2
Distribuição das Classes do Uso do Solo e Potencial
de Erosão - Cenários de 1972 e 2006
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados obtidos pela correlação entre os mapas das feições erosivas e do uso do
solo nos anos de 1972 e 2006 mostraram que o solo exposto provavelmente teve
influência na ocorrência das feições erosivas na bacia. Além disso, o manejo
inadequado do solo tais como: implantação de loteamento de forma irregular,
compactação do solo, diminuição da porosidade, redução da infiltração, aumento do
escoamento superficial, também teve papel relevante nas feições erosivas. A área
total das feições erosivas de 1972 (0,40km2) para 2006 (0,15Km2) apontou uma
tendência de redução devido à substituição da pastagem pela classe mata, do
surgimento da área urbana consolidada e da expansão da silvicultura. Entretanto,
ressalta-se que embora o número de feições erosivas iniciais (sulcos e ravinas) no
primeiro cenário tenha diminuído significativamente, devido à prática da
silvicultura e a implantação de loteamentos, o escoamento pluvial inadequado
provocou a formação de feições erosivas nestas classes.
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