Anais: Geomorfologia de encostas
Descrição da compartimentação de processos de movimento de massa na Serra da Prata em Morretes – PR.
AUTORES
Martins, A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Ferreira, M.B.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Pontoni, D.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Batista, A.H. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Passos, E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ)
RESUMO
Os desastres naturais têm se tornado cada vez mais freqüentes no Brasil, com
graves impactos ambientais, sociais e econômicos. Como sua explicação é por vezes
controversa, é indispensável, para o melhor entendimento destes processos uma
densificação de dados e a coleta de informações referentes ao assunto. Neste
sentido, o objetivo deste trabalho foi a descrição preliminar da compartimentação
do processo de movimento de massa ocorrido no dia 11 de março de 2011, na Serra da
Prata, PR.
PALAVRAS CHAVES
deslizamentos; pluviosidade; desastre ambiental
ABSTRACT
Natural disasters have become increasingly frequent in Brazil, with serious
negative environmental, social and economic impacts. As his explanation is
sometimes controversial, it is essential a better understanding of these
processes. In this sense, the objective of this study was the preliminary
description of the partitioning of the process of mass movement occurred on March
11, 2011, in the Serra da Prata, PR.
KEYWORDS
landslides; rainfall; environmental disasters
INTRODUÇÃO
É cada vez mais freqüente o registro de eventos ambientais que levam a desastres
em proporções expressivas em diversos locais do mundo. O Brasil, apesar de ser
um país sem problemas de maior magnitude, tem sido surpreendido com a ocorrência
de alguns fenômenos naturais. Processos erosivos mais intensos como
deslizamentos têm sido considerados resultados de ações antrópicas como
desmatamentos de encostas e margens de rios, e até de alterações climáticas,
como o aquecimento global.
Todavia, é preciso considerar, além da influência destes fatores, que os
recortes de relevo tais como se vislumbram atualmente, foram formados
naturalmente, anteriores à vida humana na Terra. Alguns trabalhos realizados
desde a década de 60 consideram a paisagem natural como resultado de processos
morfogenéticos do Quaternário (Tricart, 1959; Ab’Saber e Bigarella,1961; Passos,
1987) que
até o presente momento foram pouco estudados no Brasil.
Neste contexto, na Serra da Prata, entre os municípios de Morretes e Paranaguá –
PR, no dia 11 de março do ano de 2011, ocorreram intensos movimentos de massa,
que causaram significativa mudança da paisagem, perdas materiais, e
infelizmente, de vidas humanas. Entretanto, chama atenção o fato de que este
evento, a princípio, não ocorreu em áreas antropizadas. Observa-se no local, que
os desprendimentos de massa, ocorreram inicialmente em locais de área de
preservação permanente, com presença de floresta.
Apesar de muito discutido em outros países, no Brasil e especialmente em estados
como o Paraná, onde não existem históricos de eventos similares, este tema ainda
é pouco conhecido. Faz-se necessário realizar o levantamento dos fatores locais
que influenciaram a ocorrência dos deslizamentos na Serra da Prata, PR. Desta
forma, o presente trabalho objetivou realizar uma descrição preliminar da
compartimentação do processo de movimento de massa ocorrido no dia 11 de março
de 2011.
MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo está inserida na encosta ocidental da Serra da Prata no
Distrito de Floresta, ao longo do vale do rio Tingidor, localizando-se entre as
coordenadas na jusante P1. Lat.-25°54’31’’, Long. 48°68’ 52’’ Alt.11m P2. Lat-
25°53’85’’ Long.-48°69’64’’ Alt. 13m e montante P3. Lat 25°58’71’’, Long.
48°67’90’’ Alt. 807m, P4. Lat.25°62’69’’ Long. 48°68’92’’ Alt. 1448m e montante
na divisa entre os municípios de Morretes e Paranaguá - PR.
A caracterização geológica litoestratigráfica da Serra da Prata compreende um
complexo Gnáissico-Migmatítico e Granítico-Gnáissico do período arqueano-
proterozóico inferior 2,5 – 1,8 milhões de anos (MINEROPAR, 2001; 2005)
Na região da Serra da Prata ocorre uma transição, onde o clima é classificado
segundo Köppen apud Maack (1981) como Cfa subtropical superúmido mesotérmico e
com verões quentes nas altitudes até 700 m e Cfb subtropical superúmido
mesotérmico, mas com verões amenos acima dessa altitude. A fisionomia da
vegetação é caracterizada como Floresta Ombrófila Densa submontana onde o clima
é classificado como Cfa e Floresta Ombrófila Densa Montana no Cfb (Blum et al.,
2011).
A metodologia aplicada para descrição da compartimentação do processo de
movimento de massa na Serra da Prata foi embasada no levantamento e revisão
bibliográficos referentes à temática abordada. Para estabelecer o local de
estudo, foi realizada análise da topografia, através da carta topográfica (Folha
de Alexandra em escala 1:25000), produzida pela Diretoria do Serviço Geográfico
- DSG do Ministério do Exército. Desta maneira, foi estabelecido o embasamento
teórico à análise científica, principalmente quanto as características
geomorfológicas da área de estudo.
Posterior à este levantamento, foram realizadas pesquisas de campo
visando melhor compreensão do processo geomorfológico. A partir destas
observações, foi realizada a descrição da compartimentação dos movimentos de
massa que causaram grande impacto na região.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os processos geomorfológicos ocorridos na Serra da Prata, ao longo do vale do
rio Tingidor, foram analisados e associados à escorregamentos seguidos de
corrida de lama. Estes podem ter sido desencadeados pelo excesso de pluviosidade
do mês de março de 2011 nessa região, o qual segundo dados da estação do INMET
foi de 354,6 mm (Paranaguá, 2011).
Corridas de lama se caracterizam pela afluência de grande quantidade de material
viscoso pela vertente em um curto intervalo de tempo. Devido sua alta densidade,
possuem elevado poder destrutivo com raio de ação extenso, assemelhando-se à
energia das avalanches (Bigarella, 2007; Fernandes e Amaral, 2003).
Foi observado aumento da largura do leito do rio em decorrência do
transporte de grande volume de material detrítico de grande porte, resultante de
escorregamentos na montante. Estes materiais, como grandes blocos de rochas,
troncos, areia, silte, argila, englobando construções entre outros, fluíram
rapidamente para a linha de talvege, alterando a morfologia do fundo de vale que
originalmente era em forma de “V”.
A partir da inspeção, avaliação e identificação dos processos ocorridos,
foi possível compartimentar a área estudada em quatro setores, de montante à
jusante, sendo: 1º cicatrizes de escorregamento; 2º corte e entulhamento do
vale; 3º depósito de blocos em leque na saída do vale; e 4º depósito de detritos
de menor densidade e ou diâmetro na planície.
1º Setor - As cicatrizes foram formadas por deslizamento de blocos e
deslizamento de solo e colúvio. Em alguns pontos não houve desprendimento de
blocos, apenas solo e troncos, sem atingir todo manto de intemperismo ou expor a
rocha de embasamento.
2º Setor - O entulhamento do vale recortou e formou uma calha, propiciando a
deposição parcial de materiais em platôs em segmentos do vale (Figura 1A). A
corrida de lama era composta em seu maior volume por blocos grandes (maiores que
10m de diâmetro) e barramentos ocasionados por blocos gigantes com mais de 30m
de diâmetro. Alguns destes facetados apresentando fraturas recentes, outros mais
arredondados apresentando marcas de batidas apenas na face exposta para
montante. Isto indica não terem sido, ou muito pouco, arrastados e que
provavelmente tenham sido transportados até onde se encontram atualmente em
eventos pretéritos similares, pois a sua litologia é discordante com a da
superfície onde se encontram.
O vale apresenta estrangulamento em alguns pontos, especialmente em locais de
maior declividade ou com rochas mais resistentes. A maior parte dos materiais de
menor granulometria, como seixos, calhaus, areia, silte e argila, foram
transportados pela enxurrada e depositados na planície. Em muitos pontos se
observou a exposição do embasamento rochoso, muitas vezes com fraturas recentes,
indicando que parte deste material também foi transportada para jusante.
3º Setor- O depósito de blocos em leque (Figura 1B) ocorreu imediatamente após a
saída do vale, modificando a paisagem e a capacidade de uso do solo para
agricultura, principal atividade econômica da região.
4º Setor – Depósito de detritos de menor densidade na planície, composto por
sedimentos detríticos orgânicos (fragmentos de madeira), material arcosiano do
tamanho areia, juntamente com detritos orgânicos de grande porte (como troncos).
Estes sedimentos tiveram transporte de longa distância, sendo encontrados
próximos a BR 277.
Os dois primeiros setores podem ser considerados como área fonte, onde ocorreram
escorregamentos e corrida de lama. Em função da incisão produzida ao longo do
vale é possível que eventualmente ocorram novas corridas de lama, que devem
persistir por algum tempo, em processo natural de evolução do vale.
Figura 1
1A Blocos rochosos depositados em platô que antecede
ao estrangulamento do vale. 1B Depósito de blocos em
leque na saída do vale.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do processo de evolução das vertentes e de sua geomorfologia é um
instrumento importante para a compreensão da dinâmica da paisagem, bem como dos
possíveis impactos ambientais que podem gerar. Nesse sentido, a descrição
preliminar da compartimentação do processo de movimento de massa ocorrido na Serra
da Prata realizada no presente trabalho, permitiu o melhor entendimento deste
evento de magnitude catastrófica, bem como a potencialidade de possíveis impactos
futuros relacionados à dinâmica natural da vertente.
A compreensão da compartimentação desse evento proposta nesse trabalho pode servir
como base à adoção de algumas medidas mitigadoras pelos municípios afetados, a fim
de alertar quanto à magnitude do evento, no sentido de haver um planejamento de
uso e ocupação das áreas circunvizinhas suscetíveis a este processo.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem aos moradores do Distrito de Floresta, especialmente ao casal
Sr. Serafim e sua esposa Sra. Castorina, à produtora de olerícolas Sra. Jurema, e
ao professor Elson.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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