Anais: Geomorfologia de encostas
Análise de movimentos de massa no córrego Dantas, Nova Friburgo (RJ).
AUTORES
Raphael, L. (ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA)
RESUMO
Em 11 de janeiro de 2011, a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro foi
atingida por fortes chuvas que provocaram deslizamentos e inundações, com perdas
de vidas e de patrimônio. O presente trabalho teve como objetivo identificar os
movimentos de massa ocorridos neste evento, avaliar a sua distribuição geográfica
na sub-bacia do córrego Dantas, bem como sua conectividade com o sistema de
drenagem e correlações com fatores fisiográficos como a pluviosidade, uso do solo
e tipos de solo.
PALAVRAS CHAVES
Movimentos de Massa; Nova Friburgo; Sistema encosta-canal
ABSTRACT
On January 11, 2011, the Mountain Region of Rio de Janeiro State was hit by heavy
rain causing landslides and floodouts, causing lives and properties losses. This
study aimed to identify the mass movements that occurred in this event, evaluate
its geographic distribution in sub-catchment of Dantas stream, as well as its
connectivity to the drainage system and correlations with physiographic factors
such as rainfall, land use and types of soil.
KEYWORDS
Landslide; Nova Friburgo; Slope-channel system
INTRODUÇÃO
Em 11 de janeiro de 2011, a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro foi
atingida por fortes chuvas que provocaram deslizamentos e inundações, com perdas
de vidas e de patrimônio, principalmente nos municípios de Nova Friburgo,
Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e
Areal. A dimensão deste evento fez com que as autoridades e a população se
mobilizassem para prestar emergencialmente todo o tipo de apoio possível às
populações atingidas. Para os citados municípios foi decretado estado de
calamidade pública, dando início a um conjunto de ações que incluem elaboração
de diagnósticos e estudos de propostas para intervenções de recuperação
ambiental das bacias mais impactadas.
No município de Nova Friburgo, as calhas fluviais de rios como o Bengala, além
de seu principal afluente, o córrego d’Antas, foram radicalmente alteradas em
função do grande volume de materiais oriundos das encostas que incidiram
diretamente sobre o seu leito.
A percepção da natureza deste problema pela geomorfologia tem resultado nas
últimas décadas em um volume substancial de literatura sobre a temática dos
processos erosivos nas encostas e da conectividade no sistema encosta-rio e rio-
planície (Guerra, 1998; Brierley et al, 2006). Dentre as diversas abordagens que
envolvem o conceito de conectividade entre compartimentos geomorfológicos, a
análise do grau de confinamento dos vales é utilizada na pesquisa geomorfológica
para fins de caracterização da possibilidade dos sedimentos produzidos nas
vertentes alcançarem o canal coletor e serem incorporados no sistema (Chorley &
Kennedy, 1971; Christofoletti, 1979; Fryirs et al, 2007).
O presente trabalho tem como objetivo identificar os movimentos de massa
ocorridos durante as chuvas de janeiro de 2011, avaliar a sua distribuição
geográfica na sub-bacia do córrego Dantas, sua conectividade com o sistema de
drenagem e correlações com fatores fisiográficos como a pluviosidade, uso do
solo e tipos de solo.
MATERIAL E MÉTODOS
A primeira etapa do trabalho consistiu na pesquisa e aquisição dos seguintes
materiais cartográficos para a sub-bacia do córrego Dantas:
⇒ Mapa de uso do solo em escala 1:100.000 com base no levantamento do
projeto Zoneamento Ecológico Econômico do Rio de Janeiro (INEA 2011).
⇒ Mapa de solos em escala 1:250.000 com base no levantamento do Projeto
Rio de Janeiro do CPRM (Carvalho Filho, 2001),
⇒ Mapa de precipitação em 24h na sub-bacia do córrego Dantas através da
interpolação dos dados do dia 11 de Janeiro de 2011 das estações de
monitoramento da ANA (Agência Nacional de Águas)
Na segunda etapa foi realizado o mapeamento sistemático de feições erosivas e
classificação quanto a movimentos de massa, conectados e desconectados, em
escala aproximada 1:1.000, utilizando as imagens de satélite e recursos de
edição do software GoogleEarth™.
A terceira etapa consistiu em trabalho de campo para validação e checagem do
mapeamento realizado, sendo percorridos os eixos que apresentaram maiores
ocorrências de processos erosivos.
Na quarta etapa foi realizado através do software ArcGis, o cruzamento dos
pontos mapeados com os tipos de solos e compartimentos geomorológicos para
análises da sua correlação e controles sobre os processos erosivos, além do
cálculo das áreas das cicatrizes de erosão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A sub-bacia do córrego Dantas possui aproximadamente 53km² e encontra-se
inserida no contexto morfoclimático da Serra do Mar, apresentando relevos
escarpados e índices pluviométricos elevados, durante o verão (Figura 1A). A
combinação desses fatores associadas a áreas onde ocorrem solos susceptíveis a
deslizamentos, tornam a bacia do córrego Dantas uma região sensível e propensa à
ocorrência de movimentos de massa.
As chuvas de janeiro de 2011 causaram deslizamentos de terra que mobilizaram um
grande volume de sedimentos diretamente para o leito do córrego Dantas, causando
ajustes drásticos na sua morfologia. Através das imagens de satélite do software
Google Earth, datadas de 19/01/2011, foram mapeadas 197 cicatrizes de erosão
provocadas por movimentos de massa, das quais 86 estavam conectadas à rede de
drenagem e 111 desconectadas (Figura 1B). Entretanto, como mostra a Figura 1B,
apesar de menos numerosos, os movimentos de massa conectados atingiram uma área
4 vezes maior do que os desconectados (2.027.880m² e 537.222m²,
respectivamente).
Desse modo, pôde-se perceber que os processos de movimento de massa conectados
tendem a apresentar maior magnitude, tendo sido registrados 3 cicatrizes de
erosão com área acima de 100.000m² e 40 registros acima de 1.000 m², ao passo
que os desconectados não apresentaram eventos acima de 100.000m² e foram
ralizados apenas 14 registros acima de 1.000m² (Figura 1D). Ressalta-se ainda
que a maior cicatriz de movimento de massa conectado corresponde à uma área
quase 10 vezes maior do que a maior cicatriz desconectada da drenagem (329.084m²
e 33.976m², respectivamente).
Como mostra a Figura 1 C, os deslizamentos tiveram maior recorrência na região
central da bacia, onde os vales apresentam maior grau de confinamento,
propiciando a incidência direta dos sedimentos na calha do rio principal, ou
tributários, formando fluxos de detritos. A natureza destes processos está
associada às características dos compartimentos geomorfológicos, que variam de
acordo com características do relevo e da posição do canal no fundo do seu vale
e fatores fisiográficos como cobertura vegetal, característica das chuvas e tipo
de solo.
A Figura 2A, mostra que 55% dos movimentos de massa ocorreram em áreas com
cobertura de florestas, ao passo que 25% incidiram em áreas de pastagens,
reforçando que os movimentos de massa estão associados ao processo de saturação
do solo, não tendo nestes casos, relação direta destes processos com o
desmatamento ou substituição de áreas de florestas por pastagens.
As chuvas registradas para o período de 24h no dia 11/01/2012 na sub-bacia do
córrego Dantas apresentaram valores entre 180mm e 220mm. De acordo com o Plano
de Águas Pluviais de Nova Friburgo (FCTH, 2007), no posto pluviométrico Piller o
período de retorno para chuvas de 180, 212 e 240mm é de 18, 27 e 55 anos
respectivamente. Do mapeamento destas chuvas, pode-se avaliar que apesar de 8%
dos movimentos de massa terem ocorrido na zona que corresponde à precipitação de
220mm, as três maiores cicatrizes foram registradas nesta zona ou dentro da
faixa de 2 km de distância do seu entorno (Figura 2B).
Outro aspecto fisiográfico que mostrou associação com a incidência dos
movimentos de massa foi o tipo de solo. A Figura 2C mostra que 64% dos eventos
mapeados ocorreram em áreas mapeadas como Latosolo Vermelho-Amarelo álico.
O evento estudado causou a liberação de um volume de sedimentos para o sistema
que esgotou a capacidade de transporte fluvial, impactando diretamente os leitos
e causando ajustes severos na morfologia de suas calhas. Os movimentos de massa
conectados à drenagem causaram o represamento do canal levando ao acúmulo de
energia até o rompimento do material represador e liberação de grande massa
d’água com alta viscosidade e capacidade de transporte de blocos de rocha e
estruturas civis. Este processo induziu novos deslizamentos conectados, através
do solapamento da base das encostas pela enxurrada e colapso das vertentes.
Figura 1
(A)Mapa de Localização (B)Características dos
deslizamentos (C)Distribuição geográfica dos
deslizamentos (D)N° de ocorrências x área das
cicatrizes.
Figura 2
Análise dos deslizamentos pela correlação com os
seguintes aspectos fisiográficos: a)cobertura
vegetal b)precipitação em 24h c)tipos de solos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do primeiro ano após os deslizamentos no córrego Dantas, diversas obras
de dragagem no leito e estabilização das margens foram continuamente realizadas
pelo poder público, sem mostrar eficiência no estabelecimento de um novo estado de
equilíbrio ao canal.
Apesar das dragagens representarem uma importante medida de caráter emergencial,
que visa a reabertura de um caminho preferencial para o escoamento da água, tal
procedimento deve ser realizado em conjunto com medidas que controlem o aporte de
sedimentos na calha para acelerar a reabilitação do canal para um estado mais
próximo do seu equilíbrio original (Brookes & Shields, 1996).
A presente pesquisa demonstrou a relação existente entre os eventos de movimentos
de massa com elementos fisiográficos, de modo que a intensidade das chuvas, os
tipos de solo, a morfologia das vertentes, bem como os tipos de leitos fluviais
devem ser analisados com maior detalhamento no planejamento das estratégias de
reabilitação do sistema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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