Anais: Geomorfologia de encostas

Suscetibilidade e Risco a escorregamentos rasos na Bacia do Rio Aricanduva (SP)

AUTORES
Listo, F.L.R. (FFLCH-USP) ; Vieira, B.C. (FFLCH-USP)

RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar o grau de risco e a suscetibilidade a escorregamentos na bacia do rio Limoeiro (cabeceira do Rio Aricanduva). No mapeamento de risco foi elaborada uma ficha de cadastro usada em campo. Na análise da suscetibilidade foi utilizado o modelo SHALSTAB. Os resultados mostraram 16 setores de risco (a maioria coincidindo com as áreas instáveis previstas pelo modelo). Concluiu-se que houve concordância na localização das áreas instáveis com as áreas de risco mapeadas.

PALAVRAS CHAVES
Análise de risco; suscetibilidade; SHALSTAB

ABSTRACT
The objective of this article is to analyze the probability of risk and susceptibility to landslides in the Limoeiro basin (head of the Aricanduva basin). To map risk areas, we created a cadastral survey used in the field. To analyze susceptibility, we used the SHALSTAB model. We mapped 16 risk sectors containing 1872 at-risk homes, coinciding with the most unstable areas predicted by the model. We found that the locations of areas predicted to be unstable coincided with the risk areas mapped.

KEYWORDS
Risk analysis; Susceptibility; SHALSTAB model

INTRODUÇÃO
A bacia do Rio Aricanduva (SP) possui 22 afluentes ao longo de sua extensão, apresentando muitas moradias precárias instaladas em encostas declivosas ou muito próximas aos canais de drenagem, principalmente nas áreas a montante da bacia. Em função de cortes e de aterros mal executados, de desmatamentos e de outras pressões antropogênicas, estes contribuem para a produção de sedimentos, que não são retidos na planície aluvionar em função da ausência de mata ciliar, e, portanto, são transportados para jusante, agravando a ocorrência de assoreamentos e de inundações. Em outras palavras, o entulhamento e o assoreamento dos canais de drenagem, causados pelo aporte de sedimentos provenientes de erosão e de escorregamentos e pelo lançamento e acúmulo de lixo obstruem e reduzem a passagem de água, diminuindo a sua capacidade de vazão (Gonçalves & Barros, 2003; Canholi, 2005; IPT, 2005). Como área de estudo deste artigo foi selecionada a bacia do rio Limoeiro, um dos afluentes da cabeceira da bacia do rio Aricanduva, localizada na periferia da cidade de São Paulo, em função da frequentei ocorrência de escorregamentos que ocorrem em assentamentos precários em relevos dissecados e causam diversas perdas socioeconômicas. Em janeiro de 2010, a bacia do rio Limoeiro foi atingida por chuvas intensas (103 mm em 24 horas) que deflagraram escorregamentos rasos provocando seis vítimas fatais e diversos prejuízos econômicos, como a destruição e a interdição de assentamentos precários, obrigando cerca de 300 moradores da região a saírem de suas residências. Além disso, o funcionamento do transporte público foi comprometido, principalmente a circulação de trens e de automóveis, a distribuição de luz e de água foi interrompida e diversos pontos da bacia ficaram alagados. Dessa forma, o objetivo geral deste artigo é analisar o grau de risco e a suscetibilidade a escorregamentos rasos na bacia do rio Limoeiro.

MATERIAL E MÉTODOS
Para analisar o risco e a suscetibilidade a escorregamentos foram utilizados dois métodos, um direto aplicado em campo, e um indireto, no qual a suscetibilidade foi verificada por meio da aplicação de um modelo matemático. Na análise direta, o mapeamento de risco foi realizado com base em uma ficha de cadastro contendo um check list com os parâmetros deflagradores dos escorregamentos. Este mapeamento foi proposto pelo grupo de trabalho Working Party on World Landslide Inventory (WP/WLI) ligado a ONU, que propôs um formulário de cadastro que pode ser verificado em diferentes relatórios (ex. WP/WLI, 1990). Este formulário de cadastro foi adaptado por pesquisadores brasileiros para o mapeamento de risco em muitas áreas urbanas (Alheiros & Augusto Filho, 1997; Cerri & Amaral, 1998; Macedo et al.,2004; MINISTÉRIO DAS CIDADES & IPT (2004). Na análise indireta, foi selecionado o modelo matemático SHALSTAB (SHAllow Landsliding STABility) que possibilita definir as zonas suscetíveis à ocorrência de escorregamentos rasos (Montgomery & Dietrich, 1994). Na análise das zonas estáveis e instáveis foi produzido um histograma de distribuição do número de células de cada classe de suscetibilidade, denominada como Frequência de Distribuição (FD), que equivale à relação entre o número de células em cada classe de suscetibilidade e o total de células da bacia. Foram feitas duas análises correlativas utilizando-se o mapa de risco e o de suscetibilidade, nas quais foi identificado o número de células, de cada classe de suscetibilidade, que coincidiu com as áreas de risco, gerando-se dois novos índices: Concentração de Risco (CR) e Potencial de Risco (PR). O primeiro é a razão entre o número de células de cada classe de suscetibilidade afetada pelas áreas de risco e o total de células da bacia e o segundo é a razão entre o número de células de cada classe de suscetibilidade afetada pelas áreas de risco e o total de células dessa mesma classe de suscetibilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 Mapa de áreas de risco a escorregamentos No mapeamento das áreas de risco, foram identificados 16 setores que ocupam 18% (1599.703 m²) da área total da bacia (9000.000 m²) e contêm 1872 moradias em risco. Dos 16 setores de risco mapeados, 5 foram classificados com grau de risco R1 (350 moradias), 2 com grau de risco R2 (805 moradias), 2 com grau de risco R3 (100 moradias) e 6 com grau de risco R4 (617 moradias) com áreas que variam entre 20.825 m² (menor setor) a 289.218 m² (maior setor) (Fig. 1), indicando que, embora o maior número de moradias esteja em setores R2, a maioria dos setores possui grau de risco muito alto. Os setores mapeados com grau de risco R4 estavam assentados em terrenos instáveis, constituídos por solos residuais e coluvionares provenientes de rochas pré-cambrianas metamórficas (micaxistos), bem como por depósitos de materiais mais recentes, resultantes do acúmulo de materiais transportados por processos erosivos e por diversos tipos de detritos antropogênicos (ex. lixo e entulho). Devido à alta fragilidade do substrato rochoso, alguns escorregamentos foram identificados por meio de cicatrizes e, em alguns casos, pelo material mobilizado que atingiu as moradias. Quanto ao relevo, há um predomínio de encostas côncavas com altas declividades e encostas retilíneas abruptas. Em ambas destaca-se a presença do cultivo de bananeiras, que consiste em um tipo de vegetação herbácea com raízes curtas que acumulam água, contribuindo para ocorrência de escorregamentos. 6.2 Mapa de suscetibilidade gerado pelo SHALSTAB e Análise conjunta Cerca de 20% da bacia foi classificada como Incondicionalmente Instável, 41% como Estável e as classes de suscetibilidade entre as categorias extremas (log Q/T <-3.1 a log Q/T >-2.2) variaram entre 7% a 11% (Fig. 2). As classes mais estáveis localizaram-se principalmente nos fundos de vale da bacia, em regiões de baixas declividades e menores elevações, enquanto as classes mais instáveis localizam-se, por sua vez, nos relevos mais acidentados, onde a probabilidade de ruptura é maior, observando-se, portanto, um forte controle topográfico na distribuição das classes de suscetibilidade do modelo. Esse cenário revelou que as classes de maior instabilidade corresponderam, em maior proporção, aos terrenos localizados nas áreas da cabeceira da bacia, onde há maior infiltração de água e maior probabilidade de escorregamentos. Ao contrário das áreas estáveis localizadas, principalmente, em baixos ângulos da encosta próximos ao canal principal de drenagem, onde são mais comuns os solapamentos de margem, os assoreamentos e as inundações. Verificou-se também uma relação direta entre os valores mais elevados de área de contribuição e a localização de áreas instáveis com maior probabilidade de escorregamentos, em função da maior saturação dos solos e do desenvolvimento poro-pressão positiva, aumentando a instabilidade destas encostas. Embora o modelo desconsidere os fatores antrópicos, considerando, portanto, características exclusivamente naturais na previsão de escorregamentos, na combinação entre os mapas de áreas de risco e o de suscetibilidade, cerca de 40% das áreas de risco coincidiram com a classe Incondicionalmente Instável, e apenas 1.2% com a classe Estável. A acurácia do mapa de suscetibilidade, mostrando sua potencialidade na previsão de escorregamentos rasos, mesmo em áreas ocupadas, foi confirmada pelo índice de PR, que apresentou valores elevados para a classe Incondicionalmente Instável, sofrendo uma redução em direção às classes mais estáveis, com valores inferiores a 1% na classe Estável. Ainda nesse sentido, não houve nenhum setor de risco que estivesse completamente inserido (100%) na classe Estável, embora esta apresentasse à maior FD, indicando um alto percentual de acerto.

Figura 1

Fig. 1: Mapa de áreas de risco a escorregamentos da bacia do rio Limoeiro sob o Modelo Digital de Elevação do Terreno.

Figura 2

Fig. 2: Mapa de Suscetibilidade simulado pelo modelo SHALSTAB na bacia do rio Limoeiro (C’=0 kPa; Ф=35º; z=2 m; ρs=1700 Kg/m³).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os métodos utilizados permitiram o uso de análises diretas e indiretas, baseadas no entendimento dos agentes deflagradores de escorregamentos em áreas urbanas. Desta forma, acredita-se que a combinação dos dois métodos, pôde estabelecer as condições para a ocorrência de escorregamentos. Por meio das análises correlativas Concentração de Risco (CR) e Potencial de Risco (PR), verificou-se que o uso do modelo SHALSTAB forneceu subsídios para a compreensão da distribuição das áreas de risco a escorregamentos, uma vez que, o mapa de suscetibilidade apresentou concordância com as áreas de risco mapeadas. Embora a previsão de escorregamentos seja complexa, acredita-se que o conhecimento da instabilidade do terreno por meio do SHALSTAB, bem como a indicação de um grau de risco, possui interesse científico para a sociedade, pois na medida em que se apontam os locais mais instáveis, aumenta-se o tempo de evacuação de pessoas ou a definição de locais proibidos para a ocupação.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a FAPESP pelo financiamento desta pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ALHEIROS, M.M. & AUGUSTO FILHO, O. (1997). Landslides and coastal erosion hazards in Brazil. International Geology Review (398). p. 756-763.
CANHOLI, A. P. (2005). Drenagem urbana e controle de enchentes. São Paulo: Oficina de Textos. p. 257-271.
CERRI, L. E. S. & AMARAL, C. P. (1998). Riscos Geológicos. In: OLIVEIRA, A. M. dos S. & BRITO, S. N. A. de. (org). Geologia de Engenharia. São Paulo: ABGE-CNPq- FAPESP. p. 301-310.
GONÇALVES, F. M. & BARROS, M. T. L. Meteorological radar and flood forecasting. In: XXXI Conference on Radar Meteorology. Annals of XXXI Conference on Radar Meteorology. Seattle. United States of America. p. 1-5. 2003.
INTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (IPT, 2005). Produção de sedimentos e ocorrências de inundações na bacia do Rio Aricanduva, município de São Paulo. In: XI Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental, Florianópolis. Anais do XII Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental. p. 1-11.
MACEDO, E. S.; OGURA, A. T.; CANIL, K.; ALMEIDA FILHO, G. S.; GRAMANI, M. F.; SILVA, F. C.; CORSI, A. C.; MIRANDOLA, F. A. (2004). Modelos de fichas descritivas para áreas de risco de escorregamento, inundação e erosão. In: Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais, 1., Florianópolis: GEDN/UFSC, p. 892-907. (CD-ROM).
MINISTÉRIO DAS CIDADES & INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (2004). Manual de treinamento de técnicos municipais para o mapeamento e gerenciamento de áreas urbanas com risco de escorregamentos, enchentes e inundações. CPRM\SGB: Rio de Janeiro, 90 p.
MONTGOMERY, D.R. & DIETRICH, W.E. (1994). A physically-based model for the topographic control on shallow landsliding. Water Resources Research (30). p. 1153-1171.
WP/WLI (WORKING PARTY ON WORLD LANDSLIDE INVENTORY, 1990). A suggested method for reporting a landslide. Bulletin of the International Association of Engineering Geology (41), pp. 5-12.