Anais: Geomorfologia de encostas
DIAGNÓSTICO MULTI-FACTORIAL DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO POR ESCORRÊNCIA SUPERFICIAL: o exemplo da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, Ituiutaba-MG
AUTORES
Allan-silva, G. (UFU) ; Martins, F.P. (IG-UFU) ; Pedrosa, A.S. (FLUP - CEGOT)
RESUMO
Entende-se a escorrência superficial como um dos processos de erosão e transporte
de sedimentos mais ativos nas vertentes. Desenvolveu-se um modelo baseado na
análise multifatorial dos elementos naturais considerados mais importantes para a
explicação deste processo, cuja correlação permitiu definir a susceptibilidade do
território à erosão. Demonstra-se a importância dos SIG´s na definição de modelos
que ajudem a compreender a dinâmica geomorfológica, contribuindo para a gestão de
riscos.
PALAVRAS CHAVES
Escorrência superficial; análise multi-factorial; susceptibilidade à erosão
ABSTRACT
The runoff is one of the most dynamic active processes of erosion and sediment
transport on the slopes. We developed a model based on multifactorial analysis of
the natural elements considered most important in explaining this process, whose
correlation allowed to define the territory susceptibility to erosion caused by
runoff. We tried to demonstrate the importance of GIS in the definition of models
to help understand the geomorphological dynamics, contributing to risk management.
KEYWORDS
Runoff; multi-factorial analysis; susceptibility to erosion
INTRODUÇÃO
Dentre os processos morfogenéticos, a escorrência superficial é um dos mais
importantes para a esculturação do relevo. É o fluxo de água que se movimenta
pela superfície do alto para a base das vertentes apresentando várias fases
hierarquizadas de desenvolvimento (CLAUZON et al., 1971). Sua ocorrência depende
da continuidade e da intensidade do episódio chuvoso e da velocidade de
infiltração (NEBOIT, 1991). Porém, não se pode ignorar a influência das
condições morfológicas, geológicas, climáticas, edáficas e, do uso dos mesmos
(WHITE, 1986; VOGT, 1989). A escorrência superficial dá-se de duas formas:
difuso e concentrado. O primeiro caracteriza-se pelo escorrimento de água de
forma não hierarquizada, alterando seu local de descida constantemente sem
formar canais. O segundo, ao contrario, a água concentra-se em canais, forma
pequenos sulcos ou ravinas e tem maior poder erosivo (PEDROSA, et al, 2001). O
estudo dos processos morfogenéticos atuais podem contribuir para o conhecimento
dos riscos naturais. Estes são entendidos como a vulnerabilidade de um espaço,
e, como tal, de uma população, a determinadas catástrofes (MARTIN, 1987; REBELO,
1991; TOBIN et al., 1997). Consideram-se, por um lado, à compreensão do fenômeno
em si e suas consequências e, por outro, à prevenção, hierarquização e
cartografia da vulnerabilidade das paisagens. Com base no conceito de riscos
naturais, elaborar-se-á um modelo digital que apresente as áreas susceptíveis
aos processos erosivos em superfície, sobretudo, áreas com maior tendência à
perda de solos. A área de estudo é a bacia hidrográfica do Ribeirão São
Lourenço, no município de Ituiutaba (MG). No local há relevos residuais de
altimetria acentuada e bordas escarpadas. Estas formações, denominadas de Serra
do Saltador, Serra de São Lourenço e Serra da Caieira são os interflúvios da
bacia, delimitando-a, sobretudo ao Sul. Esta morfologia caracterizada por
anfiteatros abrigam as principais nascentes do ribeirão (ALLAN-SILVA, 2011).
MATERIAL E MÉTODOS
Para a elaboração de um modelo que mais se aproxime da realidade, selecionaram-
se os fatores permanentes que consideramos como os mais importantes para
estabelecer a correlação de forma a procurar definir a susceptibilidade do
território à erosão laminar dos solos. Os elementos utilizados na matriz de
correlação foram: o uso e ocupação da terra, tipos de solos, declividade,
geologia e tipos de vertentes. Para o desenvolvimento do modelo utilizou-se
técnicas de sensoriamento remoto, fotointerpretação de imagens de satélite e
geoprocessamento. Esta última consistiu basicamente na vetorização, interpolação
de dados georreferenciados, reclassificação e sobreposição de layers. A
reclassificação ocorre para utilizar uma escala comum a todos os elementos que
compõem os mapas-base. O SIG usado para realizar as operações computacionais foi
o ArcMap 9.2. O recurso do software que possibilita a sobreposição de layers é
denominado (weighted overlay). Ele possibilita atribuir valores percentuais a
cada variável considerada na matriz (mapa-base). Esta potencialidade é de grande
valia, já que cada elemento possui distintos graus de importância para cada
área, e é variável de acordo com o foco do estudo e a área de pesquisa.
Observando a dinâmica do ambiente e as diferenciações de cada lugar, os
distintos valores chegam a uma ponderação final com fins a se obter um modelo
mais verossímil com a realidade. A aplicação da ferramenta resulta num mapa-
síntese, que apresenta diferentes graduações. Para este tipo de estudo, gerou-se
um mapa em cinco escalas de graduação, sendo que, para menor valor, menos
susceptível e para maior valor, muito susceptível a ocorrência de escoamento
superficial.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para o modelo de susceptibilidade os fatores permanentes mais importantes são:
uso e ocupação da terra (25%), tipos de solos (25%), declividade (25%), geologia
(5%) e tipos de vertentes (20%) (Fig.1). O uso e ocupação da terra são
considerados importantes para a elaboração do mapa de susceptibilidade, onde é
percebido maior influência do homem. A área insere-se no Bioma Cerrado
distinguindo os subgrupos mata ciliar, mata de galeria, cerradão, cerrado
stricto senso, veredas, campo sujo, totalizando seis diferentes subgrupos
(ALLAN-SILVA, 2011). Porém, estas vegetações têm sido destruídas e substituídas
por atividades agrícolas. As áreas úmidas e veredas ocupam quase 12%; as
florestas estacionais e cerradão ocupam mais de 28% da área; mata cerrado tem
quase 13%; as áreas de pastagem demandam quase 12%; e as áreas de agricultura
detêm mais de 100 km² de toda área da bacia, que equivale a 35% (tabela 1). Em
relação aos tipos de solos constatou-se o predomínio de dois tipos de solos os
Gleissolos e os Latossolos. Os demais (Cambissolos, Arenossolos e hidromórficos)
possuem pouca expressão, são claramente relacionados com características
litológico-topográficas muito especificas. Segundo CONCIANI (2008) “os solos de
comportamento granular, com partículas de ordem de siltes e areias finas e com
pouca quantidade de argila são os mais erodíveis”. Pela peculiaridade da área e
características litológicas, consideramos os Arenossolos e Cambissolos como os
de maior potencial de erodibilidade e os Solos Hidromórficos e Gleissolos os
menos suscetíveis á erosão laminar. A geologia e a morfologia são grandes
contribuintes para os tipos de solos no local. Os Arenossolos são resultantes da
meteorização e decomposição dos arenitos presentes nos relevos residuais
(Formação Marília – Grupo Bauru). Os Latossolos originam-se da decomposição do
basalto (Formação Serra Geral) que é o assoalho local. Os Cambissolos estão mais
próximos às encostas íngremes dos relevos residuais, e, os Gleissolos e
hidromórficos são característicos das planícies aluviais. Pela pouca diversidade
litológica atribuiu-se baixo valor/peso no modelo. Os declives são
condicionantes importantes na análise da susceptibilidade do território á erosão
laminar. Usamos a classificação de EMBRAPA (1979) por ser mais aplicada no
Brasil. Há uma relação direta entre os declives mais acentuados e sua
contribuição para a erodibilidade. Os tipos de vertentes foram obtidos através
da análise das curvaturas em perfil (vertical) a partir de um Modelo Digital de
Terreno. As categorias do mapa de curvatura foram: muito convexo, convexo,
plano, côncavo e muito côncavo. As áreas de “muito alta susceptibilidade” ocupam
0,31% da bacia. Estão nas bordas escarpadas dos relevos residuais. Tal fato está
relacionado com os tipos de solos -Arenossolos- e ao elevado declive. Exceções
são observadas na calha do ribeirão, sob Latossolos e Cambissolos, com marcante
ruptura de declive. As áreas com índice de susceptibilidade “alto” tendem a se
concentrar nas bordas dos relevos residuais, de fortes declives, mas também se
distribuem por outras áreas com características distintas. Sua área equivale a
55,77 km², 19% de toda a bacia. O fator determinante da sua distribuição
relaciona-se com os tipos de solos – Cambissolos - e, principalmente, com a sua
utilização - agricultura e pastagem. O índice de “susceptibilidade médio” possui
uma forte representatividade na bacia hidrográfica, já que corresponde a cerca
de 160 km², ou seja, a 55,1% da área. Coincidem com solos do tipo Latossolos e
Arenossolos cuja utilização é fundamentalmente a pastagem e com declives que se
situam no intervalo de 2 a 10%. As áreas classificadas de “baixa
susceptibilidade” ou “muito baixa suscetibilidade” representam respectivamente
23,4% e 2,13% da área da bacia. Coincidem com as bases das vertentes e planícies
aluviais de baixo declive composto pelos Gleissolos e os solos hidromórficos.
mapa de susceptibilidade
Figura 1- Mapa de susceptibilidade a erosão de solos
da bacia hidrográfica do Ribeirão São Lourenço
tabela uso e ocupação
Tabela 1- uso e ocupação da bacia hidrográfica do
Ribeirão São Lourenço
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trata-se de um estudo importante, uma vez que avalia as características físicas de
uma paisagem com o escopo de analisar e compreender os processos geomorfológicos
decorrentes na área. O mapeamento fornece informações a cerca das áreas com maior
possibilidade de ocorrência de perda de solos por escorrência superficial, fato
que impacta diretamente na vida de populações. Verifica-se, assim que o tipo de
solos, associado ao seu manejo, relacionado a declividade elevada, contribuem para
altos índices de susceptibilidade. O uso dos SIG’s no gerenciamento de áreas tem
sido de grande importância uma vez que possibilita unir vários aspectos e gerar um
mapa pela sobreposição de características. Mais importante do que simplesmente
gerar os mapas informativos, torna-se necessário a constante atualização das bases
cartográficas e agregação de novas informações. Desta forma, tem-se um sistema de
gerenciamento de áreas mais capaz e fidedigno com a realidade, embora se tratando
de um modelo.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico) pela concessão da bolsa de estudo em nível de mestrado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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