Autores

Pinto, C.H.M. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Silva, L.H.A. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Souza, S.M.V. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Santos, S.V.O. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Fernandes, R.O. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Marques Filho, J.P. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Diniz, T.B. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Costa, V.C. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO)

Resumo

A sociedade ao apropriar-se do espaço desenvolve diversas atividades com o meio, sendo essas de potencial risco de degradação. Com o aumento de adeptos de atividades ao ar livre em meio à natureza, há uma necessidade da geração de novas demandas de planejamento e conservação desses espaços. Este trabalho tem por objetivo analisar a influência das condicionantes geomorfológicas do circuito de trilhas do Abraão, localizada no distrito de Ilha Grande, Angra dos Reis – RJ. Para isso foram empregadas ferramentas de geoprocessamento sobre a Base Contínua Vetorial do Estado do Rio de Janeiro na escala de 1:25.000, disponibilizadas pelo IBGE. A partir dessas análises foi possível identificar as condicionantes geomorfológicas que influem sobre as trilhas e suas implicações sobre o uso público.

Palavras chaves

Geomorfologia; Trilhas; Ilha Grande

Introdução

Dentre tantas relações existentes entre homem e ambiente, as atividades de trekking tem ganhado cada dia mais adeptos em busca de contato com ambientes naturais. Essas atividades geram novas demandas de planejamento e conservação. Nesse sentido, a geomorfologia contribui de maneira substancial para o processo de planejamento, já que muitas vezes é condicionante dessas atividades, e também acaba por sofrer alterações advindas dessas práticas, exercendo papel restritivo em alguns casos. As condicionantes geomorfológicas são fatores fundamentais para a relação do homem com o espaço. A forma do terreno e os processos que desencadeiam essas transformações são desafios para a sociedade. Para Casseti (2005), por resultar da combinação de diferentes componentes da natureza, o relevo é um importante recurso para a delimitação das paisagens, ao mesmo tempo em que quase sempre condiciona a forma de uso e ocupação do solo. O homem, como ser social, interfere criando novas situações ao reordenar os espaços físicos com a implantação de inúmeras intervenções no meio, modificando-o e alterando o equilíbrio de uma natureza não estática (ROSS, 2014). Dentro deste cenário de uso racional do espaço, estão inseridas as trilhas que recebem visitantes e que necessitam de planejamento de acordo com suas especificidades. Classifica-las quanto a riscos, condições, potencialidades, entre outros é fundamental para as atividades desenvolvidas nesses espaços e também para a sua proteção. É necessária ainda uma classificação do grau de dificuldade dessas trilhas, visto o interesse turístico nesses espaços. Não há consenso sobre classificação de trilhas, segundo Silva (2016). No entanto, a referida autora sinaliza que as classificações levam em consideração o esforço físico e severidade do meio. Ainda de acordo com Silva (2016) “entre os critérios de esforço físico, destacam-se o nível de declividade das trilhas, distância e duração do percurso, energia despendida para a atividade física (...). Entre os critérios de severidade do meio, destacam-se condições do terreno, clima, exposição ao risco, orientação, entre outros”. Com o objetivo de facilitar as análises da geomorfologia, do ambiente, da sociedade e suas relações mútuas, o geoprocessamento surge como um conjunto de tecnologias de coleta, tratamento, manipulação e apresentação de informações espaciais voltado para um objetivo específico. A principal ferramenta computacional para esse conjunto são os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) (RODRIGUES, 1993). Nessa perspectiva, a Geomorfologia tem se beneficiado cada vez mais com as técnicas de Geoprocessamento que favoreceram as diversas áreas dessa ciência, como por exemplo, a morfometria. Segundo Florenzano (2008), morfometria se refere aos aspectos quantitativos do relevo, como as variáveis relacionadas a medidas de altura, comprimento, inclinação (declividade), entre outras. Essa capacidade de análise rápida e precisa da geomorfologia, proporcionada pelas técnicas de geoprocessamento, são fundamentais para o planejamento e organização espacial. O recorte espacial do presente estudo está situado ao sul do estado do Rio de Janeiro, na Ilha Grande, distrito do município de Angra dos Reis. Como forma de preservar a Ilha e seus serviços ambientais foram criadas quatro unidades de conservação ao longo dos anos, entre elas o Parque Estadual da Ilha Grande – PEIG. De acordo com o Plano de Manejo, INEA (2011), o PEIG ocupa em torno de 60% da Ilha e possui algumas das trilhas mais visitadas, como o Circuito de Abraão que contempla as trilhas da Praia Preta, Ruínas do Lazareto, Praia do Galego, Ruínas do Aqueduto e Trilha da Feiticeira. Dessa forma, o presente trabalho objetiva discutir como a geomorfologia pode tornar-se uma condicionante das atividades desenvolvidas em trilhas. Especificamente analisar as características geomorfológicas de trilhas e como essas podem servir de subsídios ao planejamento e conservação desses espaços.

Material e métodos

Com objetivo de analisar as condicionantes geomorfológicas da área de estudo foram utilizadas ferramentas de geoprocessamento para identificar feições que possam influenciar sobre o traçado da trilha e consequentemente ao tipo de público. Os materiais listados a seguir foram utilizados no presente trabalho: ArcGis Desktop versão 10.4; dados da Base Contínua Vetorial do Estado do Rio de Janeiro na escala de 1:25.000, disponibilizadas pelo IBGE contendo curvas de nível e hidrografia, as quais foram corrigidas topologicamente, possibilitando a elaboração das condicionantes geomorfológicas de declividade e drenagem. O Software Wikiloc foi utilizado para realizar o mapeamento e coleta de pontos no percurso da trilha e fotografias das atividades desenvolvidas. Os métodos para geração das condicionantes geomorfológicas do presente estudo foram baseados nas técnicas de Meirelles (2015) e Valeriano (2008), que desenvolveram essas análises a partir de ferramentas de geoprocessamento. De acordo com Costa et al. (2006) apud Silva (2016), para o estudo de trilhas é necessário considerar suas características físico ambientais, como: declividade, erodibilidade do solo, áreas de drenagem, erosões e características físicas dos visitantes. Segundo Valeriano (2008), a declividade é uma importante variável para o estudo de áreas em praticamente todos os procedimentos de planejamento territorial. Sendo assim, através das ferramentas 3D Analyst Tools foi gerada a condicionante de declividade. A partir da ferramenta Create TIN (Triangular Irregular Network) e dos dados vetoriais das curvas de nível da área de estudo, foi gerado uma imagem TIN, que é um modelo digital com uma malha irregular de triângulos, não sendo possível calcular a declividade automaticamente. Dessa forma, a imagem TIN é convertida para o formato raster, que possui pixels regulares (matriz regular de pixel), sendo possível calcular a declividade do terreno. Com a ferramenta Slope, a imagem raster é processada e então gerado o arquivo contendo as classes de declividade da área de estudo. Para o levantamento das trilhas foi utilizado o software Wikiloc, que ao ser utilizado a partir de um smartphone utiliza o sinal de GPS (Global Position System) do aparelho para mapear o percurso, durante a atividade de campo, e registrar pontos de interesse, permitindo ainda, fotografar o local. Os arquivos são salvos em formato GPX e convertidos, através da ferramenta Conversion Tools, em formato Features, possibilitando manipular o dado em formato vetorial. Com a imagem TIN da área de estudo atrelada ao dado vetorial do percurso da trilha no ArcGis, a partir da ferramenta 3D Analyst Tools foi gerado o perfil longitudinal do traçado, demonstrando a variação de altitude em todo o percurso da trilha.

Resultado e discussão

A Ilha Grande, distrito do município de Angra dos Reis é um destino turístico extremamente procurado no estado do Rio de Janeiro, devido às suas belezas naturais e por sua característica de vilegiatura. Dentre os atrativos que mais se destacam estão praias e monumentos históricos de períodos onde a Ilha abrigou presídios, os quais em muitos casos são acessados apenas por trilhas. Dentre tantas trilhas existentes destacam-se as que pertencem ao circuito de Abraão, já que este é um dos mais visitados devido a sua proximidade com o pequeno núcleo urbano e pela facilidade de acesso. Conforme Silva (2016) aponta a necessidade de identificar os graus de dificuldade de uma trilha e o esforço dispendido são fundamentais para o planejamento das atividades que ocorrem nesses ambientes. Devido a isso, a geomorfologia e sua morfometria produzem análises fundamentais à identificação das características da trilha e suas consequentes possibilidades de uso. Além de propiciar uma base de informações sensíveis ao planejamento de preservação desses espaços. Nesse sentido, a partir dos métodos aplicados em SIG foi possível produzir análises de cunho geomorfológico, tomando como exemplo duas trilhas entre as mais visitadas da ilha. As trilhas foram escolhidas a fim de analisar as condicionantes geomorfológicas que compõem os seus traçados e como estes podem influenciar no tipo de visitação e público. No circuito de Abraão, identifica-se primeiramente a trilha de acesso às Ruínas do Aqueduto, a qual possui uma extensão de aproximadamente 1300 metros. Inicia-se nas proximidades da Vila de Abraão e seguem direção norte, onde também podem ser encontrados outros atrativos, como a Praia Preta e as Ruínas do Lazareto, conforme Figura 1. A partir da geração do Perfil Longitudinal da trilha foi possível identificar as variações altimétricas e consequentemente os níveis de declividade do traçado, o qual apresentou feições geomorfológicas menos acidentadas, entre o início da trilha e 900 metros de distância. Sofrendo neste trecho pequenas alterações, visto que o traçado acompanha inicialmente a planície costeira, que mesmo confinada entre o mar e a encosta apresenta declividade variando entre 0° e 15°. A partir dos 900 metros o perfil ganha nova forma, já que passa a seguir transversalmente à direção da encosta, atingindo perto de 1300 metros de distância uma altitude de 30 metros e apresenta pouca declividade ao longo desse trecho, entre 5° e 15°. Outra condicionante observada é a presença de corpos hídricos transversais ao traçado da trilha. Esses acidentes tem papel importante na remodelação do relevo, já que produzem as principais frentes de dissecação. No caso da Trilha do Aqueduto, esses canais não afetam o acesso, já que contam com intervenções, no caso, pontes. No entanto, essas frentes de dissecação ainda têm papel importante para o planejamento da trilha, uma vez que os processos erosivos podem influenciar diretamente o caminho, com queda de materiais ou até mesmo desmoronamentos. Esses processos podem ocorrer diretamente no traçado da trilha, devido à sobrecarga aliada à declividade ou podem ser provenientes do corte de talude em certos pontos ou mesmo processos naturais. As condicionantes geomorfológicas identificadas anteriormente revelam que esta trilha é de fácil acesso a diversos públicos, pois não há necessidade de equipamentos nem preparo físico para desenvolver atividades na trilha. O manejo da trilha proporcionou comodidades aos visitantes e turistas, uma vez que dotou o traçado de alguns equipamentos como mesas em áreas assombreadas, sinalização clara com placas indicativas, educativas e informativas, além de facilidade de acesso em alguns pontos. De forma a comparar duas realidades foi analisada também a Trilha da Feiticeira, de aproximadamente 4000 metros. O mapeamento foi iniciado a partir da Vila do Abraão, onde a trilha segue concomitante com a Trilha do Aqueduto nos seus primeiros 1300 metros, após esse trecho segue em direção noroeste em direção à praia Saco do Céu. Dessa forma podemos classificar este primeiro trecho com as mesmas características da trilha anterior. A partir de 1300 metros a trilha apresenta uma mudança abrupta nas condicionantes geomorfológicas, onde foi possível observar um aumento dos níveis de declividade à medida que a trilha segue transversalmente à encosta. No trecho que vai de 1300m à aproximadamente 2400m, ponto onde a trilha atinge 220m de altitude, foi observado uma declividade variando entre 15° e 35°, no entanto, alguns pontos podem superar esses valores. A partir desse trecho, inicia-se o reverso do maciço onde é observado um declive de aproximadamente 500 metros até um fundo de vale, chegando a 2900 metros do percurso, conforme figura 2. A partir desse ponto, após uma leve aclive para cruzar o vale encaixado, inicia-se novamente uma descida de aproximadamente 700 metros, transversalmente à encosta, onde se observa declividades variando entre 15° e 35°, até uma distância de 3700 metros do percurso. Após esse trecho o relevo sofre uma quebra de nível e passa a percorrer uma declividade menos acentuada chegando ao seu destino final, próximo a 4100 metros, em uma declividade de cerca de 15°. Após essa análise do perfil longitudinal desse trajeto é possível identificar variações abruptas especificas do relevo da trilha, diferenciando-a da anterior em características geomorfológicas e morfométricas, condicionando assim o uso da trilha. Outra condicionante que se destaca nesse trecho é a hidrografia, que não possui intervenções, sendo assim necessária a travessia do canal, dificultando o acesso e também potencializando os processos erosivos. As variações de declividade do perfil analisado também contribuem ao manejo da trilha no sentido de produzir informações que venham a facilitar a identificação de possíveis áreas de risco de erosão e consequentemente possam afetar o uso da trilha. Comparativamente à Trilha do Aqueduto, o trecho que segue em direção à Feiticeira apresenta condições de acesso diferenciadas, devido a declividade e ao traçado mais íngreme, além da necessidade de se cruzar um rio, a trilha apresenta um nível de maior dificuldade. Dessa maneira as condições físicas e materiais dos usuários desta trilha também devem ser diferenciadas, visto que suas condições geomorfológicas exigem um cuidado maior do praticante desta atividade.

Figura 1: Mapa de Declividade e Perfil Longitudinal da Trilha do Aqued

Mapa apresentando a declividade do traçado da trilha do Aqueduto.

Figura 2: Mapa de Declividade e Perfil Longitudinal da Trilha da Feiti

Mapa apresentando a declividade do traçado da trilha da Feiticeira.

Considerações Finais

Com isso, conclui-se que as análises geomorfológicas a partir de sistemas de informação geográfica são ferramentas fundamentais para o estudo de condicionantes geomorfológicas em trilhas. Identificou-se uma capacidade de produção de informações fundamentais para o planejamento e manejo de trilhas em áreas naturais, como a identificação de trechos com declividades acentuadas, bem como as condições de risco associadas aos processos erosivos. As condicionantes geomorfológicas demonstraram ser determinantes nas condições de acesso e uso das trilhas, visto que os processos de remodelação do terreno podem condicionar a paisagem em diferentes fatores. Com isso as análises produzidas neste trabalho apontaram uma capacidade de produzir informações fundamentais ao planejamento e manejo de trilhas, em ambientes que tenham como atividade caminhadas, ou outras atividades relativas. Dessa forma essa metodologia faz-se um recurso a ser replicado em outros espaços a fim de produzir informações que tenham como objetivo o manejo e a conservação de trilhas, visto que muitas delas encontram-se em Unidades de Conservação.

Agradecimentos

Para o desenvolvimento deste trabalho foi fundamental o apoio do PPGEO - Programa de Pós-graduação em Geografia da UERJ, bem como do Instituto de Geografia - UERJ. Agradecemos também ao CEADS - Centro de Estudo Ambientais e Desenvolvimento Sustentável - UERJ, pelo apoio material e pelas acomodações na Ilha Grande. Agradecemos também à Prof. Drª. Nadja Maria Castilho da Costa pelas orientações.

Referências

CASSETI, V. Geomorfologia. [S.l.]: [2005]. Disponível em: <www.funape.org.br/geomorfologia>. Acesso em: 08 dez. 2017.

FLORENZANO, T. G. Introdução à geomorfologia. In: FLORENZANO, T. G (Org.) Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. p. 11-30.

INEA. Plano de Manejo do Parque Estadual da Ilha Grande, RJ. 2011. Secretaria de Estado do Ambiente. Disponível em: < http://200.20.53.3:8081/cs/groups/public/documents/document/ bmvh/mdey/~edisp/inea012819.pdf>. Acesso em 09 dez. 2017.

MEIRELLES, E. O. Mapeamento da Susceptibilidade a Movimentos de Massa através de Análise Estatística de Ferramentas de Geoprocessamento na Bacia do Rio Paquequer – Teresópolis – RJ. Dissertação de Mestrado. UERJ. 2015.

RODRIGUES, M. Geoprocessamento: um retrato atual. Revista Fator GIS. Curitiba, 1993.

ROSS, J. L. S. Geomorfologia Ambiente e Planejamento. Coleção Repensando a Geografia. 9º ed. São Paulo. Editora Contexto, 2014. p.86.

SILVA, Grislayne Guedes Lopes da. Classificação do grau de dificuldade de trilhas uso de geotecnologias na elaboração de um modelo aplicado ao Parque Nacional do Itatiaia, Brasil. 2016. 211 f. Dissertação (Mestrado em Turismo) – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2016.

VALERIANO, Márcio de M. Topodata: Guia para Utilização de Dados Geomorfológicos Locais. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. São José dos Campos. 2008.