Autores

Cremon, E.H. (IFG) ; Silva, A.M.S. (IFG) ; Montanher, O.C. (UEM)

Resumo

Este trabalho apresenta um modelo empírico de concentração de sedimentos suspensos (CSS) para o rio Araguaia, na região central do Brasil, baseado em imagens TM/Landsat-5. Foram utilizadas 64 imagens ao longo do rio Araguaia com coleta de CSS in situ quase concomitante. As imagens foram convertidas em reflectância aparente e suas bandas e razões de banda foram correlacionadas com a CSS (mg/l), além do uso de variável categórica de estação hidrossedimentométrica. O modelo multivariado com uso de variável categórica apresentou R² ajustado de 0,88. Seu desempenho foi melhor do que o modelo simples ou modelo multivariado sem o uso de variável categórica. Os erros não tiveram variação significativa em função da diferença de +/-7 dias entre os dados in situ e o imageamento, entretanto os erros aumentam conforme aumentam os valores de CSS. Os resultados apontam que tal modelo pode ser replicado na série temporal de imagens TM, aumentando a quantidade de dados de CSS para o rio Araguaia.

Palavras chaves

transporte de sedimentos; modelos empíricos; rio Araguaia

Introdução

Em geomorfologia fluvial, compreender o funcionamento de um sistema fluvial passa pela análise de diversos parâmetros, dentre eles o transporte de sedimentos, que consiste em uma variável muito importante para o desenvolvimento de planícies de inundação e morfologia do canal (Schumm, 1981; Bridge, 1993; Pierce e King, 2008). O transporte de sedimentos no canal responde a todo conjunto que compõe o sistema fluvial, portanto está diretamente controlado pela combinação de diferentes variáveis, das quais incluem clima, relevo, solos, geologia e atividade humana, associado principalmente a mudanças de uso e cobertura da terra (Charlton, 2008). Alterações dessas variáveis implicam na variação do transporte de sedimento, que por sua vez alteram a morfologia do canal, da planície, e por sua vez a fauna e flora associada, tudo em um sistema cascata. O transporte de sedimento dentro de um canal fluvial pode ser classificado em três tipos: por transporte de carga de fundo, geralmente associado à granulometria mais grosseira como areias e cascalhos, transporte por sedimento suspenso, associado a sedimentos mais finos como silte e argila, e, por fim, também por matéria dissolvida associada a materiais em solução dentro do canal (Charlton, 2008). Dentre esses tipos de transporte, o que geralmente tem algum programa de monitoramento é o transporte por sedimento suspenso, onde são efetuadas médias de concentração de sedimentos suspensos (CSS) dada por mg.l-1. No Brasil, boa parte dessas medidas são efetuadas e disponibilizadas pela Agência Nacional de Águas (ANA), muitas vezes em parceria com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM-Serviço Geológico do Brasil) e também por iniciativas de trabalhos acadêmicos. Dentro deste contexto, a bacia do rio Araguaia, uma das maiores bacias do Brasil sem grandes impactos de barragens em seu canal, vem sendo influenciada por mudanças intensas de uso e cobertura do solo (p.e. Latrubesse et al., 2009; Coe et al., 2011). Porém, a quantidade de dados de CSS é relativamente baixa (Lima et al, 2004; Bayer, 2010) para poder avaliar variações espaço temporais de sedimentos suspensos. Dado que a coleta de dados de sedimentos suspensos demanda deslocamento e análise laboratorial, tal procedimento acaba sendo oneroso e sem coletas periódicas por órgãos governamentais. Uma vez que os sistemas sensores ópticos orbitais coletam dados da radiação eletromagnética refletida e que essa tal medida em corpos d’água é influenciada pelas propriedades ópticas inerentes da água e dos materiais nela presentes (Dekker e Bukata, 1999), logo a possibilidade de inferir a variação da concentração de sedimentos suspensos em rios por sensoriamento remoto representa um grande ganho. Isso porque ele permitiria uma grande economia de custos de deslocamento e análises laboratoriais, além de permitir a coleta sistemática a cada imageamento (sem nuvens) e ainda a possibilidade de estimar dados passados. Este trabalho é continuidade do estudo de viabilidade de estimativa de CSS com dados TM/Landsat-5 para o rio Araguaia (Cremon et al., 2017), assim como foi feito para os rios amazônicos de águas claras (Montanher et al., 2013) que culminou na elaboração de modelos empíricos para tal (Montanher et al., 2014). O objetivo deste trabalho é apresentar os primeiros resultados da estimativa de CSS do rio Araguaia com base no sensor TM/Landsat-5.

Material e métodos

Este trabalho se baseou na elaboração de modelo empírico com dados de sensoriamento remoto do sensor TM com medidas quase simultâneas de CSS. Para isso foram selecionados os dados de CSS do banco de dados da ANA (http://hidroweb.ana.gov.br/default.asp) e do trabalho de Bayer (2010), disponíveis nas estações hidrossedimentométricas (Araguaiana, Aruanã, Luiz Alves, São Félix, Conceição do Araguaia e Xambioa) ao longo do rio Araguaia. Em posse destes dados foram adquiridas imagens TM/Landsat-5 da base de dados do Serviço Geológico Americano (USGS - http://earthexplorer.usgs.gov/), que coincidissem ± 7 dias da coleta de CSS disponíveis sem cobertura de nuvens ou atmosfera densa ao longo do corpo d’água do rio Araguaia. Foi usado o pressuposto de que poucos dias de variação da data da coleta em campo com o imageamento (± 7 dias) não alteraria drasticamente a variação natural que ocorre na carga sedimentar dentro da coluna d’água. Assim como Montanher et al. (2014), para este trabalho nos baseamos em medidas de reflectância aparente, i.e. reflectância no topo da atmosfera. Uma vez que o trabalho se baseia numa abordagem empírica o uso de reflectância aparente pode ser uma medida adequada. Para isso as imagens adquiridas no nível de correção C1 – nível em número digital (ND) - que foram convertidas para reflectância aparente seguindo os parâmetros disponíveis em Chander et al., (2009). A coleta dos valores de reflectância aparente se baseou na seleção de uma área amostral entre 11x11 e 21x21 pixels de regiões de corpo d’água próximo à estação hidrossedimentométrica no canal fluvial, buscando evitar efeitos de bordas em barras arenosas ou vegetação e também de sombreamento de nuvens ou condições de atmosfera mais densa. Desta área amostral, foi usada a média dos pixels selecionados. Foram utilizadas como variáveis as bandas do espectro óptico 1, 2, 3, 4 e 5, e as razões de bandas (B4+B3)/(B2+B1), B3/B1, B2/B1, B3/B2, B4/B3, B3/(B2+B1) como variáveis preditivas para CSS. Também foram utilizadas as estações hidrossedimentométricas como variável categórica, para isso as três estações mais a montante (Araguaiana, Aruanã, Luiz Alves) foram agrupadas em um conjunto e as demais estações (São Félix, Conceição do Araguaia e Xambioa) em outro. Para a obtenção de um modelo empírico, este trabalho se baseou na análise de regressão. Como parte destas variáveis podem ser redundantes ou mesmo não fornecer nenhuma informação útil para uma abordagem empírica, a análise de regressão baseou-se na seleção de atributos do algoritmo Greedy disponível no software Weka 3.8 (Hall et al., 2009), que busca minimizar efeitos de colinearidade entre as variáveis e a significância de cada uma. Para fins de validação, foi feita a validação cruzada LOOCV (Leave-one- out cross validation). Dado o efeito de saturação da resposta espectral dos componentes opticamente ativos na coluna d’água conforme aumenta sua concentração e a obtenção de uma correção não linear (Lodhi et al., 1997), os dados passaram por transformação logarítmica natural (ln) e por raiz quadrada.

Resultado e discussão

Das 70 imagens previamente avaliadas por Cremon et. (2017) como úteis (com base apenas nos dados da ANA) para se elaborar um modelo empírico de CSS para o rio Araguaia, 64 imagens foram utilizadas. Algumas imagens foram descartadas por condições atmosféricas adversas melhor avaliadas neste trabalho. Na abordagem de regressão linear simples, com a transformação logarítmica natural do CSS, a variável melhor correlacionada foi a razão de banda 3 pela banda 2, que permitiu obter um coeficiente de determinação (R²) de 0,74. Ao adotar a análise de regressão multivariada com seleção de atributos, desconsiderando o uso da variável categórica de estação e usando apenas as variáveis das bandas e razões de banda, o coeficiente de determinação é 0,85 (com R² ajustado de 0,84), com as variáveis B3, B4, B5, B2/B1, B4/B3 e B3/(B2+B1). Ao adotar a análise de regressão multivariada com seleção de atributos e a inclusão da variável categórica de estação, foi possível atingir um coeficiente de determinação de 0,90 (com R² ajustado de 0,88) com bom ajuste entre o dado observado (in situ) com o dado estimado pelo modelo empírico (Figura 1). Foram utilizadas seis variáveis preditivas (Estação, B4, B5, B2/B1, B4/B3, B3/(B2+B1)), apresentando coeficientes positivos e negativos (Figura 2). O coeficiente negativo dados pela razão entre a banda 2 e a banda 1 pode ser explicada pelo maior efeito de espalhamento atmosférico que a reflectância aparente tem nos comprimentos de ondas mais curtos correspondentes a essas bandas espectrais. Por sua vez, o coeficiente negativo da razão da banda 4 pela banda 3 pode ser explicada pela compensação do efeito de clorofila e outros componentes provavelmente presente na coluna d’água como ácidos úmicos do rio Araguaia. Por fim, o coeficiente negativo da banda 5 estaria relacionada a uma correção do efeito de reflexão especular (sunglint), naturalmente causada pelo efeito de ondulação da superfície d'água. Os erros do modelo não apresentaram variação significativa pela defasagem de ± 7 dias entre a coleta de dado in situ com o imageamento do satélite Landsat-5 (Figura 3a), permitindo assim sua aplicação (Figura 4). Adicionalmente, foi possível observar que o erro do modelo tende a aumentar conforme aumenta a CSS, assim como observado por Montanher et al. (2014) para os rios amazônicos de águas brancas, mas com concentrações muitos maiores (Figura 3b).

Figura 1

Dispersão entre os valores observados e estimados de CSS para o rio Araguaia.

Figura 2

Coeficientes do modelo empírico para estimava de ln(CSS) e estatística do modelo.

Figura 3

(a) Erro em relação ao número de dias da coleta in situ com o imageamento; (b) erro associado com o aumento da CSS (b).

Figura 4

a) Cena TM do dia 08/04/2002 (R3G2B1); b) Aplicação do modelo empírico na imagem TM.

Considerações Finais

O modelo empírico para estimativa de CSS baseado em reflectância aparente do sensor TM/Landsta-5 apresentou resultados satisfatórios. A abordagem multivariada na análise de regressão e o uso de variável categórica melhorou o desempenho do modelo. A diferença de ± 7 dias entre os dados de CSS in situ e o imageamento não apresentou diferenças significativas para a construção do modelo. Os erros tendem a aumentar conforme aumenta a CSS. Os coeficientes positivos e negativos do modelo foram capazes de contornar as variações intrínsecas do alvo, tanto pelo componente opticamente ativo (sólidos suspensos), como pelas condições de contorno como efeitos de reflexão especular e espalhamento atmosférico em comprimentos de onda mais curtos. Com base neste modelo empírico, estudos futuros podem fornecer melhor análise de variação espaço-temporal do transporte de sedimentos ao longo rio Araguaia. A abordagem usando dados em reflectância aparente tem a vantagem de ser mais simples e ainda facilita a aplicação para reconstituição de séries históricas de CSS (para valores <250 mg.l-1), como por exemplo, com o uso da plataforma Google Engine.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) - Câmpus Goiânia pela infraestrutura disponibilizada.

Referências

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