Autores

Badarau, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) ; Souza, S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) ; Listo, F. (UFPE)

Resumo

A ocorrência de inundações tem aumentado e se tornado mais frequente na Região Metropolitana do Recife, devido os altos índices pluviométricos associados a áreas de impermeabilização do solo. O objetivo deste trabalho foi realizar um mapeamento preliminar de áreas de risco a inundação no bairro de Maranguape I, município de Paulista, Região Metropolitana do Recife (PE) e correlacioná-lo com a carta de uso e ocupação da terra. Foi realizada a setorização das áreas de risco e a sua classificação em quatro graus de risco utilizando-se fichas de cadastro em visitas de campo. Foram delimitados 25 setores de risco; dentre os quais foram classificados, preliminarmente, 7 setores de risco em áreas densamente urbanizadas e edificadas. Destes, foi possível identificar um setor de risco R2; quatro setores R3 e dois setores R4. Mesmo de forma preliminar, os resultados já alcançados poderão contribuir em um melhor planejamento urbano, auxiliando na prevenção e no controle de inundações.

Palavras chaves

Inundações; Uso da terra; Mapeamento de áreas de risco

Introdução

A ocorrência de inundações tem aumentado e se tornado cada vez mais frequente na Região Metropolitana do Recife (RMR) e na Zona da Mata Pernambucana, devido ao excesso de áreas impermeabilizadas associadas aos altos índices pluviométricos dos períodos mais chuvosos. Nesse sentido, as altas taxas de desmatamentos; a intensificação do escoamento superficial; a ocupação inadequada em margens de rios; as mudanças nos cursos d’água e canalizações; entre outros fatores, acabam potencializando os episódios de enchentes e de inundações nas áreas muito urbanizadas (TUCCI, 1999; TOMINAGA et al., 2009; OLIVEIRA, 2003). De acordo com Tucci (1999), a expansão urbana modifica a cobertura vegetal tornando as áreas mais impermeáveis. Assim, tal situação acaba gerando problemas no ciclo hidrológico natural, aumentando o escoamento superficial e reduzindo a capacidade de infiltração de água no solo, além do escoamento subsuperficial e o efeito de evapotranspiração. Dessa forma, muitas inundações são causadas por intervenções antrópicas (pressões antropogênicas) sobre os canais de drenagem; incluindo o processo de assoreamento, devido o carreamento de sedimentos erosivos e tecnogênicos (ex. restos da construção civil) para os canais fluviais. Em função disso, o objetivo deste trabalho foi realizar um mapeamento preliminar de áreas de risco a inundação no bairro de Maranguape I, no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife (PE) e correlacioná-lo com a carta de uso e ocupação da terra. Localizado na zona periférica do município de Paulista, o bairro de Maranguape I possui uma população de 26.111 mil habitantes, apresentando, portanto, uma elevada densidade ocupacional (IBGE, 2010). O distrito é banhado pela bacia hidrográfica do rio Paratibe e sua principal unidade geomorfológica é a Planície Flúvio-Marinha, caracterizada por um relevo de ondulações suaves, com média amplitude (inferior a 5 m) em níveis de terraços fluviais (FONSECA et al., 2016). O domínio das planícies, típicas do bairro, apresenta unidades de deposição quaternária, que resultam em modelados planos de acumulação. Os canais fluviais são, em geral, retilíneos e meandrantes, incluindo planícies aluviais alagáveis, sobretudo nas áreas de terraço (FONSECA et al., 2016). Sob o ponto de vista geológico, são comuns os sedimentos areno-argilosos, argilas variegadas, arenitos caulíticos e lateríticos típicos da Formação Barreiras e os conglomerados, arenitos, arcóseos, siltitos e folhelhos da formação Beberibe, além dos sedimentos turfáceos de ambientes flúvio- lagunares (BELLO, 2006). Pluviometricamente, o bairro é classificado como quente e úmido do tipo As’ (conforme a classificação de Köppen). As temperaturas médias anuais registram 25ºC e suas precipitações médias anuais variam entre 1.600 mm e 2.000 mm (OLIVEIRA, 2015).

Material e métodos

Para cumprir os objetivos deste trabalho foi realizado, inicialmente, um mapeamento do uso e ocupação da terra a partir da interpretação de imagens de satélite. Posteriormente, foi realizada uma setorização das áreas de risco a inundação, com a classificação do grau de risco em alguns dos setores mapeados (carta de risco preliminar a inundação). O mapeamento do uso e ocupação da terra do bairro se iniciou com o georreferenciamento de imagem aérea da base de dados do software Google Earth Pro versão 7.3 de alta resolução espacial do ano de 2016. Em seguida, tal imagem foi fotointepretada por meio do software ArcGIS versão 10.2, no qual foram vetorizados e criados os polígonos/classes temáticas de uso da terra, baseados na proposta de Almeida e Freitas (1996), que estabelece as seguintes categorias: a)Cobertura vegetal: Inclui áreas cobertas principalmente por mata e capoeira. Nas áreas urbanas encontram-se em áreas restritas, onde o relevo e mais enérgico, ou nas áreas de preservação. b)Área urbana consolidada (área edificada): Caracteriza-se por ser densamente ocupada e pela disponibilidade de infraestrutura básica e equipamentos, atividades de comércio e de serviços, etc. c)Área urbana parcelada: Corresponde a ocupação periférica, de densidade media/baixa, caracterizada por loteamentos em implantação, destinados a classe social menos favorecida, em que há falta de infraestrutura e equipamentos urbanos. Além destas classes, outras foram consideradas e adaptadas ao mapeamento do uso da terra, em função da realidade local. Dessa forma, foram também utilizadas as classes solo exposto; área de lazer; vegetação rasteira e vegetação ripária. Os setores de risco a inundação foram delimitados em escala de zoneamento (setores homogêneos de risco) conforme a metodologia proposta pelo Ministério das Cidades e Instituto de Pesquisas Tecnológicas/IPT (2004) a partir da fotointepretação de imagens de satélite e de visitas de campo. Os referidos setores foram delimitados considerando os parâmetros de declividade do terreno (somente setores de planície fluvial); malha viária; padrão de arruamento e a partir das coordenadas geográficas fornecidas por GPS durante os trabalhos de campo. Em seguida, em alguns destes setores, foi aplicada uma ficha de cadastro para o mapeamento das áreas de risco a inundação baseado também no método desenvolvido pelo Ministério das Cidades e IPT (2004). A ficha contempla os principais condicionantes naturais de inundações (ex. vegetação, relevo, cobertura superficial e padrão de drenagem) e os principais condicionantes antrópicos (ex. tipologia de moradias, padrão urbano e distância das moradias em relação aos canais fluviais). Foram ainda verificadas as evidências de inundações, tais como altura das cheias, marcas d’água nas construções, entre outros; além de entrevistas com a população local. Após a aplicação das fichas, alguns setores foram, primeiramente, classificados em quatro graus de risco (R1:baixo; R2: médio; R3: alto ou R4: muito alto) e, posteriomente, georreferenciados no software ArcGIS visando a elaboração final da cartografia de risco preliminar a inundação do distrito.

Resultado e discussão

Localizado na bacia hidrográfica do rio Paratibe, o bairro de Maranguape I situa-se próximo a importantes corpos d’água, como o próprio rio Paratibe e dois de seus afluentes: Canal das Tintas e Rio Fragoso (Figura 1). Neste último, também conhecido como Rio Doce, foi construído o canal do Fragoso, visando sanar os problemas de inundações em períodos de pluviometria intensa na Região Metropolitana do Recife. No rio Paratibe, além da construção de diques em sua foz, são encontradas estruturas de suporte e de estreitamento do leito em trechos com pontes de eixos viários (CARVALHO, 2011). O bairro apresenta a maior parte de sua área impermeabilizada devido à ocupação urbana ao longo das últimas décadas e passa, frequentemente, por processos de inundação, especialmente quando ocorrem chuvas intensas. Além disso, há canais assoreados e habitações vulneráveis de baixo padrão construtivo em situações de perigo. Com relação ao mapeamento de uso e ocupação da terra (Figura 1), foram fotointerpretadas no distrito às classes temáticas de área edificada, de área urbana parcelada, de área de lazer, de solo exposto, de vegetação ripária, de vegetação rasteira e de vegetação de porte arbóreo. Dentre as 7 classes supracitadas, as que mais se destacaram no bairro foram as áreas destinadas a ocupação urbana (área edificada), as áreas de vegetação rasteira (herbácea) e as áreas de porte arbóreo (vegetação arbórea). Assim, pôde-se observar que a área edificada apresentou o maior destaque (é predominante no distrito), contendo uma alta densidade de ocupação com construções residenciais, comerciais, equipamentos urbanos de uso público e sistema viário com e sem pavimentação. Ainda nesta classe, foram também verificadas ocupações informais (assentamentos precários de baixo padrão construtivo) instaladas muito próximas aos canais fluviais, já assoreados, e em terrenos alagáveis; devido, inclusive sua origem geomorfológica. Tal proximidade das construções, aliada ao excesso de impermebilização do solo no bairro, acaba aumentando a frequência e a magnitude dos eventos de inundação. A segunda classe de maior destaque é a vegetação rasteira, constituída por herbáceas ou gramíneas, encontrada próxima às edificações e nas margens dos canais fluvais. Em seguida, ocorre a cobertura vegetal de porte arbóreo, acompanhada ou não de vegetação arbustiva, sendo que alguns fragmentos isolados ainda apresentam remanescentes da Mata Atlântica, mas que vem sofrendo grande pressão antrópica, devido a expansão urbana irregular. A classe de solo exposto, que abrange áreas com ausência de vegetação natural, possui, majoritariamente, características de preparação do solo (parcelamento) para a construção de moradias. Nesse sentido, as áreas urbanas parceladas representam os terrenos com ou sem vegetação rasteira, isolados e não utilizados. Por fim, as áreas de lazer compreendem terrenos que são utilizados pela população para atividades recreativas, e a classe de menor destaque territorial foi a de vegetação ripária, localizada próxima aos canais fluviais. Percebe-se, portanto, a partir do mapeamento de uso da terra, que a diminuição da cobertura vegetal e o aumento de trechos com solo exposto são fatores que aumentaram, consideravelmente, a amplicação de enchentes e de inundações; além de processos erosivos, cujo resultado final acaba sendo o assoreamento dos corpos d’água e diminuição de seus leitos fluviais. Tucci (1999) já afirmava que tais fatores impedem a infiltração de água no solo, aumentando, dessa forma, o escoamento superficial e as vazões máximas por meio de canais e de condutos fluviais. Após a etapa de interpretação do mapa de uso e ocupação da terra, o bairro foi dividido em 25 setores de risco a inundação (Figura 2), sendo que sete destes setores receberam a classificação do grau de risco (Figura 3). Assim, conforme os parâmetros das fichas de campo, um setor foi classificado com grau de risco médio (R2, setor 4); quatro setores foram classificados com grau de risco alto (R3, setores 21, 23, 24 e 25) e dois setores com grau de risco muito alto (R4, setores 20 e 22) (Figura 3). Destaca-se que não foram identificados e classificados, neste mapeamento, setores com risco baixo (R1). Os setores com grau de risco mais alto (R3 e R4) apresentam um histórico frequente de inundações (ex. eventos de 2015, 2016 e de 2017) conforme a Figura 4. Além disso, os canais são assoreados; com edificações de baixo padrão construtivo, construídas muito próximas às margens dos canais e sujeitas ao risco iminente de inundações e de solapamento de margem fluvial; além de infraestruturas precárias (Figura 4). Verifica-se, dessa forma, sobretudo com o histórico frequente e contínuo de inundações, que as situações de risco às moradias e ao uso irregular com baixo padrão econômico, no que se refere à ocupação da terra e seu planejamento urbano, acaba levando a diversas consequências negativas, tanto ambientalmente quanto na própria saúde da população local, em função da disseminação de vetores.

Figura 1

A) Localização do município de Paulista-PE; B) Mapa de uso e ocupação da terra do bairro de Maranguape I (2016).

Figura 2

Setorização de risco a inundação do bairro de Maranguape I.

Figura 3

Mapeamento preliminar das áreas de risco a inundação.

Figura 4

A)Inundação em 2015 (Foto: SANTOS, W.); B)Em 2016 (Foto: LEITE, R.); C)Em 2017 (Foto: LEITE, R.); D)Moradias de baixo padrão próximas ao canal.

Considerações Finais

Correlacionando-se os dados obtidos a partir da setorização das áreas de risco a inundações, e seu mapeamento de risco preliminar, ao uso da terra, foi possível concluir que a impermeabilização e a redução de áreas vegetadas, como consequências da expansão urbana inadequada, foram fatores que potencializaram a ocorrência de inundações no bairro de Maranguape I. De acordo com o mapeamento dos 25 setores das áreas de risco, foram destacados aqueles que possuem um grau elevado de risco de inundação, e que possuem um número bastante significativo de moradias irregulares, afetadas constatemente por episódios de inundação. O canal de drenagem presente na região muitas vezes é utilizado de forma irregular pelos moradores, servindo de depósito de entulhos, de despejo de resíduos sólidos e do lançamento de águas servidas (esgoto). Tais ações impedem, consequentemente, a infiltração da água, contribuindo na potencialização das inundações. Embora este trabalho se encontre em fase inicial, os resultados já alcançados poderão ser usados como um instrumento importante para a fiscalização das áreas de risco na região, e como suporte para a elaboração de ações de prevenção e controle de inundações. Assim, trabalhos futuros serão realizados, visando a classificação de todos os setores quanto ao grau de risco, além de uma análise evolutiva do uso da terra ao longo de um tempo histórico.

Agradecimentos

Referências

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