Autores

Souza, T.A. (UNESP, RIO CLARO) ; Litholdo, K. (UNESP, RIO CLARO) ; Lupinacci, C.M. (UNESP, RIO CLARO)

Resumo

As feições erosivas e deposicionais sempre estiveram presentes na história evolutiva do planeta, sendo compreendidas como fatores naturais de desenvolvimento do relevo. Assim, o objetivo do trabalho é avaliar a dinâmica erosiva da Alta Bacia do Rio Passa Cinco, no centro-leste paulista, a partir da análise entre o mapeamento geomorfológico, as propriedades litológicas e pedológicas, e as características de declividade e de lineamentos, buscando compreender os processos responsáveis pela evolução de sulcos, ravinas, voçorocas e leques aluviais na escala de 1:50.000. Foram selecionados três recortes espaciais situados no compartimento da Depressão Periférica Paulista, tendo como resultado a análise pormenorizada das feições do relevo abordadas.

Palavras chaves

Processos Erosivos Lineares; Feições Deposicionais; Rio Passa Cinco

Introdução

A erosão, o transporte e a deposição de materiais ocorrem naturalmente no meio ambiente, resultando em um conjunto de ações responsáveis pela transformação de uma paisagem (GUERRA; GUERRA, 2011). Assim, tais processos são considerados tão antigos quanto a própria história do Planeta Terra, sendo a “erosão geológica” ou “erosão natural” oriunda das alterações da crosta terrestre, perceptíveis em longos períodos de tempo. (BERTONI; LOMBARDI NETO, 2005). Dentre os tipos de erosão responsáveis pela alteração das paisagens, os processos lineares “[...] são facilmente identificados pelo homem devido aos seus diferentes graus de intensidade, profundidade e vestígios deixados nos solos” (PINTON; CUNHA, 2008, p. 330). Conforme os autores citados, a erosão linear é resultante da concentração do fluxo de água superficial em irregularidades naturais ou surgidas por modificações antrópicas nos terrenos, que originam três feições distintas, conforme o grau de desenvolvimento: -Sulcos: primeiro estágio da erosão linear, nos quais as águas torrenciais se concentram em zonas de convergência dos terrenos, devido à declividade e às irregularidades, formando incisões pouco profundas (BERTONI; LOMBARDI NETO, 2005). -Ravinas: constituem a fase intermediária, sendo mais profundas que os sulcos; -Voçorocas: última fase de desenvolvimento. São caracterizadas por grandes cavidades profundas e extensas (BERTONI; LOMBARDI NETO, 2005). Segundo Lepsch et al. (1983) as voçorocas se diferenciam por atingir centenas ou dezenas de metros de profundidade. Dentre as feições de origem deposicional, podem ser destacados os leques aluviais, que conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2009, p.54), concentram materiais detríticos “[...] por abandono de carga devido à diminuição da energia da torrente, sob condições de clima favorável à desagregação de materiais e ao transporte de carga ou por situação de instabilidade tectônica”. Diante das considerações apresentadas, o objetivo deste trabalho é avaliar a dinâmica erosiva na Alta Bacia do Rio Passa Cinco, a partir da análise conjunta entre o mapeamento geomorfológico, as propriedades litológicas e pedológicas, e as características de declividade e de lineamentos, buscando compreender os processos responsáveis pela evolução das feições erosivas lineares (sulcos, ravinas e voçorocas) e leques aluviais. Para tanto, foram selecionados três fragmentos dos produtos cartográficos (destacados pelos quadros amarelos na Figura 1), situados no compartimento da Depressão Periférica Paulista. A Alta Bacia do Rio Passa Cinco está situada no setor centro-leste do Estado de São Paulo, apresentando área de 288 km², abarcando parte dos municípios de Itirapina e Ipeúna. Geomorfologicamente, a área de pesquisa está situada na transição entre as Cuestas Arenito Basálticas, localmente denominadas de Serra da Cachoeira, e a Depressão Periférica Paulista.

Material e métodos

O mapeamento geomorfológico foi produzido através do software ArcGIS®, na escala original 1:50.000. Foram utilizados pares estereoscópicos de fotografias aéreas, do ano de 1988, na escala de 1:40.000, posteriormente adaptados à escala do trabalho . Através do aplicativo de uso livre StereoPhoto Maker®, foram geradas imagens tridimensionais Anáglifos, com o objetivo de obter visualização tridimensional do relevo, possibilitando sua análise em meio digital, conforme procedimentos descritos em Souza e Oliveira (2012). As imagens tridimensionais foram georreferenciadas de acordo com a Base Cartográfica em escala 1:50.000, elaborada a partir das Folhas Topográficas Itirapina (SF-23-M-I-3) e Rio Claro (SF-23-M-I-4), produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1969a, 1969b). Em seguida, ocorreu a interpretação visual das imagens tridimensionais com o auxílio de óculos 3D diretamente no ambiente do ArcMap™. Para a elaboração da Carta Geomorfológica, foram adaptados os procedimentos de Tricart (1965), o qual aponta que os mapeamentos geomorfológicos devem apresentar quatro tipos de informações básicas: morfometria, morfografia, morfogênese e cronologia. Neste trabalho gerou-se apenas as três primeiras informações. A morfometria refere-se ao aspecto quantitativo das formas de relevo, podendo ser representada por bases cartográficas, como canais fluviais e declividades; a morfografia corresponde às formas de relevo identificadas através de símbolos, que permitem analisar e compreender sua espacialização; e os dados morfogenéticos são pertinentes à sua gênese. Assim, tal produção cartográfica se baseou nesses critérios para sua formulação. A Carta de Lineamentos da Alta Bacia do Rio Passa Cinco foi confeccionada por Andrade (2017) no ambiente do ArcMap™, com base nos procedimentos propostos por Hubp (1988). Lineamentos de 1ª e 2ª ordens foram vetorizados quando os traçados dos cursos d’água apresentaram extensões lineares passíveis de sugerirem influências estruturais naturais sobre a organização da rede de canais, ou quando foi constatada a existência de cotovelos de drenagem, nos quais as curvas se aproximam de ângulos com 90°. Além disto, foram compilados os dados sobre lineamentos de Facincani (2000), a fim de complementar o produto cartográfico. As características pedológicas da área de estudo foram compiladas e adaptadas de Cunha (2001) e do Instituto Agronômico de Campinas (1981; 2014), enquanto os dados litológicos foram obtidos a partir de Cunha (2001), Instituto Geográfico e Geológico (1966) e Bacci (1994). A Carta Clinográfica foi elaborada por Andrade (2017) a partir dos procedimentos de De Biasi (1970, 1992) adaptados ao ambiente digital do ArcGIS®. Seis classes clinográficas foram definidas para a área de estudo - <2%, 2-5%, 5-12%, 12-30%, 30-47% e >47% - a partir de limites consagrados pela legislação nacional.

Resultado e discussão

A análise integrada entre mapeamento geomorfológico, dados litológicos, pedológicos, lineamentos e declividade permitiu o levantamento de hipóteses sobre a evolução das feições erosivas lineares e dos leques aluviais cartografados na Alta Bacia do Rio Passa Cinco. Durante a execução do mapeamento geomorfológico, foi constatada a existência de sulcos erosivos em toda extensão da Alta Bacia do Rio Passa Cinco. Estes primeiros estágios das feições erosivas lineares foram cartografadas, sobretudo, em áreas de pastagem e de plantio de cana-de-açúcar e estão presentes nos três recortes da Figura 2 (2A, 2D e 2G). Segundo Bertoni e Lombardi Neto (2005), quando em fase inicial, os sulcos podem desaparecer durante as operações de preparo do solo para a introdução de culturas, porém, quando em estágios avançados, provocam a interrupção do trabalho de maquinários agrícolas. Terraços agrícolas foram frequentemente mapeados na área de estudo, e têm como objetivo a contenção dos processos erosivos. As ravinas, mostradas na Figura 2A, estão situadas em uma área transicional entre argilitos/siltitos da Formação Corumbataí (Paleozoico) e areias e cascalhos das Coberturas Indiferenciadas (Cenozoico). As feições evoluíram sobre Argissolos (Figura 2C), que conforme o IAC (2014), são naturalmente suscetíveis à erosão em razão das propriedades de baixa coesão em superfície e menor permeabilidade nos horizontes subsuperficiais. As declividades, conforme a Figura 2B, variam de <2% a 5-12%. O trabalho exercido pelo escoamento superficial pode ser potencializado pela transição entre litologias formadas por materiais distintos e pelas características do solo, que apresenta horizonte de superfície mais arenoso, podendo ser transportado mais facilmente durante eventos torrenciais. Observa-se também que as ravinas estão posicionadas em trecho de drenagem direcionada por um lineamento de 1ª ordem (Figura 2A). Os lineamentos, conforme Facincani (2000), estão relacionados a sistemas de falhas e famílias de juntas que direcionam as drenagens e influenciam as formas de relevo que ocorrem no entorno e paralelamente aos lineamentos. Na Figura 2A constatam-se outras características do relevo que são influenciadas pela transição litológica e pedológica neste setor. A ruptura topográfica suave situada na parte superior da ravina de maior dimensão coincide com os limites entre Argissolos e Latossolos Vermelho Amarelos (Figura 2C). A jusante das ravinas verifica-se que a ruptura topográfica suave marca a alteração litológica entre Coberturas Indiferenciadas e a Formação Corumbataí. A Figura 2D mostra duas voçorocas situadas em cursos d’água de 1ª ordem, que se encontram alinhadas sobre os arenitos das Formações Botucatu e Piramboia. Neste trecho analisado, conforme a Figura 2E, predominam declividades de 5- 12% e 12-30%; Neossolos Quartzarênicos (Figura 2F) formam a base pedológica e, segundo o IAC (2014), apresentam muito baixa coesão e elevada suscetibilidade à erosão. As características pedológicas e litológicas da área de estudo, aliados à declividade, podem ter influenciado no desenvolvimento destas feições. Segundo Cunha (2001), a composição arenítica do substrato litológico é suscetível aos processos erosivos, por apresentarem materiais com maior granulometria e menor compactação. São Paulo (1989, citados por Filizola et al., 2011), afirma que os Neossolos Quartzarênicos são originalmente frágeis, o que permite a instalação da erosão linear de forma mais rápida que em áreas nas quais predominam Latossolos e Argissolos. A voçoroca de menores dimensões está situada em um curso d’água afluente de um canal de drenagem controlado por um lineamento de 1ª ordem (Figura 2D). Facincani (2000) considera os voçorocamentos como feições morfotectônicas relacionadas ao controle tectônico do relevo. Na Figura 2D e 2E observa-se, ainda, que as rupturas topográficas abruptas marcam a passagem entre declividades de 5-12% e 12-30% para declividades baixas de fundos de vale (<2%). Na Figura 2G, dois leques aluviais situam-se nas confluências entre dois cursos d’água e o Rio Passa Cinco. Estas feições estão na transição entre Latossolos Vermelho Amarelos e Argissolos (Figura 2I), originados sobre a Formação Pirambóia (Figura 2G). A presença de leques aluviais pode estar associada ao fato das sub-bacias vinculadas a essas drenagens encontrarem-se predominantemente sobre áreas de Latossolo Vermelho Amarelo que apresentam um maior nível de erosão associada aos altos teores de areia. Assim, esses sistemas fluviais, ao atingirem o nível de base local, representado pelo Rio Passa Cinco, depositam seus sedimentos, dando origem aos referidos leques. As declividades (Figura 2H) nas quais estão situados os leques aluviais correspondem ao fundo de vale do Rio Passa Cinco, onde há domínio da classe <2%. No entanto, a cabeceira do curso d’água de menor extensão está localizada em declividades entre 5-12% e 12-30% e a nascente do curso d’água de maior comprimento está estabelecida em setor de declividade entre 12-30%, criando, portanto, forte energia de escoamento nessas drenagens. Nas proximidades com os leques aluviais, ocorrem diversos lineamentos de 1ª e 2ª ordens, que controlam o direcionamento das drenagens.

Figura 1

Localização da área de estudo e recortes espaciais do trabalho. Fonte: IBGE (1969a; 1969b); Google Earth Pro® (2017). Organização das autoras (2017).

Figura 2

Recortes espaciais mostrando as características geomorfológicas, litológicas, pedológicas, clinográficas e de lineamentos. Fonte: Autoras (2017).

Considerações Finais

O mapeamento geomorfológico em conjunto com outras fontes de informações, como as características pedológicas, litológicas, clinográficas e de lineamentos, torna-se uma excelente ferramenta de análise do relevo, permitindo uma ampla compreensão sobre a área de estudo, que, analisada separadamente, deixa de apresentar importantes informações. Assim, nota-se uma clara relação entre algumas formas de relevo encontradas na Alta Bacia do Rio Passa Cinco, como as ravinas, voçorocas e os leques aluviais, com a litologia, composição local do solo, declividades e lineamentos, favorecendo sua evolução. As ravinas encontram um ambiente favorável, devido aos aspectos litológicos e de declividade, que auxiliam o escoamento do material em superfície, bem como pela drenagem direcionada pelos lineamentos de 1° ordem, os quais influenciam as formas de relevo. As voçorocas encontradas na formação Botucatu e Piramboia, também estão relacionadas à declividade e ao tipo de solo, se diferenciando por ser do tipo Neossolo Quartzarênico, suscetível a forte erosão. Já a presença de leques aluviais também estão associados ao tipo de solo e à declividade, de forma a evidenciar a intima relação entre os fatores apontados anteriormente, para a evolução de todos os processos lineares do relevo. Ainda, convém ressaltar que os sulcos erosivos podem também estar associados ao uso e ocupação da terra, isto é, influenciados pela interferência antrópica.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro à pesquisa (Processo nº 155332/2016-3 - PDJ).

Referências

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