Autores

Correia, T.E.R. (IBRAM-DF) ; Gomes, R.A.T. (UNB) ; Martins, (EMBRAPA CERRADOS) ; Junior, O.A.C. (UNB)

Resumo

O objetivo do presente trabalho foi diferenciar canais efêmeros dos intermitentes e perenes por análise morfométrica. Foram utilizados a análise geoambiental, o Índice Topográfico (IT) e vistorias in loco constituindo a verdade em campo na Bacia do Pipiripau-DF. Pelas análises, foi possível identificar os geoambientes mais propensos a ocorrência de canais efêmeros devido a relação entre a área de contribuição e declividade. A aplicação do IT comparado a realidade de campo indicou um limiar 11 para a diferenciação de canais perenes e intermitentes de canais efêmeros. Considerando a similaridade dos geoambientes no grupo geológico do Paranoá, entende-se ser possível aplicar os limiares encontrados para a diferenciação de canais em 65% do DF e contribuir na definição de áreas protegidas. O estudo da paisagem como visto aqui, além de fornecer subsídio à análise de vertentes, pode auxiliar em trabalhos futuros na discussão a respeito do tamanho adequado das áreas de preservação permanente.

Palavras chaves

Morfometria; Geoambientes; Índice Topográfico

Introdução

As Áreas de Preservação Permanente (APP) foram instituídas na legislação brasileira desde 1965 pela lei 4.771/1965 e consistem em espaços territoriais legalmente protegidos. A legislação de 1965 indicava APP como qualquer curso d’água implicando em interpretações de que canais de escoamento seriam também objeto de tal proteção. Buscando dirimir este conflito o DF editou em 2009 o decreto 30.315/2009 distinguindo curso d’água, objeto de APP, e canal natural de escoamento superficial, área não edificante. Posteriormente, na atualização do código florestal brasileiro, lei 12.651/2012, tal distinção foi reconhecida. O novo código estabeleceu que as APP são aplicáveis a cursos d’água perene e intermitente, excluídos os efêmeros. Sendo assim, para a diferenciação de APP e áreas não edificantes é necessário distinguir canais perenes (fluxo hídrico por todo ano), intermitentes (fluxo por um período do ano) e efêmeros (fluxo durante e logo após a chuva). Devido a extensão da rede de drenagem no território a diferenciação de canais acaba sendo um processo moroso e oneroso por implicar em análises in loco por um ano hidrológico. Neste intuito, a análise da paisagem vem contribuir na automação desse processo. Modelos que tratam da distribuição espacial da água em bacias requerem dados baseados nas características topográficas da bacia (MOORE, 1993). Estes modelos objetivam simular os caminhos preferenciais que caracterizam rotas de organização do escoamento (CASSETI, 2014). O conceito de formação de canais foi estabelecido inicialmente por Horton (1945), que relacionou a tensão de cisalhamento superior à resistência do solo para a formação de sulcos e ravinas. Patton e Schumm (1975), iniciaram a modelagem desses processos avaliando a tensão de cisalhamento que excede o valor crítico. Beven e Kirkby (1979), identificam a relação desses atributos do relevo (declividade e área de contribuição) para nortear o conceito de índice topográfico (IT). O IT é expresso pela razão entre a área de contribuição (Ac) e a tangente da declividade do terreno (tanβ), IT=ln(Ac/tanβ). Este modelo é função da declividade e está sujeito a restrição: 0° < β < 90°. Valores de declividade de 0° indicam alto valor de IT, já que o relevo plano está combinado com uma grande área de contribuição a montante (BEVEN e KIRKBY, 1979; SIEFERT, 2012).Nas últimas décadas alguns outros estudos têm utilizado esses parâmetros morfométricos na modelagem hidrológica a fim de avaliar sua correspondência com a formação de canais (SCHUMM, 1979; MONTGOMERY e DIETRICH, 1988; TARBOTON et al, 1991; DIETRICH et al., 1992; MONTGOMERY e GEORGIOU-FOUFOULA, 1993; DIETRICH et al., 1993; MONTGOMERY, 2001; SIEFERT, 2010; ARAUJO e PEJON, 2015). Deste modo, o objetivo deste trabalho é de diferenciar os canais efêmeros, dos canais intermitentes e perenes utilizando o conceito do índice topográfico.

Material e métodos

A Bacia do Pipiripau (Figura 1) foi escolhida para este trabalho por pertencer ao grupo Paranoá que compõe 65% do Distrito Federal (DF). A compartimentação geomorfológica da área inclui chapadas, depressão dissecada, frente de recuo erosivo e rampa de colúvio (SENA-SOUZA et al., 2013). Segundo o mapa pedológico da Embrapa (REATTO et al., 2004), a área possui Neossolos Quartzênicos, Cambissolos, Nitossolos, Solos Hidromórficos, Plintossolo Distrófico e Latossolos. A cobertura vegetal predominante é de cerrado ralo e matas de galeria, mas também ocorre campo sujo úmido e seco, campo sujo com murundus, veredas, campo limpo e mata seca.A primeira etapa das análises consiste em vistorias in loco, por um ano hidrológico (2013/2014), correspondendo a verdade de campo permitindo classificar a rede de drenagem em perene, intermitente e efêmeros (Figura 1). A segunda etapa consiste na confecção de um MDT hidrologicamente corrigido utilizando curvas de nível, pontos cotados e a drenagem. A partir desse MDT obteve-se a declividade e área de contribuição pelo método de fluxo múltiplo desenvolvido por QUINN(1991).

Resultado e discussão

Na vistoria em campo 66 canais foram classificados como efêmeros totalizando uma extensão de 40,2 km, 19 cursos intermitentes com extensão total de 18,66km e 18 cursos perenes correspondendo a 93,38km. Os dados de IT apresentaram inflexões até o valor 10 para áreas correspondentes aos canais efêmeros e, iniciando em 11 até 16 nas áreas intermitentes e perenes (Figura 2). Para os canais efêmeros o valor de IT varia de 5,4 a 9,4 com média de 7,55, na classe intermitente o IT varia de 7,2 a 15,3 com média de 12,5, já para os cursos perenes o IT varia de 11,2 a 15,9 com média de 13,8.Com relação ao IT apenas um ponto apresentou valores que divergem da tendência de canais intermitentes (Figura 3). Neste, a existência de ocupação da terra mais intensa a montante do ponto alterou os valores de área de contribuição e declividade implicando em um dado fora do limite encontrado. Desconsiderando este ponto, o valor mínimo de IT para intermitente seria 10,6 com média de 12,6. Logo, a aplicação do IT 11 para diferenciar os canais de escoamento dos cursos d’água é satisfatório comparado as avaliações in loco.Os canais efêmeros na Bacia ocorrem predominantemente em áreas de frente de recuo erosivo (72%) com Cambissolo ocorrendo em menor representatividade nas rampas de colúvio (22%). Nestas áreas os canais efêmeros tendem a ocorrer ou por continuação dos canais que se iniciam na frente de recuo erosivo, ou pelo uso, que propicia caminhos preferencias das águas pluviais.Na Bacia do Pipiripau a frente de recuo erosivo por tratar-se de um ambiente onde ocorre ruptura do relevo, com maiores variações altimétricas (800m a 1100m), possui direção preferencial inversa a dos ambientes coluvionares. Esta característica geomorfológica associada à existência de Cambissolos, solos bem drenados, propiciam a ocorrência de escoamento superficial. Para descrever a intensidade da concordância entre o Índice Topográfico aplicou-se a medida Kappa (Tabela 1). A concordância geral do Índice Topográfico é ótima com medida de 0,981. Avaliando cada tipo de canal nota-se que a concordância também é alta sendo o perene de 1 (100%), o intermitente de 0.967 (96%) e o efêmero de 0,979 (97%).

Figura 1

Localização da Bacia do Pipiripau, geoambientes na bacia e diferenciação dos canais.

Figura 2

Índice Topográfico nos canais da Bacia do Pipiripau.

Figura 3

(a) outlier no gráfico; (b) ponto na Bacia; (c) Ac indicando fluxo mais acentuado ao final do canal; (d) aerofotos; (e) foto in loco.

Tabela 1

Índice Kappa para o IT de cada canal.

Considerações Finais

O IT permitiu diferenciar os canais, identificar áreas úmidas e caminhos preferenciais de escoamento na paisagem. A relação inversa entre a área de contribuição e a declividade permitiu a análise de características físicas da paisagem e possibilitou a identificação de canais efêmeros. Considerando que a formação de canais depende intrinsicamente de fatores do ambiente e de uso da terra, esses índices devem ser complementados com a análise dos geoambientes em que a área se insere. Verifica-se que o limiar 11 pode ser aplicado em todo o Grupo Paranoá, auxiliando na diferenciação de canais em 65% do território do Distrito Federal. No intuito de automatizar e minimizar custos para análises e diferenciação de canais, as análises topográficas mostraram-se eficazes e de simples utilização, pois necessitam poucos insumos, recursos e tempo para sua aplicação. No entanto, requer um MDT hidrologicamente corrigido de alta resolução. Além de fornecer subsídio à análise de vertentes análises morfométricas podem proporcionar auxilio na definição de áreas propícias à Reserva Legal, com o intuito de proteger áreas de contribuição e, servem ainda para fomentar a discussão quanto ao tamanho das APP necessária à proteção dos recursos hídricos que, pelo conceito de Áreas Hidrologiacamente Sensíveis, podem extrapolar os limites impetrados no código florestal.

Agradecimentos

Referências

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