Autores

Rosa, K.K. (UFRGS) ; Petsch, C. (UFRGS) ; Gonçalves, M.A. (UFRGS) ; Perondi, C. (UFRGS) ; Costa, R.M. (UFRGS) ; Vieira, R. (UFF)

Resumo

O artigo objetiva investigar as formas de relevo e processos associados das áreas livres de gelo na Ilha Rei George, Antártica. Os dados para a identificação das geoformas foram obtidos de análises laboratoriais e sedimentares, processamento de imagens de satélite e análise morfométrica das áreas livres de gelo formadas pela recente retração frontal de geleiras de término em terra. O mapeamento geomorfológico gerado revela geoformas proglaciais de contato com o gelo e distais e ainda formas de relevo com indicativos de atividade paraglacial. O desenvolvimento geomorfológico seguido da retração glacial é influenciado pela alta carga sedimentar originada de depósitos glaciais, tais como morainas, eskers, flutings e os processos que envolvem a modificação da área livre de gelo envolvem movimento de massa, ação de degelo e recongelamento, processos fluviais.

Palavras chaves

processos geomorfológicos glaciais; mudanças ambientais glaciais; sistemas proglaciais

Introdução

Várias geleiras em regiões subpolares Antárticas têm evidenciado graus de retração acelerada nas últimas décadas. Este processo está relacionado com a tendência de aumento de temperatura média superficial do ar anual para a região da Península Antártica nas últimas seis décadas (ROSA et al. 2014). Com o andamento da recessão glacial, a paisagem recentemente livre de gelo é submetida a rápidas mudanças geomorfológicas como processos sedimentológicos, hidrológicos e eólicos que se alternam na paisagem (KLAAR et. al., 2015). O termo paraglacial se refere a condições instáveis e com alta atividade geomorfológica associada à paisagem submetida a esta recente fase (BALLANTYNE, 2002), onde o grau de mudanças na paisagem e na carga sedimentar é elevado. Os processos paraglaciais são condicionados pela atividade glacial (CHURCH e RYDER, 1972; BALLANTYNE, 2002). Processos paraglaciais retrabalham as características físicas dos sedimentos (BALLANTYNE, 2002; BENN e EVANS, 2010). Este artigo objetiva investigar as formas de relevo e processos associados das áreas livres de gelo na Ilha Rei George, Antártica. É importante monitorar e compreender o padrão do processo de retração das geleiras na Ilha Rei George e suas interligações entre a dinâmica glacial e a formação dos ambientes. O conhecimento dos processos geomorfológicos associados a formação da geomorfologia local é relevante para estabelecer comparações com outras geleiras e áreas livres de gelo em condições glaciológicas e climáticas semelhantes.

Material e métodos

Os processos geomorfológicos e hidrológicos foram investigados através do mapeamento geomorfológico das áreas livres de gelo na Ilha Rei George, Antártica. No mapa de localização das áreas livres de gelo na ilha Rei George estão indicadas nos polígonos em vermelho as áreas livres de gelo associadas às geleiras Ecology, Sphinx, Baranowski, Tower e Windy, em azul a Wanda, Professor e Dragon, em roxo a Potter e em laranja a Collins e península Fildes. Os dados para o mapeamento de geoformas foram obtidos de análises laboratoriais e sedimentares, processamento de imagens de satélite e análise morfométrica das áreas livres de gelo formadas pela recente retração frontal de geleiras de término em terra. O artigo apresenta resultados de atividades de campo realizadas nas estações de ablação dos anos 2007/2008, 2010, 2011, 2013, 2014 e 2015 ao longo de áreas livres de gelo da ilha. Os dados foram obtidos por análises laboratoriais de sedimentos coletados em campo e a interpretação de imagens de satélite pré-processadas Quickbird, Cosmo-SkyMed (banda C), Landsat 8, Sentinel 2 e TerraSar (banda X) de alta resolução espacial e ainda modelos tridimensionais de baixa a média resolução espacial, como o ASTER-GDEM2. Foram gerados critérios de identificação geomorfológica e mapeamento.

Resultado e discussão

O mapeamento geomorfológico gerado revela geoformas proglaciais de contato com o gelo e distais e ainda formas de relevo com indicativos de atividade paraglacial (Figura 01). FIGURA 01 Como resultado foi obtido um quadro síntese das feições de relevo analisadas e os respectivos critérios de identificação e relevância ambiental (Tabela 1). Por mapeamento geomorfológico foram analisados os processos relacionados à ação glacial, glaciolacustrina, glaciolacustre, glaciomarinha, glaciofluvial e não glacial, tais como movimento de massa, lacustre, fluvial, pluvial e ainda os relacionados com atividade paraglacial e periglacial. Também foram interpretados o padrão erosivo ou deposicional e relação com a distância da geleira. A localização em valores de declividade foram critérios identificados, assim como o grau de distúrbio do ambiente e o padrão de drenagem. Tabela 1 a) Mapeamento e Processos Flutings, eskers e cordões morâinicos recessivos foram as principais feições geomorfológicas glaciais encontradas na área de estudo. Junto às geleiras há a formação de cordões morâinicos de pouca extensão e espessura e flutings com uma menor quantidade de sedimentos de maior granulometria e de pouco arredondamento e esfericidade. Morainas recessionais são aquelas que foram agrupadas mais recentemente à moraina terminal, são formadas por uma longa parada durante uma recessão glacial, ainda que ela possa ter sido depositada ou empurrada durante um pequeno reavanço ou pausa da geleira (Benn e Evans, 2010). Estas formas de relevo encontradas indicaram a retração de geleiras com término em terra, assim como outros estudos (ANDRADE et al., 2011; POELKING et al., 2014; ROSA et al., 2014; 2014; SIMÕES et al., 2015). No campo de gelo Kraków houve o aumento de 3,6 km² de área livre de gelo no período de 1988 a 2017. As geleiras Wanda, Dragão e Professor, pertencentes ao campo de gelo Kraków, perderam aproximadamente respectivamente 32%, 55% e 40% de suas áreas entre 1979 a 2017 em decorrência das recentes mudanças climáticas. Processos de fusão basal e degelo supraglacial, relacionados à tendência de aumento da temperatura e precipitação líquida, são apontados como fatores determinantes para as alterações de áreas destas geleiras (ROSA et al. 2014). A geleira Wanda registrou a formação de diferentes depósitos e geoformas erosivas em um complexo sistema proglacial (Figura 2-A). A geleira Collins, com características de domo (domo Bellingshausen), localizada na Península Fildes, perdeu aproximadamente 9% de sua área entre 1983 e 2014, representando uma perda total de aproximadamente 0,65km² com a formação de recentes sistemas lacustres e depósitos morâinicos (Figura 2-B) assim como identificado por Simões et al. (2015) e Petsch et al. (2017). Figura 2 A geleira Polar Club apresentou um acelerado recuo entre os anos 1986 a 2011 e resultou em um aumento de 1,63 km2 da área livre de gelo na Península Potter, assim como identificado por Andrade et al. (2011), Poelking et al. (2014) e por Cana (2016). As principais formas de relevo encontradas na escala observada compreendem morainas de recessão, morainas de avanço (da Pequena Idade do Gelo), ravinas, canais de água de degelo, canais entrelaçados (Figura 4) e sistemas lacustres interconectados. As geleiras da margem leste do campo de gelo Warszawa, Ecology, Sphinx, Baranowski, Tower e Windy apresentam registros de retração frontal contínua para no período 1956-2017, consequentemente há aumento das áreas livres de gelo de aproximadamente 5,7 km². Há a formação de canais oriundos de degelo, lagos, lagunas. No ano de 2016 a extensão do maior corpo de água era de aproximadamente 0,29km², assim como afirma Petlicki et al. (2017). Através de análise visual em imagens de satélites e fotografias obtidas em trabalhos de campo, baseado em critérios de classificação das formas de relevo é possível, identificar geoformas deposicionais na área proglacial das geleiras Ecology, Sphinx, Baranowski, Tower e Windy, como por exemplo, eskers, flutings, cordões morâinicos (Figura 5), além de canais entrelaçados, lagos e lagunas. Figura 3 Bremer (2011) argumenta que mudanças geradas por retrações de geleiras, deixando áreas livres de cobertura de gelo afetam os ecossistemas terrestres e a dinâmica do sistema de drenagem. Esse tipo de mudanças implica não só em ecossistemas locais, como também em toda a Antártica (KEJNA et al.,1998). De forma geral, os canais, lagos proglaciais foram identificados em setores proximais na área proglacial. Canais entrelaçados, alimentados por fluxo de degelo de neve e de gelo estagnado, principalmente, formam-se onde havia parte do corpo da geleira ativa e são interconectados aos lagos proglaciais e alagadiços de menor extensão. Estudos de Ferrando et al. (2009) relacionam a ocorrência de precipitações sobre a neve na ilha Rei George com o processo de diminuição de área e espessura das geleiras na área de estudo nas últimas décadas. A água provoca fusão da superfície de neve sobre as geleiras, o fluxo de água de degelo penetra nas fendas e se conecta com fluxos englaciais e subglaciais nas geleiras temperadas, o que acelera a velocidade do processo de fusão da geleira no verão e mudanças no balanço de massa das geleiras na ilha Rei George.

Figura 1

Mapa das áreas livres de gelo na ilha Rei George, Antártica indicadas nos polígonos em branco e geleiras nos polígonos em cinza.

Tabela 1

Critérios para identificação das geoformas e mapeamento de acordo com a metodologia baseados em Sugden & John (1984) e Bennett & Glasser (1996)

Figura 2

A - Sistemas lacustres e cordões de flutings associados à retração da geleira Wanda. B - Cordões morâinicos de recessão na geleira Collins.

Figura 3

A - Canais entrelaçados. (Fotografia de Andrade); B - Cordões morâinicos frontais.

Considerações Finais

O derretimento das geleiras na ilha Rei George resultou no aumento das áreas livres de gelo, que, consequentemente gera exposição de geoformas deposicionais recentes. O desenvolvimento geomorfológico seguido da retração glacial na área de estudo é influenciado pela alta carga sedimentar originada de depósitos glaciais, tais como morainas, tills, eskers, flutings e os processos que envolvem a modificação da área livre de gelo envolvem movimento de massa, ação de degelo e recongelamento, processos fluviais entre outros. Os resultados proporcionam condições para a reconstrução do passado de retração glacial em estágios e ainda o modelamento comparativo dos cenários da evolução destes ambientes expostos com a retração glacial. Esses ambientes revelam-se sensíveis as mudanças climáticas e são importantes alvos de monitoramento e compreensão de sua dinâmica. A evolução do ambiente proglacial possui consequências para a estabilidade da paisagem, fluxo de sedimentos e água de degelo e ainda ciclos bioquímicos. Para o maior entendimento da dinâmica destes ambientes é relevante o mapeamento geomorfológico de detalhe espacial destas áreas e com dados multitemporais para a análise de mudanças ambientais e sucessão de ambientes.

Agradecimentos

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

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