Autores

Stefanuto, E.B. (UNESP - RIO CLARO) ; Lupinacci, C.M. (UNESP - RIO CLARO)

Resumo

Atualmente, 33% dos solos do mundo apresentam-se degradados, sendo a erosão um dos processos responsáveis por esgotar a capacidade produtiva dos solos da Terra, como apresenta o relatório da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) de 2015. Assim, o presente artigo busca discutir a ocorrência de feições erosivas lineares e sua correlação com as especificidades pedológicas e geológicas da área de estudo através da uma análise histórica propiciada por fotografias aéreas de 1962, 1988 e 2010. Para tal, utilizou-se de técnicas de foto interpretação visando traçar as referidas feições erosivas, quantificando-as posteriormente por extensão de área de ocorrência. Através de tal técnica foi possível identificar congruências entre as feições erosivas e os solos associados Neossolo Litólico e Nitossolo, além de correlação entre as áreas de erosão e as formações geológicas Santa Rita do Passa Quatro e Botucatu.

Palavras chaves

Feições erosivas lineares; sulcos; voçorocas

Introdução

Atualmente, 33% dos solos do mundo apresentam-se degradados, sendo a erosão um dos processos responsáveis por esgotar sua capacidade produtiva, uma vez que elimina de 25 a 40 bilhões de toneladas de solo por ano (FAO, 2015). A partir das características dos solos, da litologia, do relevo e do clima determinados setores da superfície terrestre apresentarão maior ou menor suscetibilidade ao desenvolvimento de feições erosivas lineares. Guerra (2010) destaca que os processos erosivos causados pela ação das águas das chuvas abrangem grande porção da superfície terrestre, mas atuam em especial em áreas do globo sob o domínio do clima tropical, nos quais processos de circulação, como o splash e o runnof, podem ser dinamizados, causando a aceleração de processos erosivos. A ação da água é tanto mais eficiente quanto mais frágil for o material constituinte do relevo. Assim, as características dos solos e das litologias são fatores importantes para o desenvolvimento dos processos erosivos. A erodibilidade dos solos dependerá ainda das propriedades pedológicas do mesmo, sendo o teor de areia, silte e argila; o teor de matéria orgânica; a porosidade; a densidade aparente; a estabilidade dos agregados; dentre outras, responsáveis por conferir maior ou menor resistência à ação das águas (GUERRA, 1996). Por fim, o fator geológico poderá desenvolver setores de fragilidade do relevo evidenciados através das características das litologias e dos falhamentos, como destaca Facincani (2000) em estudo aplicado a setor adjacente a área deste artigo. Assim, o setor aqui analisado constitui-se em uma bacia hidrográfica localizada no tálus do front cuestiforme de Analândia (SP), possuindo variações pedológicas e geológicas marcantes, uma vez que, a partir do mapeamento de Koffler (1992), são identificadas na área cinco classes de solos; e através do mapa do Instituto Geológico do Estado de São Paulo de 1984, delimitam-se cinco formações geológicas de superfície no setor. Portanto, mediante o apresentado, objetiva-se com este artigo discutir a ocorrência de feições erosivas lineares e sua correlação com as especificidades pedológicas e geológicas da área de estudo, através da uma análise histórica propiciada por três anos comparativos datados de 1962, 1988 e 2010.

Material e métodos

As feições erosivas lineares foram identificadas a partir da formulação de cartas geomorfológicas, de acordo com as propostas de Tricart (1965) e Verstappen e Zuidan (1975), utilizando-se fotografias aéreas de 1962, adquiridas junto ao Instituto Agronômico de Campinas, em escala aproximada de 1:25.000; 1988, provenientes do acervo de fotografias aéreas do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento da UNESP – Rio Claro, em escala aproximada de 1:40.000; e 2010, obtidas via Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, em escala aproximada de 1:25.000. Buscando auxiliar no processo de fotointerpretação, as fotografias aéreas de 1962 e 1988 foram submetidas à técnica do anáglifo. Para tal, utilizou-se o programa de uso gratuito StereoPhoto Maker 4.34. As fotografias ortorretificadas de 2010 não foram submetidas a tal técnica, uma vez que não permitiram esteroscopia. Assim, com o software StereoPhoto Maker aberto adicionou-se um par de fotografias aéreas em formato digital. Seguidamente, através da opção Easy adjustment, sobrepôs-se as fotografias de forma grosseira, sendo necessários ajustes através das funções: V.Position, H.Position, Rotation e Imagi Size. Com isso, os setores em comum das imagens foram submetidos à função Color Anaglyph, gerando o produto final em três dimensões. Já o software utilizado para o georreferênciamento das imagens; delimitação e quantificação das feições erosivas, assim como, para espacialização das formações geológicas e dos estratos pedológicos foi o ArcGis 9.2. A escala de mapeamento foi de 1:10.000. A identificação das feições erosivas partiu do princípio que essas são expressas nas fotografias aéreas a partir de mudanças de tonalidades e texturas. As definições que embasaram a identificação e classificação das formas erosivas em sulcos, ravinas e voçorocas, partiram de uma compilação de literaturas (LAL, 1990; BERTONI E LOMBARDI NETO, 2012; GUERRA E GUERRA, 2010). Assim, os sulcos erosivos, foram entendidos como feições lineares rasas, passíveis de serem obliteradas por maquinário agrícola, que se apresentaram como linhas de coloração esbranquiçada; já as ravinas, foram compreendidas como feições mais profundas que os sulcos, impossíveis de serem obliteradas por procedimentos conservacionistas tradicionais, além da cor esbranquiçada, apresentaram textura granulada e profundidade superior a dos sulcos. As voçorocas destacaram-se nas fotografias aéreas pela presença de taludes erosivos íngremes, com presença de cursos fluviais em seu interior. Convém esclarecer que tais princípios foram estabelecidos a partir de reconhecimento de campo, assim como tais feições mapeadas foram posteriormente reambuladas in loco. Para vetorização das feições erosivas, atribuíram-se shapes linha as feições dos tipos sulco e ravina, por não evidenciarem áreas extensas; e shapes polígono as erosões classificadas como voçorocas por ocuparem áreas maiores. Após as feições erosivas serem identificadas nos três cenários de análise, atribui-se um buffer as erosões delimitadas como linha, uma vez que o objetivo era quantificar a extensão da área de ocorrência de cada fenômeno erosivo em relação aos solos e a litologia da bacia hidrográfica. Assim, atribuiu-se um buffer de 10 cm aos sulcos erosivos e um buffer de 50 cm as ravinas. Essas medidas se devem as características das formas erosivas constatadas pela análise das fotografias aéreas. Posteriormente, visando reconhecer as características pedológicas e geológicas sobre as quais ocorrem as feições erosivas, os polígonos de cada feição foram sobrepostos aos referidos dados e submetidos à ferramenta clip, a qual possibilitou identificar o tipo de solo e a litologia em que ocorrem tais formas. Seguidamente, calculou-se, através da ferramenta Caculate Geometry, o valor de área de cada feição em relação à litologia e aos solos do setor de análise.

Resultado e discussão

Compreendendo a discussão sobre processos erosivos como um elemento de importância ambiental e que deve ser desenvolvida, como destaca Boardman (2010), por grupos de pesquisa pertencentes aos locais de ocorrências, apresentam-se a seguir os dados quantificados de área das feições erosivas identificadas (sulco, ravina e voçoroca), assim como uma discussão no que se refere à correlação entre estas feições erosivas e as características pedológicas e litológicas da área estudada. Do ponto de vista pedológico, a área de estudo possui uma variação expressiva, uma vez que são identificados, a partir do mapeamento de Koffler (1992), cinco tipos de solos, sendo duas classes individualizadas (Argissolo Vermelho-Amarelo; e Latossolo Vermelho-Amarelo) e três associadas (Argissolo Vermelho e Nitossolo; Neossolo Litólico e Nitossolo; e Latossolo Vermelho- Amarelo e Plintossolo Pétrico). Através de uma análise comparativa entre os três cenários aqui propostos, identificou-se que os setores que mais apresentaram desenvolvimento de sulcos erosivos foram os correspondentes aos solos associados Neossolo Litólico e Nitossolo (Gráfico 1). No cenário de 1962, 54,2% da área atingida por sulcos erosivos foram mapeadas nos referidos setores, ocorrendo em 1988 um aumento para 61% e em 2010 uma diminuição para 45%. Outro tipo de solo que também apresentou porcentagem expressiva de sulcos erosivos foi o Latossolo Vermelho-Amarelo, registrando em 1962, 25% de área de ocorrência; em 1988, 21%; e em 2010, 24%. Ainda analisando o Gráfico 1, averigua-se que as áreas de ravinamento apresentaram alta concentração nos setores de associação entre os Neossolos Litólicos e Nitossolos, sendo mapeadas em 1962, 87% das áreas de ocorrência sobre os referidos setores; em 1988, 72,2% e em 2010, 89,5%. Identifica-se também, que as feições lineares classificadas como voçorocas apresentaram durante os três cenários 100% da área de ocorrência locada sobre a associação pedológica mencionada acima. Convém esclarecer que essa associação é apresentada no mapeamento de Koffler (1992) em virtude da escala de trabalho do autor (1:50.000), a qual impossibilita individualizar os solos rasos, típicos do front cuestiforme, daqueles mais profundos e de menor erodibilidade derivados da Formação Serra Geral. Assim, quando se aponta tal associação, é importante compreender que os Neossolos, por suas características intrínsecas, vinculam-se mais diretamente a ocorrência dos processos erosivos. Já no que se refere à litologia local, o setor também apresenta grande variação, uma vez que são identificadas na área, de acordo com o levantamento do Instituto Geológico do Estado de São Paulo de 1984, cinco formações geológicas de superfície, sendo as mesmas: Formação Santa Rita do Passa Quatro, Formação Itaqueri, Formação Serra Geral, Formação Botucatu e Formação Pirambóia. Comparando e analisando a ocorrência das feições erosivas em relação à litologia local, pôde-se identificar uma frequência significativa de sulcos erosivos sobre a Formação Santa Rita do Passa Quatro, uma vez que em 1962, 28,9% dos sulcos foram identificados sobre a referida formação geológica, aumentando para 42% em 1988 e diminuindo para 37% no cenário de 2010 (Gráfico 2). Ainda, analisando o Gráfico 2, foi possível constatar que as ravinas apresentam uma concentração durante o cenário de 1962, uma vez que 68,4% possuem sua área de ocorrência sobre a Formação Botucatu. No entanto, nos cenários subsequentes, a ocorrência de ravinamentos fica equilibrada entre as Formações Botucatu e Santa Rita do Passa Quatro, apresentando em 1988, 46,6% de ocorrência sobre a Formação Botucatu e 35,5% sobre a Formação Santa Rita do Passa Quatro; e em 2010, 45% e 42% respectivamente. Por fim, constata-se através do Gráfico 2, que as ocorrências de voçorocas apresentam-se associadas principalmente a Formação Botucatu, possuindo 72,4% de área sobre a referida formação geológica em 1962; 77,4%, em 1988; e 78,5% em 2010. Assim, identifica-se uma associação das feições erosivas lineares tanto com certos tipos de solos da área, como com determinadas litologias. É possível realizar tal inferência, uma vez que durante os três cenários de análise os sulcos erosivos apresentaram concentração nos setores de ocorrência de Neossolos Litólicos e Nitossolos e sobre a Formação Santa Rita do Passa Quatro. Já nas feições do tipo ravina, foi possível identificar uma associação constante ao longo dos anos com os Neossolos Litólicos e Nitossolos; no entanto, no quesito geológico a concentração em uma classe não foi registrada, uma vez que no cenário de 1962 a maior ocorrência se dava sobre a Formação Botucatu, sendo a mesma diluída nos cenários posteriores com a Formação Santa Rita do Passa Quatro. Por fim, nas feições classificadas como voçorocas a manutenção dos dados de ocorrência foi marcante, uma vez que, em relação aos solos, foi registrado 100% de ocorrência sobre os Neossolos Litólicos e Nitossolos. Já, no que corresponde à geologia, a concentração ocorreu sobre a Formação Botucatu. Pode-se apontar ainda que as feições do tipo sulco apresentaram-se bem distribuídas entre as variáveis naturais trabalhadas, diferentemente das feições erosivas de maior magnitude (ravina e voçoroca), as quais ocorrem dominantemente em algumas classes específicas. Tal dado corrobora com a ideia debatida por Stefanuto e Lupinacci (2017), na qual os autores atribuem a variação na ocorrência de sulcos erosivos à influência antrópica através do uso e ocupação da terra. As variações ou concentrações apresentam-se visíveis através de uma análise comparativa entre os gráficos apresentados.

Gráfico 1

Ocorrência de feições erosivas lineares em relação aos solos da área de estudo.

Gráfico 2

Ocorrência de feições erosivas lineares em relação à litologia da área de estudo

Considerações Finais

O presente artigo trás uma discussão em relação à correlação das feições erosivas lineares com os solos e as litologias da área de estudo, sendo possível identificar uma estreita correlação entre as feições erosivas mapeadas e os solos associados Neossolos Litólicos e Nitossolos. Diferentemente, em relação à litologia, os sulcos erosivos ocorreram principalmente em setores de afloramento da Formação Santa Rita do Passa Quatro; as ravinas apresentaram-se distribuídas entre as Formações Botucatu e Santa Rita do Passa Quatro; e as voçorocas associadas principalmente a setores mapeados como Formação Botucatu. Por fim, pôde-se identificar uma correlação das feições erosivas de maior magnitude (ravina e voçoroca) com determinados tipos de solos e algumas litologias locais, uma vez que suas ocorrências concentraram-se em algumas classes. Dessa forma, pode-se afirmar que, na área estudada, tais feições ocorrem com maior frequência sobre solos rasos e sobre litologias com alta friabilidade, vinculadas aos arenitos da Formação Botucatu e Santa Rita do Passa Quatro. Já os sulcos erosivos apresentaram-se mais bem distribuídos entre as classes das variáveis analisadas, podendo assim associar a ocorrência dos mesmos às interferências antrópicas através do uso da terra.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento do projeto nº 2016/25399-1.

Referências

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