Autores

Martins, L.D. (UFPB) ; Souza, J.O.P. (UFPB)

Resumo

A região semiárida vista como problemática em relação aos recursos hídricos sofre com a falta de água e políticas publicas necessárias para convivência com a seca, a falta de dados e a utilização dos existentes é um problema para as populações residentes da região. O objetivo deste trabalho é obter dados de vazão de canais para se utilizar de forma prática posteriormente. A falta de estações de coletas causa uma necessidade de utilização da modelagem para obtenção de dados, passo importante sendo formulada a partir de dados coletados em campo, assim a utilização do SWAT é satisfatória neste quesito. Os resultados mostraram que de acordo com o tipo de cada estilo fluvial, a vazão se demonstra variável, principalmente no evento extremo com variação de até 20 vezes principalmente por fatores de morfometria dos rios e área de cobertura de escoamento.

Palavras chaves

Vazão; Modelagem; Semiárido

Introdução

A dinâmica superficial do semiárido produz características diferentes em determinadas regiões dentro do próprio sistema ambiental de terras secas, o principal fator é a quantidade de energia presente no sistema que modifica as áreas formando diversos tipos de paisagem, uma dessas áreas peculiares são os brejos de altitude, definidos por Souza e Oliveira (2006) como enclaves subumidos, estas áreas possuem características que diferem e tornam a região semiárida um pouco heterogênea, com a principal particularidade sendo a grande taxa de precipitação chegando a 1000m anual. Nas áreas de enclaves subumidos os canais possuem um fluxo maior por receberem maior fluxo hidrológico devido a maior taxa de precipitação, fato que acontece de forma rápida, produzindo uma taxa de escoamento superficial elevada. Esses canais modificam a paisagem sempre que há um evento extremo de alta precipitação. Os rios por transportarem cargas cargas de água e sedimento de diferentes tamanhos de grãos, são elementos importantes no sistema ambiental (ZANCOPÉ E PEREZ FILHO 2004), alimentando áreas de deposição de sedimentos além do próprio uso comum da água pelas populações, fato bastante observado em comunidades de produtores rurais que se utilizam do sistema. As políticas de abastecimento hídrico são dificultadas por gestões públicas, um caso observado é na cidade de Santa Cruz da Baixa Verde-PE, local onde o estudo será realizado e que não há política pública de abastecimento por parte do governo do estado (SOUZA 2011, SOUZA 2014 e MARTINS 2017). Nesse caso a necessidade de gestão de recursos hídricos é evidente visto que as políticas públicas tem sido ineficazes em questão de abastecimento. A possibilidade do uso metodológico da técnica computacional produz dados para análise dos sistemas ambientais que podem ser trabalhados de uma forma prática para gestão local (SOUZA 2012). Este fato dificulta os planejamentos de gestão e o próprio entendimento de como se comporta os compartimentos geomorfológicos da região, principalmente do sistema geomorfológico fluvial. A utilização de modelagem matemática computacional é necessária para se obter dados nos quais não há a possibilidade de coleta, visto que os canais semiáridos por não possuírem carga hidrológica durante todo o ano e a falta de estações de análise de vazão de campo dificultam a análise de dados específicos como estes. A importância de estudar e de se obter dados dessa área é imprescindível para se entender como funcionam os rios efêmeros da região, para alcançar o objetivo desejado. Os trabalhos realizados em ambientes semiáridos com a falta de dados primários tem se demonstrado bastante eficazes em relação dado/geomorfologia local, uma vez que até a validação do modelo é dificultada pela falta de estações de coleta de dados. Trabalhos como Martins (2017), Santos (2016) e Dantas (2016) formularam base de dados a partir de modelagem que são fielmente interpretados em análises de campo. Esse trabalho envolve uma metodologia para se analisar de uma forma peculiar como a vazão dos rios de uma região de alta precipitação no semiárido, e como se comportam ao longo do ano e em eventos extremos, tendo como principal objetivo produzir dados para análise do sistema geomorfológico fluvial, em específico os ambientes de formulação deposicional de cargas sedimentares, sendo uma base de dados importante em uma região que tem dificuldades e problemas em relação a estes recursos.

Material e métodos

A área está localizada no município de Santa Cruz da Baixa Verde e possui aproximadamente 900m de altitude em relação ao nível do mar, o que difere no clima e precipitação de outros municípios da região semiárida, com precipitação média de 1000 mm por ano, as médias de cotas topográficas criam sombras pluviais em regiões mais elevadas, também constatando que o patamar localizado no município de Santa Cruz da Baixa Verde possui uma precipitação orográfica e define como um brejo de altitude, além disto, há uma variação na região do alto curso, com a mínima de 853 mm/ano nas regiões mais baixas do município de Santa Cruzda Baixa Verde e aproximadamente 1100 mm/ano no município de Triunfo, no qual faz fronteira (CORRÊA 1997, 2001). A Serra da Baixa Verde no qual a área de estudo está inserida é um batólito aflorado resultando em uma grande estrutura geológica formada basicamente por rochas sieníticas e graníticas (CORRÊA 2001; CPRM 2004). O fluxo energético de um canal depende de fatores como vazão e gradiente, a partir da obtenção do gradiente, medido através de SIG (Sistema de Informação Geográfica) e o cálculo de vazão a partir dos elementos bases, foi possível calcular no software o fluxo (UZEIKA et. al. 2012). Todo o processo foi realizado utilizando o SWAT (Soil and Water Assestment Tools) para se obter os dados nos quais são dificultados de se obterem em campo pelos fatores descritos no parágrafo acima. O SWAT calcula as vazões, específica e total dos canais a partir de dados como largura do canal, profundidade e áreas de captação. Os pontos foram escolhidos a partir da unidade geomorfológica específica de cada um, sendo um na cabeceira de drenagem, outro numa área de vale preenchido, um terceiro num sopé da escarpa e o ultimo numa área mais suave localizado no ambiente urbano. A classificação de estilos fluviais segue o método desenvolvido por Brierley et. al.(2002) levando em consideração os programas de gerenciamento que são derivados do trabalho de caráter contemporâneo e o comportamento dos rios, reconhecendo a diversidade de padrões e as capacidades de ajuste, principalmente em relação a sua estabilidade num sistema fluvial. A avaliação de energia nos canais leva em consideração a proposta metodológica adotada por Fryis e Brierley (2013), que chegou a um cálculo para fluxo e vazão específica, sendo desse modo, o total de energia de fluxo, é descrito na equação: Ω= γ Qs. Onde Ω é a o total da energia do fluxo; o Q é a descarga (vazão da bacia); “s” é o gradiente do canal e “γ” é valor o específico peso de água (9.800 Nm-2) (FRYIS E BRIERLEY 2013). Porém como a descarga (vazão da bacia) é algo a ser analisada, a energia total da corrente é variável dependendo da descarga do canal, sendo avaliado levando em consideração os eventos extremos que aconteceram na bacia. A partir do resultado do total de energia do fluxo é necessário calcular a energia do fluxo específica que consiste no valor da potência de canal dividida pela largura do canal que representa o trabalho gastado ou a energia dispersa pelo canal devido as variações e mudanças de cursos, principalmente a migração lateral do canal. Assim é medido como potência total de fluxo dividida pela largura de fluxo, onde ω é a potência do escoamento específico, Ω é o fluxo total de energia e W é a superfície da água largura em uma descarga específica. ω = Ω/w (FRYIS E BRIERLEY 2013). Com isso foram escolhidos 4 pontos de acordo com características específicas dos tipos de canais e áreas de deposição da área (MARTINS 2017), tais pontos serão definidos no software para o cálculo e a obtenção dos resultados.

Resultado e discussão

Os resultados foram descritos a partir da obtenção de dados gerados no modelo, levando em consideração análise de fluxo em um período de precipitação normal e outro em um evento de precipitação extrema, nos 4 pontos escolhidos de acordo com os canais analisados. De acordo com Souza (2014) e Souza, Barros e Corrêa (2016) no alto curso da bacia do riacho do Saco, há a presença de 4 estilos fluviais diferentes, definidos de acordo com a metodologia de Brierley et. al. (2002) sendo: canal de cabeceira, canal de voçoroca, canal descontínuo arenoso e canal de vale preenchido presentes no alto curso da bacia hidrográfica do riacho do Saco. (Figura 1). Cada ponto possui uma diferença morfológica e com uma particularidade em relação à formação de planícies de deposição aluvial e os estilos fluviais, assim definido em áreas de leque aluvial, canais de cabeceira, canal descontínuo arenoso e canal de voçoroca. (Figura 2). Ponto 1: Localizado nas coordenadas geográficas 7°49'6.31"S e 38° 9'11.50"O, no qual há intensa influência antrópica, observando até construções nas planícies fluviais, e utilização de área para pecuária e agricultura dentro do depósito, com presença de herbáceas exóticas e detalhe de um canal escavado Os resultados das análises hidrológicas chegaram aos resultados de vazão média 0,003 m³/s, e a vazão no evento extremo analisado 0,096 m³/s. O fluxo de energia total nos depósitos teve o valor de 0,02 W/m², com fluxo de energia específica de 0,01 W/m², e energia de fluxo total no evento extremo de 24,461 m³/s, e energia de fluxo específico no evento extremo de 0,421 m³/s, responsável por apenas estar em acumulação superficial e não ter uma alta capacidade de mobilização de carga sedimentar. Isso se deve ao fato da área de acumulação de carga hidrológica ser de pequena proporção e não havendo um fluxo maior, sendo localizado. Ponto 2: Localizado nas coordenadas geográficas 7°47'13.80"S e 38° 9'46.70"O (Figura 3). Foi escolhido para que fosse possível a observação de como é a morfologia do canal que possui um maior gradiente, o que difere dos outros tipos, com a presença de vegetação arbustiva nas áreas das margens dos canais, mas de forma espaçada, com menor interferência antrópica e utilização apenas para uso e obtenção de água Os resultados de análise hidrológica nesse ponto obtiveram resultados de vazão média 0,032 m³/s e vazão no evento extremo de 1,135 m³/s, com energia de fluxo de 4,39 W/m², e a energia de fluxo específico de 0,08 W/m², a energia de fluxo total no evento extremo é de 155,722 m³/s e a energia de fluxo específica no evento extremo de 3,053 m³/s, essa energia é capaz de remover maior parte dos sedimentos que são carreados das áreas de cabeceira de drenagem em patamares desnivelados no relevo em declividade, pelo principal fato de os depósitos de deposição inicial ocorrerem em maiores variações de gradiente. Ponto 3: Este ponto está localizado próximo a uma rodovia nas coordenadas geográficas 7°50'1.50"S e 38° 9'17.60"O. Este ponto foi escolhido a partir da indagação de como funciona os barramentos na alteração dos recursos nessa região, possui a presença de vegetação arbustiva e espaçada e uma alta interferência antrópica. Os valores de vazão nesses depósitos, média 0,008 m³/s e extrema 0,28 m³/s, com energia de fluxo total de 0,47 W/m² e energia de fluxo específica de 0,004 W/m², a energia de fluxo total no evento extremo é de 16,464 m³/s e a energia de fluxo específica no evento extremo de 0,149 m³/s, que nota o barramento como principal agente de diminuição de energia específica com a energia nesse ponto sendo menor que nos outros pontos, isso demonstra uma variação de fluxo dependendo do momento em que há a presença da água nos canais, sendo baixa e de pouca remoção, como descrito no parágrafo anterior o tipo de fluxo que gerou tal depósito a partir das características granulométricas pode ter ocorrido em um período curto de tempo. Ponto 4: Localizado num vale preenchido de sedimentos nas coordenadas geográficas 7°49'10.30"S e 38° 9'52.90"O com bastante alteração antrópica a presença de agricultura e pecuária, foi escolhido pois é uma área que possui maiores depósitos e com menor gradiente, área de vegetação mais densa nas áreas ao fundo da imagem, com árvores e arbustos mais concentrados e canal com presença significativa de plantação de milho, cobrindo toda a área da planície de inundação Nesse ponto, os depósitos possuem vazão média de 0,23 m³/s, e no evento extremo de 7,94 m³/s, com energia do fluxo de 4,50 W/m² e energia de fluxo específica de 0,004 W/m², a energia do fluxo total no evento extremo foi de 16,464 m³/s e a energia do fluxo específico no evento extremo foi 0,149 m³/s, o fato de que há um maior fluxo energético remobiliza carga sedimentar até as regiões após as laterais dos canais quando o rio transborda a calha do leito regular. Isto explica o fato de haver deposições mais distantes do canal principal e possuir um vale com sedimentos carreados por fluxos constantes. A tabela 1 detém os dados gerais relacionados a cada proposta do estudo com EFT e EFE sendo respectivamente “Energia de Fluxo Total” e “Energia de Fluxo Específico”, os dados que foram obtidos através do cálculo de: área média, volume médio, energia de fluxo e energia de fluxo específico, nos dois últimos sendo calculados também para o evento extremo que ocorreu na bacia hidrográfica no dia 18/02/2007, com a precipitação entre 80 mm – 100 mm na região. A energia de fluxo específico obteve resultados maiores nos pontos 2 e 4 pelo fato de possuírem maior área de captação; é importante ressaltar que no dia do evento extremo, os fluxos nessas áreas foram aumentados em quase 40 vezes do que geralmente ocorrem nesses pontos. Os canais dos pontos 1 e 3 possuem menor área de escoamento, e em especial o canal do ponto 1 está localizado numa área urbana no qual há uma dificuldade de captação de águas pluviais. Apesar de que no ponto 1 há um alto gradiente e em um canal constrito, os fluxos totais e específicos são baixos pelo fator citado anteriormente. Já no ponto 3 os fluxos e vazões são dependentes da captação total de carga hidrológica visto que esse ponto está localizado próximo a uma rodovia, detalhe que causa um barramento de fluxo no local.

Figura 1

Mapa de Localização

Figura 2

Pontos de Análise e Drenagem

Figura 3

Área de Análise do Ponto 2.

Tabela 1

Tabela de Dados

Considerações Finais

O trabalho buscou através da metodologia obter a maior gama de dados para formulação do trabalho. A utilização de modelagem matemática requer dados básicos para realização no software, estes coletados em campo e analisados em ambiente SIG. A validação do modelo é uma ação importante para análises desses trabalhos, mas como citado desde o início a falta de estações de coletas dificultam estas validações, mesmo com essa falta, a gama de dados gerados se assemelha com o ocorrente na natureza visto em outras literaturas de pesquisas realizadas em áreas semelhantes como por exemplo demonstrado em Souza (2011, 2014) e Santos (2016). Os canais fluviais tem fluxo relacionado ao estilo fluvial em cada ponto, os canais de preenchimento de vale são os que possuem menor vazão por possuírem uma área de escoamento maior, já com menor fluxo por estarem localizados em área de baixo gradiente. Canais do tipo de cabeceira possuem maior vazão pois são formados em ambientes com uma área de escoamento menor, os fluxos de vazão são maiores nesses pontos no qual há um maior gradiente. Os outros dois pontos estão localizados em ambientes de gradiente médio e possuem vazões variantes, sendo o fluxo intermediário relacionado aos outros dois tipos.

Agradecimentos

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