Autores

Sousa, S.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) ; Silva, M.L.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) ; Bezerra, H.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) ; Silva, O.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO)

Resumo

O presente estudo visa traçar um perfil morfoescultural evolutivo do estuário do rio Una. Devido a sua importância, seja em um cenário estadual quanto ao abastecimento de vários municípios, ou pelo seu complexo sistema natural, o rio Una tem sido alvo de abordagens recorrentes e de obras que poderão acarretar a médio e longo prazo impactos relevantes em sua foz. Para atender aos objetivos traçados, foram utilizadas imagens de satélite dos anos de 2007/2009 e 2014/2016 afim de identificar as feições geomorfológicas presentes na área de estuário e analisar os atuais processos morfoesculturadores presentes e também os pretéritos que contribuíram para a configuração atual. Dessa forma, pode-se concluir que a metodologia abordada se mostrou eficaz, sendo possível entender um pouco da dinâmica estuarina do rio Una.

Palavras chaves

Geomorfologia; Estuário; Processos Morfoesculturadores

Introdução

Os estudos relacionados aos canais fluviais e sua dinâmica são recorrentes e bem difundidos no meio científico, fato esse que se deve à influência e relevância que os rios exercem sobre a humanidade, e também sobre a esculturação do modelado terrestre. Em relação aos estudos em ambiente estuarino, Silva et al (2009, p. 76) afirmam que “apenas nas últimas cinco décadas, esses ambientes passaram a ser pesquisados de forma mais intensa para entendimento de seu funcionamento como resposta às apropriações e intervenções humanas [...]”. Exemplo disso pode ser observado no litoral do estado de Pernambuco, com uma zona costeira que representa cerca de 4% do território, em que vive cerca de 44% da população pernambucana (MANSO et al, 2006). A bacia hidrográfica do Rio Uma é considerada uma das mais importantes do estado de Pernambuco. O canal principal tem sua nascente localizada na serra da Boa Vista no município de Capoeiras-PE, cerca de 900 metros de altitude, e sua foz, nas vilas de Várzea do Una e Abreu do Una, no município de São José da Coroa Grande/PE. A sua área estuarina, que se situa entre a Praia do Porto, no município de Barreiros - PE, e próximo do riacho Meireles, já na zona urbana da cidade de São José da Coroa Grande, representa um importante ecossistema com a presença de manguezais. Sendo também considerado um berçário da vida marinha, o estuário serve de sustento para inúmeras famílias de pescadores e de atração para turistas. Dessa forma, torna-se essencial conhecer as feições geomorfológicas presentes e analisar as mudanças que estão ocorrendo no local a fim de preservar toda a biodiversidade que o estuário do Rio Una oferece. Sendo ambientes ligeiramente mutáveis decorrentes da influência marinha e fluvial constante, os estuários se constituem como áreas que sofrem mudanças em sua configuração geomórfica a curto prazo, fato que justifica a escolha do tema e do local de estudo. Devido a isso, as questões que nortearam o desenvolvimento da pesquisa estão relacionadas a como se deu a evolução da restinga e da desembocadura do rio Una. Com isso, o presente trabalho teve como objetivo principal identificar as feições geomorfológicas presentes na área de estuário do rio Una e analisar os atuais processos morfoesculturadores, e como eles influenciam na dinâmica estuarina local, tentando, também, mensurar sua evolução de acordo com os processos analisados.

Material e métodos

A princípio houve um aprofundamento teórico acerca de temáticas relacionadas à geomorfologia fluvial, processos e formas em ambientes estuarinos, formação e comportamento de restingas. A escolha do local de pesquisa justifica-se pela forma geomórfica peculiar da foz do rio Una, que apresenta uma barra em pontal presa a costa recoberta por vegetação de Restinga. Foram utilizadas imagens de satélite obtidas através do software Google Earth Pró . sendo três imagens coloridas e uma imagem em escala de cinza. As mesmas datam de setembro de 2007, setembro de 2009, agosto de 2014 e março de 2016, respectivamente. Devido a limitações dos dados disponíveis não foi possível estabelecer uma sequência de imagens a cada dois anos, como era o desejado. As imagens obtidas foram analisadas em duas sequências, na primeira sequência foram analisadas as imagens de 2007 e 2009. E na segunda sequência as imagens de 2014 e 2016. O objetivo é observar as mudanças presentes nas feições geomorfológicas ao longo da escala temporal estabelecida. Nesse sentido, os dados obtidos mostraram-se eficientes. Durante o trabalho de campo foram percorridos vários pontos que englobam a bacia hidrográfica do Rio Una, formando um total de cinco pontos. O primeiro ponto foi a Várzea do Rio Una que constitui uma área de planície costeira, onde está localizada a área estuarina do referido rio, que representa o trecho escolhido para enfoque neste trabalho. Em seguida, a parada foi no Platô Dourado que ainda está dentro do ambiente estuarino, porém em uma altitude mais elevada, sendo possível visualizar toda a planície costeira. O terceiro ponto foi na Barragem de Serro Azul no município de Palmares, que é uma barragem de contenção que está sendo finalizada com o objetivo de conter possíveis cheias que venham a ocorrer no rio, causando enchentes nos municípios a jusante. O quarto ponto ainda em Palmares, representa um trecho do canal com a presença de meandros, sendo possível verificar o processo erosivo atuando na margem esquerda do canal e deposição na margem direita, com a formação de barras de acreção lateral. O quinto e último ponto está localizado na nascente do Rio Una, no município de Capoeiras, Agreste pernambucano, que atualmente encontra-se em seu período de seca, portanto não foi possível verificar a presença de água.

Resultado e discussão

Para um entendimento prévio da dinâmica fluvial e estuarina do canal abordado, fez-se necessário a elaboração de uma caracterização geoambiental, envolvendo dados climáticos, geológicos, pedológicos, cobertura vegetal e geomorfológicos. De características quente e úmido, o clima, não só da área de pesquisa, mas de todo o litoral pernambucano, apresenta uma média pluviométrica anual atinge os 2.050 mm, e a variação térmica anual oscila entre 25°C (mínima) e 30°C (máxima) (MANSO et al, 2006). A área pertence ao domínio dos sedimentos cenozoicos inconsolidados ou pouco consolidados, depositados em ambiente aquoso, dividindo-se em dois ambientes: o ambiente misto, presente na linha da costa e também nas margens e leito fluvial próximos a desembocadura, onde se manifesta a vegetação de mangue, com influência predominantemente fluvial; e o ambiente marinho costeiro, que também se encontra em toda a costa, mas em contato direto com o mar, tendo influência predominante deste, sujeita ao efeito diário das marés, erosão e sedimentação marinha (CPRM, 2014). Em resposta, principalmente, ao clima, ao substrato geológico e a atuação flúvio-marinha, as classes de solo presentes no local são bem desenvolvidas, com um teor de areia elevado fruto dos intensos processos de lixiviação que ocorre em nos solos da costa litorânea, e também em áreas úmidas no interior dos continentes. Na área de foz desenvolvem-se as classes de Neossolo Quartzarênico com textura arenosa em todos os horizontes “são essencialmente quartzosos tendo nas frações areia grossa e fina, 95% ou mais de quartzo” (SiBCS, 2013) e Solos de Mangue (SILVA et al, 2001). A vegetação local, por sua vez, é composta principalmente por espécies adaptadas ao ambiente salino e complexo. Dentre elas destacam-se os manguezais que estão associados aos solos indiscriminados de mangue, salinos, e ou tiomórficos, e a vegetação de restinga, onde sua localização está ligada aos terraços arenosos holocênicos da baixada litorânea (ARAÚJO FILHO et al, 2000). Sobre as unidades geomórficas que compõem a paisagem local, de acordo com informações da CPRM (2014), esta é caracterizada como uma Planície Costeira e Planície Flúvio-Marinha, já que se trata de uma área de foz. Partindo das observações feitas em campo no estuário do Una, quando, no local, observamos um tipo de barra ou uma faixa deposicional de sedimentos marítimos (restinga), caracterizando o que Silva et al (2009) define como um “estuário construído por barra”. De acordo com Cunha e Guerra, (1994) as restingas normalmente apresentam uma extensão lateral superior à sua largura, podendo ser classificada de acordo com a presença ou não de conexão com a terra firme. Sem conexão com a terra firma possui a denominação de “ilhas barreiras”, com uma das extremidades conectadas constituindo-se “pontais”, e com as duas extremidades conectadas a terra firme podemos chamar de “cordão litorâneo”. Atualmente a restinga do rio Una, está classificada como um pontal, por possuir apenas uma das suas extremidades ligadas a terra firme. Porém essa conexão pode variar de acordo com o tempo, a depender da carga de deposição de sedimentos na restinga. Além da restinga o estuário em análise também apresenta barras fluviais, que são formas deposicionais de sedimentos transportados pelo rio. Os formatos e dimensões das barras podem variar de acordo com as propriedades do canal fluvial e de acordo também com a vazão de água que chega ao canal. Podendo ser modificada de acordo com a estação do ano, no período chuvoso as barras fluviais podem desaparecer, a depender do índice de vazão existente. É interessante refletir sobre como a criação de barragens para retenção da vazão em momentos de superávit, acaba por potencializar efeitos negativos nos ambientes estuarinos. A barragem “Serro Azul”, localizada no município de Palmares, que abastece os municípios de Catende, Palmares e Bonito entrará em funcionamento no segundo semestre de 2017. O seu funcionamento pode vir a modificar a dinâmica de sedimentos na bacia, tendendo a reter sedimentos a montante da barragem. E possivelmente diminuindo a carga sedimentar a jusante. Esse impacto em particular, será evidenciado na foz do rio, podendo alterar a sua dinâmica natural. Seja com o avanço do oceano, adentrando ao continente pela pouca resistência do rio. Ou com a mutação da composição morfológica, a partir do crescimento da restinga com a predominância de sedimentos de origem marinha. É possível estimar que o fluxo de água poderá apresentar uma diminuição significativa a jusante da barragem, por apresentar vários pontos de retenção e coleta de água para distribuição por todo o conglomerado urbano. É possível, também, traçar um perfil de análise da dinâmica dos processos morfoesculturadores na área estuarina do Rio Una através de imagens de satélite de diferentes anos. Analisando as duas imagens 2007/2009 (Figura 1), pode-se observar primeiramente que existe uma mudança no padrão de conexão da restinga com a terra firme. Na imagem de 2007, a restinga não possui ligação com a terra firme. Havendo, neste caso, dois canais de desembocadura do rio, um localizado no extremo norte da imagem e o outro no extremo sul. Neste exemplo, a restinga está classificada como uma “ilha barreira”, já que não possui conexão com a terra firme. Na imagem de 2009, a conexão com o continente está presente modificando assim a dinâmica da área estuarina. De forma que o único canal de desembocadura existente está no extremo sul da imagem. A restinga passa a ser classifica como um “pontal”, onde uma das extremidades está conectada a terra firme. Além disso, percebe-se também que o canal de desembocadura, localizado na parte sul da figura sofre algumas alterações ao longo dos anos. Na imagem de 2007, o canal apresenta uma deposição preferencial em sua extremidade norte, fato que é modificado no ano de 2009. Onde a deposição predomina na extremidade sul do canal e no sentido lateral, podendo ser constituída tanto de sedimentos marinhos quanto de sedimentos fluviais. Na imagem mais recente o canal de desembocadura também está mais largo, o que possivelmente pode ser explicado por uma maior vazão do rio. O aumento da vazão, poderia ter sido causado por uma maior precipitação ou pelo fato da existência de apenas um canal de desembocadura, se comparado com a imagem de 2007. Essas alterações demonstram que o ambiente estuarino é dinâmico, podendo ter suas formas modificadas ao longo do tempo. Nas imagens mais atuais, de agosto de 2014 e março de 2016 (Figura 2), respectivamente observa-se que a conexão da restinga com a terra firme em sua extremidade ao norte, permanece, desde a sua mudança após o ano de 2007. Vale ressaltar que essas imagens são posteriores a grande cheia que ocorreu no médio e baixo curso da bacia do rio Una em 2010. Em um comparativo das duas imagens pode-se perceber que em 2014 a vazão da água estava maior, talvez por se tratar da época do ano em que o volume de precipitação é mais elevado nesse trecho da bacia. Percebe-se o desenvolvimento de uma pequena barra fluvial, que está destacada na imagem, essa forma de sedimentação não estava tão presente nas imagens dos anos anteriores. E no ano de 2016 essa barra fluvial perde um pouco da sua sedimentação. Em contrapartida com o restante da área do estuário, que apresenta a formação de algumas barras laterais ao longo do canal. E maior deposição de sedimentos na foz do rio, ponto que também está destacado na figura. Além disso, destaca-se também que o canal de desembocadura do rio está tendendo a se fechar. Isto é, existe a possibilidade de que no futuro a restinga tenha as suas duas extremidades conectadas a terra firme. A depender da dinâmica de precipitação dos próximos anos.

Figura 1

imagens de satélite da zona estuarina do rio Una nos anos de 2007 e 2009. Fonte: Google Earth Pró, 2017

Figura 2

imagens de satélite da zona estuarina do rio Una nos anos de 2014 e 2016. Fonte: Google Earth Pró, 2017.

Considerações Finais

Considerando os processos morfoesculturadores presentes na foz do rio Una e analisando as formas existentes no estuário, podemos traçar um perfil do local a partir das formas em evidência. A partir das imagens de satélite e das visitas feitas in loco constatou-se uma evolução gradativa da restinga presente na foz do rio, ora presa a costa, ora totalmente desprendida formando uma “ilha barreira” como já foi constatado anteriormente. Tratar de morfoesculturas é, antes de tudo, tratar de movimentos naturais e contínuos. Sendo assim, pode-se afirmar que as mudanças das estruturas - potencializadas por ações antrópicas, ou não - continuarão ocorrendo e alterando a paisagem de diversas maneiras. Desta forma, criar cenários possíveis a partir do avanço da restinga não seria um equívoco, porém, será necessário um estudo mais profundo que considere fatores que vão desde a retenção (ou depósito via ação humana) de sedimentos, eventos pluviais regulares ou espaçados e até a carga sedimentar marinha, provando ou não, a capacidade do estuário do rio Una de evoluir para um complexo estuarino lagunar. De forma geral, a metodologia estabelecida mostrou-se eficaz em seu objetivo de identificar as feições geomorfológicas presentes na área de estuário do rio Una e analisar os atuais processos morfoesculturadores existentes.

Agradecimentos

Referências

ARAÚJO FILHO, et al. Levantamento de reconhecimento de baixa e média intensidade dos solos do estado de Pernambuco. Rio de Janeiro: EMBRAPA, 2000.

CPRM. Mapa Geodiversidade do Estado de Pernambuco. Brasil: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, 2014. Disponível em:

GUERRA, A. J. T., CUNHA, S. B. C. Geomorfologia: Uma Atualização de Bases e Conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

MANSO, et al. Pernambuco. In: Erosão e Progradação do Litoral Brasileiro. Dieter Muehe (org.). Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2006. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sqa_sigercom/_arquivos/pe_erosao.pdf> Acesso em: 04/05/2017.

SANTOS et al. Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos. 3ª Ed. Revisada e Ampliada. Brasília: EMBRAPA, 2013.

SILVA, et al. Mapa exploratório-reconhecimento de solos do município de Barreiros, PE. Recife: EMBRAPA, 2001.

SILVA, et al. Classificação geomorfológica dos estuários do estado de Pernambuco (Brasil) com base em imagens de satélite. Anais do IV Congreso Argentino de Cuaternario y Geomorofología, XII Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário y II Reunión sobre el Cuaternario de America del Sur. La Plata: Universidade Nacional de La Plata, 2009.