Autores

Almeida Neto, J.O. (UFJF) ; Silva, S.V. (UFJF) ; Felippe, M.F. (UFJF)

Resumo

Índices morfométricos de bacias hidrográficas permitem quantificar e/ou enquadrar, qualitativamente, a configuração dos elementos do modelado superficial que geram sua expressão e configuração espacial. Diante disto, procurando elucidar a distribuição do coeficiente de manutenção (Cm) ao longo da Serra da Mantiqueira mineira, o presente artigo busca associar a distribuição espacial das classes deste parâmetro morfométrico com as diferentes unidades litológicas mapeadas em cabeceiras de drenagem. Os maiores valores de Cm se encontram no Grupo Raposo (21,323) e Grupo Andrelândia (12,379), estando localizadas, respectivamente, no setor norte (gnaisse) e no setor central (quartzito). O valor médio do coeficiente de manutenção para as cabeceiras de drenagem é de 0,476, podendo ser atrelado à heterogeneidade das características fisiográficas e diferentes resistências litológicas aos processos de erosão e intemperismo.

Palavras chaves

Morfometria; Mantiqueira; Cabeceira de drenagem

Introdução

A Serra da Mantiqueira se estende do estado de São Paulo até Espírito Santo, sendo o segundo degrau orográfico do Planalto Brasileiro e um dos mais elevados compartimentos da porção oriental do Escudo Brasileiro. É caracterizada como agrupamento de serras alongadas com orientação preferencial SSW-NNE, com escarpas frontais correspondentes às principais zonas de cisalhamento. A morfogênese da Serra da Mantiqueira e da Serra do Mar são cronocorrelatas, sendo o início do processo datado no período Paleoceno, com a deriva da Placa Sul-Americana para o Oeste e que culminou na elevação de dois compartimentos (horst) separados pelo graben do Rio Paraíba do Sul. O relevo da Serra da Mantiqueira se desenvolveu sob rochas cristalinas, como granitos, gnaisses, xistos e sienitos (RICCOMINI,1989;SAADI,1991;ALMEIDA,1998;MARQUES NETO,2012;MARQUES NETO;PEREZ FILHO;OLIVEIRA,2015). A Serra da Mantiqueira em sua porção mineira se projeta como um importante interflúvio regional, separando as bacias hidrográficas do rio Doce, rio Grande e rio Paraíba do Sul. As cabeceiras de drenagem que compõem essa importante unidade do relevo, bem como os canais de pequena hierarquia fluvial, ainda carecem de estudos para melhor compreender sua dinâmica e evolução (KNIGHTON,1984;FELIPPE,2013). Uma das possibilidades de exploração dessa lacuna é o conjunto de técnicas de análise do relevo via geotecnologias. A análise morfométrica de bacias hidrográficas procura quantificar e/ou enquadrar, qualitativamente, a configuração dos elementos do modelado superficial que geram sua expressão e configuração espacial. Nas últimas décadas, esse tipo de análise vem ganhando mais precisão, haja visto a evolução dos métodos científicos de mensuração, análise e modelagem dos sistemas ambientais. (CHRISTOFOLETTI,1999;CHEREM,2008).Neste sentido, o coeficiente de manutenção se inscreve como um importante parâmetro morfométrico para a interpretação de bacias hidrográficas, visto que ele corresponde a área de acumulação necessária para a formação de um canal de fluxo perene (SCHUMM,1956;CHRISTOFOLETTI,1980;CHEREM,2008).Devida a facilidade no cálculo desse parâmetro morfométrico ele é recorrentemente encontrado na literatura especializada, geralmente associado à comparação entre bacias (MARTINI,2012;LAVARINI;MAGALHÃES JR.,2013;FONSECA;AUGUSTIN,2014) ou à discussão entre escoamento superficial e erosão das coberturas superficiais (ALMEIDA et al,2013;MENEZES et al,2014;SAMPAIO;CORDEIRO;BASTOS,2016;).O presente trabalho visa analisar a distribuição do coeficiente de manutenção ao longo da Serra da Mantiqueira mineira, buscando associar a distribuição espacial das classes deste parâmetro morfométrico com as diferentes unidades litológicas mapeadas (CODEMIG,2014).

Material e métodos

A primeira etapa realizada foi a aquisição e organização das bases cartográficas. Foram utilizados dados referentes a unidades de relevo do território brasileiro (IBGE,2006), imagens SRTM (Shuttle Radar Topography Mission,2009), as bacias ottocodificadas e hidrografia do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM,2010), limites municipais do Brasil (PNLT,2010) e o mapa geológico (CODEMIG,2014).No ArcGIS 10.3.1 (Esri), foi selecionada a porção mineira da Serra da Mantiqueira. Em seguida, a foi feita a seleção das bacias e dos canais de primeira ordem utilizando dados referentes às bacias do rio Grande, rio Paraíba do Sul, rio Piracicaba e Jaguari, rio Itapapoana, rio Itapemirim e do rio Doce, nas escalas de 1:50.000 – excetuando-se a porção norte da bacia do rio Doce que foi mapeada na escala de 1:100.000. A seleção foi realizada utilizando linguagem ‘SQL’. Após a seleção, foram recortados os dados que pertenciam a unidade Serra da Mantiqueira mineira.Logo em seguida, foram realizados os cálculos da densidade de drenagem e do coeficiente de manutenção, conforme as Fórmulas 1 e 2.(Fórmula 1) Dd=L/A, onde: Dd – densidade de drenagem;L – comprimento total dos canais de drenagem;A – área da bacia. (Fórmula 2) Cm=1/Dd, onde: Cm – Coeficiente de manutenção;Dd – Densidade de drenagem.O tratamento estatístico foi feito no software Excel 2016®, em concordância com Rogerson(2012).

Resultado e discussão

O coeficiente de manutenção calculado é apresentado na Figura 1. Pode-se averiguar uma grande diversidade na distribuição ao longo da Serra da Mantiqueira mineira. Dias et al (2016) já indicaram que o setor sul apresenta zonas com menores de menor capacidade de formação de canais, levantando a hipótese de que este fato está atrelado a um controle litológico.No intuito de verificar a assertividade da hipótese, foi gerado o mapa de unidades litológicas usando o mapeamento da Codemig (2014) para a área de estudo (Figura 2). No setor norte da Serra da Mantiqueira Mineira foram encontradas vinte e cinco unidades, sendo elas: Anfibólito; Complexo Ipanema; Complexo Juiz de Fora; Complexo Mantiqueira; Complexo Pocrane; Complexo Quirino; Complexo São Sebastião do Soberbo; Depósito Aluvial; Granito São José da Soledade; Granitóide Córrego do Cerca; Grupo Raposo; Grupo Rio Doce; Metaultramáfica; Suíte Aimorés; Suíte Alcalina da Mantiqueira; Suíte Brás Pires; Suíte Caparaó; Suíte Galiléia; Suíte Leopoldina; Suíte Pangarito; Suíte Santo Antônio do Grama; Suíte São Bento dos Torres; Suíte São João da Sapucaia; Suíte Serra dos Toledos e; Tonalito Vermelho Novo.No setor central foram encontradas treze unidades litológicas, sendo elas: Anfibólito, Charnockito Fazenda Barão; Charnockito Juiz de Fora; Complexo Mantiqueira; Depósito Aluvial; Grupo Andrelândia; Grupo Raposo; Leucogranito Capivara; Peridotito Lima Duarte; Suíte Leopoldina; Suíte Maromba; Suíte Matias Barbosa e; Tonalito Pirapetinga.Já no setor sul foram mapeadas vinte e duas unidades litológicas, a saber: Charnockito sem denominação; Complexo Amparo; Complexo Mantiqueira; Complexo Varginha- Guaxupé; Depósito Aluvial; Formação Eleutério; Granito Gonçalves; Granito Martins; Granito Marmelópolis; Granito Serra da Pedra Branca; Granito Serra do Alto da Pedra; Granito Serra do Lopo; Granito Tipo S; Granitóide Piracaia; Grupo Andrelândia; Grupo Itapira; Leucogranito Capivara; Ortognaisse Serra Negra; Suíte Bragança Paulista; Suíte Intrusiva Alcalina; Suíte Maromba e; Suíte Pinhal.Para analisar a distribuição do coeficiente de manutenção por unidade litológica foi feita a estatística descritiva dos dados, conforme Tabela 1.Podemos observar que os maiores coeficientes de manutenção se encontram no Grupo Raposo e Grupo Andrelândia, estando localizadas, respectivamente, no setor norte (gnaisse) e no setor central (quartzito). A unidade litológica com o maior coeficiente de manutenção médio é o Granito Serra do Lopo (0,816) e a menor Ortognaisse Serra Negra (0,287). O valor médio do coeficiente de manutenção para as cabeceiras de drenagem da Serra da Mantiqueira mineira é de 0,476. Dá respaldo a esses resultados, a friabilidade do granito e sua menor resistência aos processos de intemperismo químico quando comparado às demais litologias (sobretudo as metamórficas) encontradas na Mantiqueira. Contudo, os valores médios dos Cm mostram pouca variação entre as unidades, o que não é verdade quando se observa os valores absolutos. Isso pode estar associado à escala do mapeamento geológico ou a intercalação de diferentes litotipos em uma mesma unidade. A Serra da Mantiqueira mineira conta com 56.773 bacias de primeira ordem. O limite superior de outliers calculado é de 0,844559. Foram registrados 3.085 outliers, estando fortemente concentrados no setor norte (2.083 casos), seguidos pelo setor sul (767 casos) e pelo setor central (235 casos). Os outliers estão concentrados nas seguintes unidades litológicas: Complexo Varginha-Guaxupé (14,92%); Grupo Andrelândia (13,85%); Complexo Juiz de Fora (12,23%) e; Complexo Mantiqueira (9,03%). O tamanho médio das bacias do setor norte é de 0,423 Km² (Cm 0,495), já no setor central com 0,276 Km² (Cm médio 0,447), enquanto o setor sul 0,314 Km² (Cm médio 0,46). Com isso, pode-se inferir que o setor central, mesmo tendo a menor área, apresenta o maior tamanho médio de canais; já o setor norte apresenta o menor tamanho médio dos canais.

Figura 1: Distribuição espacial do coeficiente de manutenção ao longo

Fonte: os autores

Figura 2: Mapa de unidades litológicas.

Fonte: os autores

Tabela 1: Estatística descritiva.

Fonte: os autores

Considerações Finais

As cabeceiras de drenagem da Serra da Mantiqueira mineira apresentam heterogeneidade em suas características fisiográficas, o que engendra uma grande variação na distribuição espacial do coeficiente de manutenção. Muito provavelmente, as diferentes resistências litológicas aos processos de erosão e intemperismo, respondem por esse fato. Todavia, não se pode negar a possibilidade de estruturas geológicas (ativas ou inativas) colaborarem para essa complexidade. Seria precoce buscar alinhavar diretamente as unidades geológicas mapeadas com a formação de canais apenas utilizando-se do coeficiente de manutenção. Apesar de um parâmetro morfométrico muito elucidativo, ele mascara o efeito topográfico e a dinâmica subterrânea da água. Ainda assim, esse parece ser um interessante caminho a seguir para compreender a formação de canais na Mantiqueira. Investigar detalhadamente os setores em que os resultados denotam maior ou menor incisão da drenagem, buscando as causas dessas diferenças é um passo futuro de grande importância. Incorporar interpretações de campo e análises laboratoriais pode ser a chave para desvelar essa complexidade. Contudo, este trabalho cumpre sua função de evidenciar a heterogeneidade da capacidade de formação de canais do relevo da Serra da Mantiqueira, abrindo a possibilidade para futuras investigações de maior amplitude.

Agradecimentos

Referências

ALMEIDA, F. F. F.;CARNEIRO, C. R.; Origem e Evolução da Serra do Mar. Revista Brasileira de Geociências. junho de 1998. p. 135-150.
ALMEIDA, W. S.; SOUZA, N. M.; REIS JR., D. S.; CARVALHO, J. C. Análise Morfométrica em Bacias Hidrográficas Fluviais como Indicadores de Processos Erosivos e Aporte de Sedimentos no Entorno do Reservatório da Usina Hidrelétrica (UH) Corumbá IV. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 14, n. 2, p. 135-149, 2013.
CHEREM, L. F. S. Análise Morfométrica da Bacia do Alto Rio das Velhas – MG. 2008. 96 f. Dissertação (Mestrado em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais)- Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Blucher, 1980.
______. Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo, Blucher, 1999.
DIAS, J. S.; NETO, J. O. A; TAVARES, C. M. G.; FELIPPE, M. F. Distribuição do Coeficiente de Manutenção em Cabeceiras de Drenagem na Serra da Mantiqueira Mineira. In: Simpósio Nacional de Geomorfologia, XI, 2016. Maringá. Anais... Maringá: UEM, 2016.
FELIPPE, M. F. Gênese e Dinâmica de Nascentes. 2013. 252 f. Tese (Doutorado em Geografia)- Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
FONSECA, B. M.; AUGUSTIN, C. H. R. R. Análise Morfométrica de Bacias de Drenagem e sua Relação com a Estrutura Geológica, Serra do Espinhaço Meridional-MG. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 15, n.2, p. 153-172, 2014.
KNIGHTON, D. Fluvial forms and processes. London:Routledge,1984.
LAVARINI, C;MAGALHÃES JR.; A. P. Análise Morfométrica de Bacias de Cabeceira como Ferramenta de Investigação Geomorfológica em Média e Larga-Escala Espacial. Revista Brasileira de Geomorfologia, v.14, n. 1, p. 35-46, 2013.
MARQUES NETO, R. Estudo Evolutivo do Sistema Morfoclimático e Morfotectônico da Bacia do Rio Verde (MG), Sudeste do Brasil. 2012. 429f. Tese (Doutorado em Geografia)- Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012.
______; PEREZ FILHO, A.; OLIVEIRA, T. A. Itatiaia Massif: Morphogenesis of Southeastern Brazilian Highlands. In: VIEIRA, B. C.;SALGADO, A. A. R.; SANTOS, L. J. C. (Org.). Landscapes and Landforms of Brazil. Dordrecht: Springer, 2015.
MARTINI, L. C. P. Características Morfométricas de Microbacias Hidrográficas Rurais de Santa Catarina. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 13, n. 1, p. 65-72, 2012.
MENEZES, J. P. C.;FRANCO, C. S.;OLIVEIRA, L. F. C.;BITTENCOURT, R. P.;FARIAS, M. S; FIA, R. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 15, n. 2, p. 659-672, 2014.
PNLT – Plano Nacional de Logística e Transporte. Bases cartográficas. 2010.
ROGERSON, P. A. Métodos Estatísticos para a geografia: um guia para o estudante. 7. ed. Porto Alegre:Bookman, 2012.
SAMPAIO, A. C. P.;CORDEIRO, A. M. N.;BASTOS, F. H. Susceptibilidade à Erosão Relacionada ao Escoamento Superficial na Sub-Bacia do Alto Mundaú, Ceará, Brasil. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 9, n.1, p. 125-143, 2016.
SRTM – Shuttle Radar Topography Mission, 2009.
SCHUMM, S. A. Evolution of drainage systems and slopes in badlands at Perth Amboy. Geological Society of America Bulletin, N. Jersey, v.67, p.597-646, 1956.
SAADI, A. Ensaio sobre a morfotectônica de Minas Gerais: tensões intraplaca, descontinuidades crustais e morfogênese. Tese (Professor Titular), Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, 1991
RICCOMINI C. O rift continental do sudeste do Brasil. Tese (doutorado), Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 1989.