Autores

Ferreira de Oliveira, G. (UFRJ) ; Nunes de Souza Lima, R. (UFRJ) ; dos Santos Marçal, M. (UFRJ)

Resumo

No que se refere à morfologia dos rios, o grau de confinamento imposto pelo vale será um dos parâmetros regionais e um controle primário, juntamente com o gradiente do canal, descarga e o regime de sedimentos. Visto isso, o presente trabalho apresentou uma caracterização das tipologias de vale do rio São João e seus principais afluentes, bem como sua distribuição espacial na bacia. Como resultado, constatou-se que tanto o vale do rio São João, como seus principais tributários apresentam vales lateralmente não confinados. Trechos confinados e parcialmente confinados restringem-se aos domínios de morros e serras. Desse modo, a bacia configura-se como uma área restrita de produção de sedimentos, dominada por extensas redes de planícies de inundação, por onde se estabelecem ambientes fluviais com características deposicionais e de transferência de sedimentos.

Palavras chaves

Confinamento em vales; Estilos Fluviais; Rio São João

Introdução

Os Sistemas Fluviais são ambientes que integram e conectam compartimentos distintos da paisagem através da propagação de energia e materiais, que interagindo espacialmente, determinam fluxos de sedimentos, água e nutrientes (SOTCHAVA, 1977). Nesta abordagem, a idéia de sistema fluvial engloba não somente os fluxos nos canais, mas também toda a rede de drenagem, incluindo as áreas de deposição (planícies, deltas e leques aluviais) e áreas formadoras de escoamento superficial e sedimentos (CHORLEY e KENNEDY, 1971). Em vista disso, em sistemas fluviais, a complexidade de processos geomorfológicos, hidrológicos e bióticos operando sobre múltiplas escalas espaciais e temporais produzem notável diversidade de ambientes ribeirinhos (POOLE, 2002; BRIERLEY e FRYIRS, 2005). Na escala de análise do canal fluvial, parâmetros como a morfologia do rio, características dos sedimentos, regime de fluxo e a vegetação ripária são dinamicamente relacionadas, de maneira que, a modificação em uma variável pode conduzir à ajustes em outras variáveis, em diferentes partes do sistema fluvial. Deste modo, em sistemas fluviais, a complexidade de processos geomorfológicos, hidrológicos e bióticos operando sobre múltiplas escalas espaciais e temporais produzem notável diversidade de ambientes ribeirinhos (POOLE, 2002; BRIERLEY e FRYIRS, 2005; MARÇAL et al., 2017). Esta dinâmica pode impactar direta ou indiretamente na disponibilidade de habitats, na viabilidade e funcionamento dos ecossistemas aquáticos. Sobre a morfologia do rio, o grau de confinamento imposto pelo vale será um dos parâmetros regionais e controle primário, juntamente com o gradiente do canal, descarga e o regime de sedimentos. Neste sentido, o mapeamento da tipologia de um vale refere-se ao grau de confinamento que um canal possui em relação ao seu vale, permitindo analisar a ocorrência e distribuição das planícies de inundação, ao longo do curso dos rios (Brierley e Fryirs, 2005). A existência de diferentes definições e metodologias para interpretação da configuração de vale, verifica-se, muitas,vezes imprecisões nas análises de mapeamento. O objetivo do trabalho é apresentar a caracterização das tipologias de vale presentes no rio São João e de seus principais afluentes, localizado no estado do Rio de Janeiro, além de apresentar os padrões de tipologias no contexto da sua bacia. A bacia tem área de 2.160 km² e o rio principal, com mesmo nome, nasce na Serra do Mar em altitude de 771 m, próximo à área de proteção ambiental de Macaé de Cima, nos limites entre os municípios de Silva Jardim, Nova Friburgo e Cachoeiras de Macacu. A bacia do rio São João está inserida na região de baixada litorânea do Estado do Rio de Janeiro e apresenta uma grande importância para a Região dos Lagos, no que se refere ao abastecimento de água, sendo um dos motivos para a realização de diversas obras, como a construção de canais de drenagens de corpos hídricos e áreas úmidas, as retificações no rio São João e a construção da barragem Juturnaíba, em meados da década de 70 e 80 como aponta SEABRA (2013). Os afluentes pela margem esquerda do rio São João são os rios Panelas, São Lourenço, Águas Claras, dos Pirineus ou Crubixais, Bananeiras e Riachão, o córrego do Espinho, os rios Maratuã, Indaiaçu, Aldeia Velha, Dourado e Lontra e as valas dos meros, dos Medeiros e da Ponte Grande. Pela margem direita desaguam os rios Gaviões, do Ouro, os córregos Cambucás, Salto D´água, e Ramiro, os rios Morto e Camarupi, as valas do Consórcio, Jacaré e Pedras e por fim o rio Gargoá.

Material e métodos

Nesta pesquisa o confinamento do Vale foi definido em três classes com base na análise do grau de confinamento proposto por BRIERLEY E FRIRYS (2005), onde confinamento é a percentagem do comprimento de um segmento do rio em contato com o vale. Nesta definição o canal é considerado confinado quando qualquer margem do canal apoia-se na margem do vale, podendo ser constituída por substrato rochoso, material coeso (colúvios e terraços) ou por estruturas antrópicas, não sendo necessário contato de ambas as margens. O vale de característica confinado indica mais de 90% do comprimento do canal apoiado na margem de fundo do vale. Parcialmente confinado, indica formação de planícies descontínuas, sinuosas, irregulares e assimétricas. Nesses trechos do rio 10-90% incidem diretamente sobre rochas ou material coeso. Lateralmente não confinado indica maior capacidade de ajuste do canal e instabilidade das margens devido à ausência de controles litológicos. São geradas nesses trechos feições morfológicas como barras e ilhas arenosas, onde menos de 10% do trecho do rio está apoiado no substrato rochoso ou em terraços, apresentando planícies contínuas e extensas. Deste modo, as margens do vale são definidas como os limites entre a encosta (rocha, terraço ou colúvio) e os depósitos de sedimentos aluviais do canal ativo e da planície de inundação atual. Os limites destes sedimentos aluviais do canal ativo e da planície de inundação atual compõem a margem do fundo de vale, que pode coincidir com a margem de vale ou com outras características de confinamento, como terraços e leques aluviais. A margem de confinamento é definida como qualquer segmento do leito do rio que colide contra uma margem do vale, margem do fundo de vale, ou margem antropogênica. Margens confinantes são aquelas que restringem o ajuste lateral de um canal (NICOLL E HICKIN, 2010). A partir das imagens de satélite obtidas no programa ‘Google Earth Pro’ foram mapeados o canal principal do rio São João e seus tributários. Estes arquivos foram retrabalhados no ‘ArcGis 10.3’, onde junto aos shapes de Compartimentação Geomorfológica do Estado do Rio de Janeiro (SILVA,2000) e de Hipsometria do Estado do Rio de Janeiro (IBGE), foram delimitados os limites da margem do vale do Rio São João, e também seu fundo de vale, bem como os limites da sua bacia e sub-bacias. A partir destes limites, foi possível identificar os trechos onde as margens dos rios colidiam com as margens do vale ou as margens de fundo de vale (podendo ser uma margem ou ambas), gerando pontos de constrição/confinamento, que limitam o grau de liberdade e meandramento do rio no vale. A próxima etapa foi à confecção do mapa identificando os graus de confinamento do rio principal e seus afluentes, a fim de identificar possíveis padrões de confinamento e entender a sua configuração. A partir da base topográfica 1:25.000 (IBGE/SEA 2005) foi gerado através da ferramenta 3DAnalyst do ArcGis 10.3 o perfil longitudinal do rio São João e as médias das medidas de largura do vale e largura do canal do rio São João, com o intuito de montar o desenho esquemático de confinamento, mostrando o grau de confinamento do rio ao longo do seu perfil longitudinal, além da delimitação das unidades de relevo em cada trecho, identificadas através de imagens de satélite.

Resultado e discussão

De acordo com Dantas (2001), a área de estudo está inserida em dois domínios morfoestruturais (Cinturão Orogênico do Atlântico e Bacias Sedimentares Cenozoicas), abrangendo cinco domínios morfoesculturais (Maciços Costeiros e Interiores, Maciços Alcalinos Intrusivos, Superfícies aplainadas nas Baixadas Litorâneas, Escarpas Serranas, e Planícies Flúvio-Marinhas), e dez sistemas de relevo (Planície Aluvial, Planície Costeira, Planície Flúvio- Lagunar, Domínio Suave Colinoso, Domínio Colinoso, Alinhamentos Serranos e Degraus Estruturais,Maciços Intrusivos Alcalinos, Maciços Costeiros e Interiores, Escarpas Serranas, e Domínio Montanhoso). Após a realização do mapeamento do canal principal e de seus principais afluentes, foi possível identificar padrões de confinamento dos vales presentes na bacia do rio São João. No canal principal, o padrão de confinamento é muito bem delimitado, tendo a sua nascente presente em um vale confinado, passando para um vale parcialmente confinado, em seguida para um vale lateralmente não confinado, voltando a uma configuração parcialmente confinada e por fim, abrindo em um vale lateralmente não confinado, como pode ser visto no mapa de confinamento na escala da bacia do rio São João (Figura 1). A partir deste mapa de confinamento, também é possível notar padrões no grau de confinamento, no que se refere aos principais tributários, tanto à montante do rio São João, onde estes passam de configurações confinadas, para parcialmente confinadas e conectam ao São João em configurações lateralmente não confinadas, mas também à jusante,com uma notável diminuição ou até mesmo uma ausência de configurações de vales confinados, devido a uma maior suavização do relevo presente, marcado pela ocorrência de planícies fluviais com morros e colinas mais espaçados.Em relação ao São João, no seu trecho confinado, o curso flui encaixado em áreas escarpadas, sem a presença visível de nenhuma unidade geomorfológica no canal nem a presença de planícies de inundação, com uma grande declividade em seu perfil longitudinal. Ao final deste trecho confinado, tem-se o inicio de uma mudança na configuração do vale e uma diminuição da declividade do rio, que se manterá com pouca variação até a sua desembocadura. Esta área, parcialmente confinada, localizada em uma zona de escarpas isoladas, proporciona uma maior abertura do vale, onde o canal começa a meandrar e a mobilizar sedimentos, podendo também erodir as encostas, possibilitando a formação de planícies de inundação descontínuas, com notável influência da forma em planta do vale no comportamento do rio.As áreas de constrição se dão principalmente pela sua margem esquerda, onde o canal colide frequentemente à margem esquerda do vale, restringindo a sua movimentação no fundo do vale. Mais a jusante, tem se o segundo limite estabelecido, ao qual o vale apresenta um perfil lateralmente não confinado, coincidindo com o começo de uma planície fluvial e com uma significativa abertura de vale, proporcionando um maior potencial de ajuste natural do canal principal, tanto lateralmente quanto verticalmente, possibilitando a formação de unidades geomorfológicas dentro do canal e nas suas planícies de inundação, como barras laterais, longitudinais, soleiras, praias fluviais e planícies de inundação contínuas, porém, dentro deste trecho lateralmente não confinado, estão presentes trechos retificados, onde as margens do canal foram modificadas artificialmente (antrópicas), alterando no grau de liberdade do rio de forma não natural. Mais a jusante, o rio percorre um trecho entre morros e colinas, colidindo suas margens contra ás margens do vale, sendo caracterizado como um trecho parcialmente confinado, tendo uma perda no seu grau de liberdade, sendo novamente controlado pela forma em planta do vale, onde o canal meandra e colide frequentemente estas unidades de relevo pela margem esquerda. Por fim, o vale retoma sua característica lateralmente não confinada, onde seu curso encontra a lagoa Jurtunaíba e volta a fluir em direção a zona litorânea em um vale esparso, sendo a maior parte deste trecho retificada, onde é possível identificar inúmeras marcas de canais pretéritos referentes aos fluxos anteriores às retificações. O rio São João apresenta 1% do seu comprimento o caráter confinado, 26,3% parcialmente confinado e 72,7% do seu comprimento lateralmente não confinado. Todas estas informações se apresentam sintetizadas na apresentação esquemática do rio São João (Figura 2).

Figura 1

Mapa de confinamento da bacia do rio São João

figura 2

Apresentação esquemática do rio São João

Considerações Finais

Após a realização deste mapeamento, foi possível constatar que tanto o vale da bacia do rio São João, quanto os vales de suas subbacias apresentam uma configuração de vale com características lateralmente não confinadas muito mais presentes proporcionalmente, o que permite aos canais uma maior capacidade de ajuste natural, o que explica a quantidade de intervenções antrópicas como as retificações e a própria lagoa do Jurtunaíba, como uma tentativa de controle do grau de liberdade destes canais, além dos interesses políticos e econômicos da retificação. Porém, com este mapeamento e analisando as imagens de satélite, é possível notar que alguns canais já estão se regulando aos limites impostos por estas margens artificiais, deixando o seguinte questionamento: quanto tempo levará para estes rios retomarem a sua condição natural?

Agradecimentos

Referências

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