Autores

Cabral, J.F. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS) ; Silva, C.B. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS) ; Santos, D. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS) ; Cabral, J.F. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS) ; Ferro, A.P.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS)

Resumo

Esse trabalho tem por objetivo analisar as formas de uso dos recursos naturais e os processos de degradação do meio físico no alto curso da bacia hidrográfica do rio Traipú, inserida na região semiárida dos estados de Pernambuco e Alagoas. Nesse, busca-se ainda caracterizar os principais elementos que constituem a paisagem como as feições geomorfológicas e a vegetação. A metodologia utilizada no desenvolvimento da pesquisa refere-se, especificamente, a análise bibliográfica, visitas a campo e analise espacial de informações a partir de dados georreferênciado. Como resultados constatou-se que o alto curso do rio Traipú apresenta sérios problemas ambientais principalmente àqueles resultantes da degradação e/ou ausência da vegetação. Solo exposto, uso e ocupação de áreas de vertentes e desmatamento da caatinga, bioma endêmico do Nordeste brasileiro, apresentam-se como os principais agentes danosos ao sistema fluvial.

Palavras chaves

Degradação Ambiental; Bacia Hidrográfica; Geomorfologia

Introdução

O uso cada vez mais intenso dos recursos naturais pela sociedade tem causado sérios danos ao ambiente, provocando perdas econômicas e sociais diversas. Essas perdas estão relacionadas diretamente a ausência de estratégias de planejamento e gestão do território e uso indiscriminado dos recursos naturais. Esse processo de degradação e perda socioambiental tende a ser intensificado em ambientes com alto nível de fragilidade como encostas, vertentes, vales fluviais e ambientes em condições áridas e semiáridas. Os estudos ambientais que utilizam as bacias hidrográficas como limites territoriais compreendem um conjunto de elementos naturais e suas interações. As suas características fisiográficas refletem o comportamento dos cursos d’água locais. Desta forma pode-se entender as bacias hidrográficas, de qualquer hierarquia, compreendem as áreas da superfície terrestre drenada por um rio principal e seus tributários, essas bacias são formadas por um sistema de vertentes que convergem para um único ponto de saída (CHRISTOFOLETTI, 1980; BOTELHO e SILVA, 2010). Compreendida como um sistema aberto, as bacias hidrográficas ou de drenagem representam a área de captação natural das precipitações, além disso, é base para o desenvolvimento das atividades humanas e representam a interação da sociedade com o meio físico. No semiárido brasileiro, a água desempenha um papel ainda mais importante para o desenvolvimento e manutenção das atividades humanas. O caminho das águas do semiárido cíclico e extremamente irregular requer estratégias especificas para a manutenção das atividades econômicas locais. O não entendimento dessas especificidades faz com que ao longo dos anos o nordestino buscasse longe de suas terras alternativas de sobrevivência. Novas perspectivas na busca de uma convivência com as questões climáticas e naturais dessa região se fazem necessária. Mas, não é o que se encontra na área estudada, o uso das terras e a apropriação desse território se dá em moldes que remontam ao período de colonização, apenas com a inserção de uma mecanização e de insumos ainda mais degradantes ao ambiente. Sem formas corretivas de manejo vem provocando ao longo tempo sérios danos ao ambiente, resultando em perdas ecológicas como reflexo do uso e ocupação de forma desordenada e inconsequente. A partir dessas discussões, esse trabalho tem como objetivo analisar o uso dos recursos naturais e os processos de degradação do meio físico no alto curso da bacia hidrográfica do rio Traipú entre os estados de Pernambuco e Alagoas. Para o desenvolvimento da pesquisa buscou-se aprofundamento nas discursões referentes a ambientes fluviais em condições de semiaridez, uso dos recursos naturais e degradação. As atividades de campo foram base para alcançar os resultados, pois permitem compreender, de maneira prática, a organização do ambiente e os reflexos da ação humana sobre a paisagem.

Material e métodos

A bacia hidrográfica do rio Traipú nasce no estado de Pernambuco e converge suas águas para o rio São Francisco, no estado de Alagoas entre as coordenadas extremas 9°00’ e 10°08’ de latitude Sul, e 36°39’ e 37°07’ de longitude W. A área de influência dessa bacia compreende um município no estado de Pernambuco e dezesseis no estado de Alagoas, drenando aproximadamente 2.831 km². O alto curso do rio Traipú está localizado no município de Bom Conselho no estado de Pernambuco e nos municípios de Minador do Negrão, Estrela de Alagoas, Cacimbinhas e Palmeira dos Índios no estado de Alagoas. Essa área, assim como o restante da bacia, está inserida no domínio semiárido, com rios/riachos intermitentes, leitos rasos e pedregosos, característica litológica típica da região. A paisagem local é definida por duas estruturas da geomorfologia regional do Nordeste brasileiro: o planalto da Borborema e a depressão sertaneja do São Francisco. O primeiro domínio define os divisores topográficos da bacia, com encostas e escarpas bem definidas. O segundo representa áreas levemente aplainadas que tende a se acentuar à medida que se afasta do planalto e dos divisores topográficos. Para o desenvolvimento do trabalho foi utilizado um levantamento bibliográfico, priorizando as discussões referentes a análise ambiental e caracterização de sistemas fluviais (CHRISTOFOLETTI, 1980; BOTELHO e SILVA, 2010; ROSS, 2006) e uso dos recursos naturais em condições de semiaridez (AB’SABER, 1999; NASCIMENTO, 2013; MACIEL E PONTES, 2015). Os trabalhos de campo objetivaram analisar a realidade do alto curso do rio Traipú, com registro das características locais e coleta das coordenadas geográficas e demais informações pertinentes ao estudo, através de caderneta de campo e de registros fotográficos. Para Marcos (2006, p. 106) o trabalho de campo deve ser entendido como “um instrumento de pesquisa dos mais importantes para a produção do conhecimento geográfico, momento em que o tema de estudo se desvenda diante dos olhos e obriga a estarmos atentos, de modo a que nada fuja à investigação”. Essas análises de campo permitem a articulação entre teoria e prática, por tanto, representa o momento de produção do conhecimento. A delimitação da área de estudo e as análises espaciais das informações coletadas foram realizadas no software QGIS (2.8.0), e permitiram identificar como os recursos naturais são usados e sua distribuição geográfica na bacia hidrográfica. Com essas informações foi possível compreender, também, a forma como as atividades econômicas que se mantém de forma cristalizada no semiárido. Mas, que tem alterações no modo de produção, com a inserção da mecanização e de insumos agrícolas, que disseminam e intensificam mais ainda os impactos ambientais, principalmente aqueles referentes aos processos de uso e ocupação da terra.

Resultado e discussão

Em um contexto histórico-geográfico, o povoamento na bacia do Rio Traipú (Figura 01) teve início no século XVII, tendo as fazendas de gado como o principal vetor de crescimento econômico nesta área. De modo geral estas terras eram originalmente habitadas por indígenas, sendo expropriadas destes à medida que avançava o processo de expansão das fazendas e das trilhas que se alargavam nas proximidades do rio São Francisco. Segundo Araújo Filho, é possível deduzir que o processo de ocupação do solo no Nordeste semiárido “teve por fundamento, na maioria dos casos, o extrativismo predatório desse importante recurso natural, que agora se reflete no avanço dos processos de desertificação dos sertões nordestinos”. (2002, p. 330). O uso dos recursos naturais no alto curso da bacia hidrográfica do rio Traipú compreende o reflexo de um cenário regional que não apresenta grandes alterações ao longo do tempo. Atualmente, as grandes propriedades onde é desenvolvida a pecuária extensiva compreende a maior parte das terras do alto curso do rio Traipú e de seus afluentes, associando a agricultura de subsistência desenvolvida em áreas úmidas e com solos mais profundos, próximo aos canais de drenagem. No período de estiagens prolongadas o leito dos rios/riachos formadores da bacia é intensamente utilizado pela pecuária, pois constituem áreas onde a umidade possibilita o desenvolvimento de gramíneas e outras plantas, que passam a ser as poucas fontes de alimentação natural em períodos de seca prolongada. A propósito, as formas mais intensas de uso e ocupação das terras ocorrem nas proximidades dos canais de drenagem, seja pela agricultura de subsistência, seja pela pecuária. Esse uso indiscriminado acarreta em processos de desmatamento e queimadas, deixando os solos empobrecidos e desprotegidos. Mesmo os rios/riachos não apresentando fluxo superficial de água contínuo, estes constituem espaços ricos em umidade e garantem a manutenção da agropecuária a partir de poços perfurados no leito do canal de drenagem. Com a perfuração dos poços torna-se possível a captação da água e seu consequente uso (Figura 02). A crescente deterioração e mudanças das características naturais da bacia hidrográfica do Rio Traipú, têm chamado a atenção para os impactos ambientais que o rio vem sofrendo desde o início da ocupação de sua bacia. O uso intenso dos recursos naturais do rio, de sua bacia hidrográfica sem a preocupação de manutenção e preservação gera uma série de impactos ambientais, que influenciam no equilíbrio natural do rio e o consequente desequilíbrio ambiental. Os processos de degradação encontrados na bacia hidrográfica do rio Traipú estão ligados diretamente a ocupação indevida do solo, uso indiscriminado da água, desmatamento da mata ciliar e da vegetação da bacia, impermeabilização e compactação dos solos, erosão, sedimentação e assoreamento dos canais de drenagem. Observa-se também pequenos barramentos, lançamento de resíduos sólios e líquidos sem nenhuma forma de tratamento provocando a contaminação superficial e subsuperficial. A ação do homem sobre os recursos hídricos resulta dois grupos de mudanças fluviais, direta e indireta. A forma direta refere a mudanças diretamente no canal fluvial no controle de vazões ou na forma do canal. O segundo grupo refere-se a mudanças fluviais indiretas, provocadas por ações do homem fora das áreas dos canais, mas que modificam o comportamento hídrico do rio. (CUNHA, 2006). O desmatamento das matas ciliares e da vegetação da caatinga existente na bacia hidrográfica do rio Traipú é um dos maiores problemas ambienta a área. A vegetação natural está sendo substituída gradativamente pela pecuária e agricultura de subsistência (Figura 03), deixando a bacia totalmente desprotegida, resultando em processos de erosão e degradação da calha fluvial. A vegetação da bacia é usada também, por parte da população, como fonte de combustível e renda, já que essa madeira é matéria-prima para a produção de carvão vegetal e comercializada por pequenas indústrias. Esse uso indiscriminado está causando uma série de impactos sem precedentes na bacia. As vegetações das bacias hidrográficas têm um papel fundamental no equilíbrio natural, sendo responsável pela proteção do solo contra a ação natural da chuva e vento, servindo como uma barreira natural que evita que a chuva e o vento atinjam diretamente o solo, além de se fixar o solo com suas raízes evitando o deslocamento e erosão do solo. A importância da infiltração é propiciar maior permanência da água na bacia hidrográfica. A infiltração permite que o ciclo hidrológico se complete. As alterações na paisagem, como, por exemplo, a retirada da floresta impede que a água da chuva sirva de suprimento para os vegetais, abasteça o lençol freático, recarregue os aquíferos e, finalmente, abasteça os cursos d’água durante a estação chuvosa e durante a estiagem. (BOTELHO; SILVA; 2010, p. 167). A retirada e a falta da vegetação natural fazem com que o solo da bacia hidrográfica e as margens do rio fiquem expostos aos agentes erosivos como as chuvas e os ventos, assim alterando o ciclo hidrológico local. A falta de vegetação diminui o processo e infiltração e provoca o rápido escoamento superficial da água e desenvolve outros impactos ambientais como: erosão, compactação, perca da fertilidade do solo e assoreamento dos rios. Outro problema ambiental encontrado no alto curso do Rio Traipú é a exploração e retirada de areia do seu leito para construção civil. A retirada desse recurso é feito sem controle ou estudo dos impactos que a atividade pode causar. Além de provocar a degradação do lençol freático do rio, já que a torna exposto e consequentemente a escassez ou desaparecimento da água subterrânea do rio nos períodos de estiagem ou seca quando tem a interrupção do escoamento das águas. As zonas urbanas de Estrela de Alagoas e Minador do Negrão também têm sua contribuição na degradação dos recursos hídricos da bacia hidrográfica do Rio Traipú, afluentes como o Riacho da Serra, no Município de Minador do Negrão recebe diretamente esgotos domésticos da cidade e depósito de lixo. O Riacho do Boi localizado no município de Estrela de Alagoas sofre ainda mais com a falta de conscientização e informação da população e o descaso dos governantes. Esgotos domésticos são lançados diretamente, depósitos de lixos dispersos e a implantação de um lixão a céu aberto as margens do riacho Boi. A implantação do lixão foi feita sem a preocupação ou estudo das consequências para o meio ambiente. Há anos são depositadas constantemente toneladas de resíduos sólidos as margens do riacho do Boi no município de Estrela de Alagoas. (Fotografia 14). Os impactos ambientais do alto curso do Rio Traipú são resultados da ocupação desordenada e uso intenso dos recursos naturais, revelando a fragilidade em que se encontra o rio com a perca de suas características fisiográficas de seu curso e bacia, vazão e de flora e fauna. A necessidade de ações e políticas para a preservação e recuperação do alto curso do Rio Traipú são necessárias devido à grande importância desse recurso natural, para o equilíbrio natural na região e também para a sociedade que necessitam do Rio Traipú.

Figura 2

Uso da água no alto curso do rio Traipú, semiárido alagoano, alternativas em um cenário desolador

Figura 3

Canal de drenagem desprotegido e desenvolvimento de agricultura de subsistência.

Fugura 1

Mapa da bacia hidrográfica do rio Traipú

Considerações Finais

Com a análise do uso e ocupação das terras do alto curso do Rio Traipú, podemos conhecer sua situação atual ambiental e compreender as causas e consequências da degradação dos recursos naturais desse território. A situação degradante em que se encontra o alto curso do Rio Traipú, são resultados de ações ao longo do tempo do homem que ocupa sua bacia hidrográfica. O uso discriminado de seus recursos naturais e a ocupação desordenada de sua bacia trazem consequências agravantes e até irreversíveis para qualidade ambiental e desenvolvimento natural do rio. O desmatamento para agropecuária e comercialização de madeira, que trazem como resultados a erosão dos solos, perda da fertilidade e compactação dos solos, assoreamento dos cursos de água e perda da flora e fauna. O desmatamento da bacia hidrográfica e das margens do alto curso do Rio Traipú ao longe de sua história de ocupação levou a perca de maior parte de sua cobertura vegetal, restando apenas vestígios e pontos isolados de Caatinga. A falta de envolvimento da população e de interesses governantes locais que lançam esgotos residências ou de criadouros de animais nos cursos de água, descarte indevido de lixo pela população ou a instalação de lixões pelas prefeituras, próximos aos cursos de água, acabam contaminando os cursos de água e solo, trazendo consequências devastadoras ao meio ambiente.

Agradecimentos

Referências

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