Autores

Chagas, P. (UFRJ) ; Santana, C. (UFRJ) ; Lima, G. (UFRJ) ; Marçal, M. (UFRJ)

Resumo

A metodologia dos Estilos Fluviais é uma ferramenta que permite avaliar as características e comportamento do rio de forma integrada, considerando em sua análise a diversidade, a singularidade, a sensibilidade, os valores físicos, ecológicos e recreativos, entre outros aspectos do rio. As influências antrópicas desde o uso da terra até a gama de funções ligada à drenagem durante os períodos de estiagem chamam a atenção as possíveis implicações geomorfológicas e dinâmicas existentes no sistema fluvial do semiárido brasileiro. A pesquisa tem como objetivo a identificação dos Estilos Fluviais do rio Salamanca e seus principais afluentes. Foram identificados seis Estilos Fluviais, os dados foram apresentados através do mapeamento dos limites de cada Estilo Fluvial e através da elaboração de um Quadro de atributos. A classificação cumpriu um importante papel na identificação da diversidade existente na bacia sendo capaz de gerar resultados facilmente aplicáveis à gestão urbana local.

Palavras chaves

Classificação de rios; Estilo Fluvial; Semiárido

Introdução

A diversidade de ambientes fluviais é reflexo da complexidade em que operam e interagem os diferentes processos geomorfológicos, hidrológicos e bióticos, na qual operam em diversas escalas espaciais e temporais no âmbito de uma bacia hidrográfica. Compreender a natureza e magnitude desses processos são importantes e tem sido foco de importantes pesquisas na área de gestão dos recursos hídricos, uma vez que ajudam a compreender e identificar áreas prioritárias ao planejamento ambiental e manejo dos rios. Nesse sentido, surgem na literatura geomorfológica diferentes propostas de organização e padronização dos tipos de ambientes fluviais visando, sobretudo, sua aplicação ao planejamento ambiental. Mais recentemente, a metodologia “River Styles Framework®”, desenvolvida por Brierley e Fryirs (2005), é a ferramenta que permite avaliar esses parâmetros de um Estilo Fluvial de uma forma integrada, considerando em sua análise a diversidade, a singularidade, a sensibilidade, os valores físicos, ecológicos e recreativos, entre outros aspectos do rio. Dessa forma, a metodologia trabalha dentro de uma perspectiva ecossistêmica integrada que permite a implementação de práticas de gestão sustentáveis que apresentem um modelo de gerenciamento coerente a história da bacia hidrográfica e vem sendo aplicada em diversas áreas do Brasil e do mundo (MARÇAL et. al., 2017; SOUZA et. al. 2016; KUO e BRIERLEY, 2014). A bacia do rio Salamanca abrange uma área de 295 km², e compõe a rede hidrográfica da sub-bacia do rio Salgado, que se conecta ao Alto Jaguaribe no domínio da Depressão Sertaneja (Figura 1). No tocante de suas características regionais gerais a geomorfologia da bacia é caracterizada pela dinâmica do Planalto Sedimentar (Chapada do Araripe), configurando o Vale do Cariri (ou depressão periférica) através de seu desnivelamento topográfico (LIMA, 2014). Assim, seu relevo é típico de áreas sedimentares do tipo chapada, apresentando topo plano e limitado por escarpas íngremes. Segundo Lima et al. (2014) nesta porção são mapeadas as seguintes unidades de relevo: cimeira estrutural modelada em arenito, escarpa rochosa, encosta conservada com cobertura elúvio-coluvial e encosta dissecada com cobertura coluvial (Planalto Sedimentar do Araripe); superfície colinosa com cobertura elúvio-coluvial, glacis dissecado com cobertura coluvial, pedimento dissecado com cobertura eluvial e planície aluvial (Depressão Periférica). Regionalmente a área assenta-se sobre os terrenos Paleo-Mesozóicos da bacia sedimentar do Araripe (Sub-Bacia Leste – Vale do Cariri), uma bacia intracratônica do tipo rifte, estruturada no domínio da zona transversal da Província Borborema. No que tange os aspectos pedológicos, predominam solos bem desenvolvidos como Latossolos, Argissolos e solos poucos desenvolvidos como Neossolos Litólicos (FUNCEME, 2012). Apresenta um clima tropical subúmido num contexto de semiárido (drylands). É importante destacar que a maior parte da área da bacia está inserida no município de Barbalha, abrangendo parte de Missão Velha, a nordeste, e uma pequena porção de Crato, a sudoeste. Seu histórico de ocupação e uso do solo é marcado pela grande concentração regional de atividades agrícolas (na planície), agroextrativista (próximo às encostas) e urbanização, apresentando ainda áreas de proteção ambiental. O trabalho tem como objetivo a identificação dos Estilos Fluviais do rio Salamanca e seus principais afluentes, com base na compartimentação geomorfológica, característica do vale e da forma em planta do canal. Destaca-se que para a nomenclatura final dos estilos fluviais na Bacia do rio Salamanca outras análises devem ser incorporadas na árvore processual da metodologia de classificação de rios proposta por Brierley e Fryirs (2005).

Material e métodos

A nomenclatura dos diferentes estilos fluviais na Bacia do rio Salamanca foi realizada com base em uma análise hierarquizada de parâmetros chave, seguindo a árvore processual da metodologia dos estilos fluviais de Brierley e Fryirs (2005). Esses parâmetros se relacionam aos principais controles da forma e comportamento do rio: compartimentação geomorfológica; característica do vale; forma em planta do canal; unidades geomorfológicas; e composição do leito. A primeira fase se refere a confecção de uma base cartográfica na escala de 1:25.000 para a definição da drenagem da Bacia do rio Salamanca, o que dá subsídio à delimitação dos perfis longitudinais dos afluentes dentro da bacia tratados, sendo eles: Riacho São Francisco, Riacho Santana, Riacho Barbalha e Rio Salamanca. Foi utilizado como base o mapeamento hidrográfico da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, (FUNCEME, 2010) para delimitar um novo mapeamento em detalhe dos principais canais da bacia adequados a escala da pesquisa de “1:25.000”, tal modificação se fez necessária uma vez que as informações originais se encontravam distorcidas devido a escala de mapeamento de “1:250.000”. Os perfis longitudinais, foram analisados em conjunto com a compartimentação geomorfológica de Lima et al. (2014) e a forma em planta dos canais, obtidas através das imagens de satélite do Google Earth Pro, a fim de se definir o grau de confinamento dos canais (configuração do vale) da bacia e mapeá-los com o uso do software ArcGis 10.3. O grau de confinamento se refere a capacidade de ajuste lateral que um segmento da drenagem tem segundo três classes: Confinado - >90% do canal vai de encontro à margem do fundo do vale, Parcialmente-confinado - 10-90% do canal vai de encontro à margem do fundo do vale e Lateralmente não confinado - <10% vai de encontro à margem do fundo do vale. Afim de calcular quantitativamente o nível de confinamento foi observada e traçada a presença ou ausência de controles nas margens do fundo de vale e existência de planícies fluviais ocasionais, assim como se o canal é contínuo, descontínuo ou ausente (BRIERLEY e FRIRYS, 2005). A segunda fase corresponde à classificação dos estilos a partir da análise da forma em planta do canal (observação do número de canais, a sinuosidade, a presença de constrições laterais e a estabilidade lateral) juntamente com o mapa de configuração do vale. A construção do nome segue o Arcabouço metodológico e hierarquia dos parâmetros chave para definição de estilos fluviais (Árvore Processual) de Brierley e Fryirs (2005) onde cada característica identificada é adicionada ao nome em ordem respectiva, de cima para baixo, até o último parâmetro. Uma vez obtido a devida diferenciação dos estilos fluviais existentes as informações foram espacializadas no contexto da bacia.

Resultado e discussão

Foi elaborado o mapeamento dos limites de cada estilo fluvial, em diferentes simbologias, identificados ao longo do rio Salamanca e seus principais tributários e através da elaboração um Quadro de atributos apresentando os parâmetros inventariados. Ao todo foram classificados 79,65 km de drenagem, somatório do comprimento do rio Salamanca e de seus principais afluentes, pela configuração do vale onde: Confinado representa 18,2 km, Parcialmente confinado representa 4,3 km e Lateralmente não confinado representa 57,15 km. A predominância da configuração ‘Lateralmente não confinado’ pode ser associada à compartimentação geomorfológica regional, com grande extensão da unidade de relevo Planície Fluvial (LIMA et al 2014) e a sua declividade relativamente suave ao longo de grande parte da bacia (característica averiguada por meio da associação dos perfis longitudinais com a configuração do vale). Além disso, foram identificados para o rio Salamanca 6 (seis) estilos fluviais cada um com sua nomenclatura em respeito a árvore processual proposta por Brierley e Fryirs (2005): (1) Confinado, margem controlada pelo substrato rochoso; (2) Parcialmente confinado, controlado pela margem, alta sinuosidade; (3) Lateralmente não confinado, canal contínuo, baixa sinuosidade; (4) Lateralmente não confinado, canal descontínuo, preenchimento do vale; (5) Lateralmente não confinado, canal contínuo, baixa sinuosidade, retificado; e (6) Lateralmente não confinado, canal contínuo, alta sinuosidade (Figuras 1, 2 e 3). O Estilo Fluvial “Confinado, margem controlada pelo substrato rochoso” apresenta como características principais, para a bacia em estudo, vale encaixado no relevo característico do Patamar de Araripe com variação altimétrica entre 700 e 500 metros. A forma em planta desse estilo evidencia um canal único, retilíneo e altamente estável dado o controle da margem pelo substrato rochoso. Enquanto isso, o Estilo Fluvial “Parcialmente confinado, controlado pela margem, alta sinuosidade” apresenta como características mais relevantes vale parcialmente confinado com a ocorrência de planícies na unidade de relevo característico do Patamar de Araripe, em uma altitude de 500 metros. Sua forma em planta é caracterizada pela presença de um único canal de alta sinuosidade e média estabilidade lateral. O Estilo “Lateralmente não confinado, canal contínuo, alta sinuosidade” se caracteriza, para a área em estudo, pela configuração do vale não confinado, uma vez que as características geomorfológicas não contribuem para que este seja encaixado no relevo: há predominância de planície fluvial. Este estilo apresenta canal único de alta sinuosidade e capacidade de ajuste lateral, devido sua instabilidade dada pela ausência de controles estruturais da margem. Assim como o Estilo Fluvial anterior, o estilo denominado “Lateralmente não confinado, canal contínuo, baixa sinuosidade, retificado” apresenta configuração de vale não confinado, ou seja, não há encaixe do vale dentro da unidade de relevo característica desse estilo, planície fluvial. Apresentando canal único, retificado e, por consequência, de baixa sinuosidade. É importante destacar que se trata de dois trechos da drenagem: um urbanizado que cruza Barbalha e um, mais a jusante, retificado para a captura de água e uso agrícola. Ainda tratando do estilo lateralmente não confinado, o Estilo Fluvial “Lateralmente não confinado, canal descontínuo, preenchimento do vale” também apresenta vale não confinado lateralmente pela unidade de relevo predominante no trecho, também planície fluvial. Para este estilo, a forma em planta é caracterizada por um canal que se apresenta de forma descontínua, ausente em alguns trechos. Ainda, destaca-se o uso do solo neste trecho para atividades agrícolas. Por último, apresenta-se o Estilo Fluvial “Lateralmente não confinado, canal contínuo, baixa sinuosidade”. Como a nomenclatura sugere, a vale não se apresenta confinado lateralmente pelas unidades de relevo, que, por sua vez, são predominadas por planícies fluviais. Este estilo é caracterizado por um canal único e de baixa sinuosidade, o qual sofre influências antropogênicas dada a presença de estradas dentro da planície do canal e dentro do próprio canal em períodos de estiagem. No que tange a ocorrência dos Estilos Fluviais, o de maior predominância é o “Lateralmente não confinado, canal contínuo, alta sinuosidade” com cerca de 28,1 km de extensão, presente na maior parte do nordeste da bacia. O Estilo Fluvial “Confinado, margem controlada pelo substrato rochoso” também tem uma alta taxa de ocorrência na bacia, principalmente nos segmentos mais a montante, próximos das unidades de relevo Cimeira do Araripe e Patamar do Araripe 750m. Os estilos fluviais “Lateralmente não confinado, canal contínuo, baixa sinuosidade”, “Lateralmente não confinado, canal contínuo, baixa sinuosidade, retificado” e “Lateralmente não confinado, canal descontínuo, preenchimento do vale” estão todos geograficamente mais próximos do município de Barbalha e da ocupação (Figura 2).

Figura 1

Mapa de estilos fluviais espacializados ao longo da bacia do rio Salamanca

Figura 2

Exemplos de cada um dos estilos fluviais classificados, fotos de satélite provenientes do software Google Earth Pro.

Figura 3

Quadro Comparativo dos atributos dos estilos fluviais

Considerações Finais

É fato de que toda e qualquer bacia hidrográfica é única, tanto em relação à sua própria história geológica e geomorfológica quanto ao uso que lhe é atribuído por parte das comunidades humanas que nela residem. A falta de homogeneidade dos processos e formas na superfície terrestre carrega uma imensa diversidade que, na vista de qualquer pensador crítico, é imprescindível, principalmente tendo em vista as exponenciais modificações que o homem vem promovendo, de ser estudada e explorada. A metodologia de classificações dos estilos fluviais, mesmo em seu estágio inicial, cumpriu um importante papel na identificação da diversidade existente na bacia Salamanca sendo capaz de gerar resultados facilmente aplicáveis à gestão urbana local. De modo geral, pode-se concluir que a predominância dos Estilos Fluviais na bacia do rio Salamanca associados aos vales lateralmente não confinados está relacionada a alta taxa de ocorrência de unidades de relevo Planície Fluvial, já que essas unidades não oferecem controle estrutural na margem do canal e, portanto, não limitam seu desenvolvimento lateral. Por fim, mesmo que o recorte espacial desta pesquisa seja um componente relativamente pequeno se comparado a grande complexidade existente na bacia do rio Jaguaribe, ela é provavelmente um dos melhores pontos de partida para um entendimento mais completo, sistemático e integrado dos tipos de drenagem possíveis e existentes no característico Semiárido brasileiro.

Agradecimentos

Agradecimentos a todos os membros de grupo de pesquisa em geomorfologia fluvial (GEOMORPHOS/UFRJ) que direta ou indiretamente ajudaram essa pesquisa a tomar forma.

Referências

BRIERLEY, G.J.; FRYIRS, K.A. Geomorphology and river management: applications of the river styles framework. Blackwell Publishing, 2005. 398 p. FUNCEME (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos). Zoneamento geoambiental do Estado do Ceará: Parte II – mesorregião do sul cearense. Fortaleza, 2006. 132p. KUO, C.; BRIERLEY, G. (2014). The influence of landscape connectivity and landslide dynamics upon channel adjustments and sediment flux in the Liwu Basin, Taiwan. Earth Surface Processes and Landforms. LIMA, F.J; LIMA G.G; CORREA, A.B.C, MARÇAL, M.S; Mapeamento geomorfológico em escala de semi-detalhe e a flexibilização de manuais de mapeamento: breves considerações a partir de um estudo de caso - setor subúmido do Planalto Sedimentar do Araripe/CE/Brasil. Ensaios de Geografia, v. 3, n. 6 (2014) LIMA, G. G. Análise comparativa de metodologia de mapeamento geomorfológico na bacia do Rio Salamanca, Cariri Cearense. 120 p. Recife, 2014. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Pernambuco- UFPE, Recife-PE. MARÇAL, M.S.; BRIERLEY, G.; LIMA, R. Using geomorphic understanding of catchment-scale process relationships to support the management of river futures: Macaé basin, Brazil. Applied Geography, v. 84, 2017, p. 23-41. SOUZA; BARROS; CORREA; (2016). Estilos fluviais num ambiente semiárido, bacia do riacho do saco, pernambuco. Finisterra Revista Portuguesa de Geografia.