Autores

Santana, C.I. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Lima, R.N.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Marçal, M.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO)

Resumo

No contexto em que se discute o acirramento das mudanças ambientais globais, com o aumento dos eventos climáticos extremos, torna-se cada vez mais relevante a compreensão das respostas dos rios a eventos climáticos extremos, sobretudo quando o sistema fluvial se relaciona em regiões montanhosas. A pesquisa desenvolveu-se em torno de análises acerca da trajetória de mudança e ajustes geomorfológicos ocorridos no Córrego Dantas, Nova Friburgo (RJ) a partir das respostas geomorfológicas decorrentes do evento de grande magnitude que ocorreu entre os dias 11 e 12 de janeiro de 2011, conhecido como Megadesastre’11. Concluiu-se, de maneira geral, que ao longo do período amostrado, ocorreu grande mudança na calha fluvial decorrente do evento. No segundo período foi possível identificar o início do processo de reestabelecimento de feições geomorfológicas no interior do canal e ajustes fluviais às novas condições de carga detrítica e vazões.

Palavras chaves

Córrego Dantas; Geomorfologia Fluvial; Mapeamento fluvial

Introdução

No contexto em que se discute o acirramento das mudanças ambientais globais, com o aumento dos eventos climáticos extremos, torna-se cada vez mais relevante a compreensão das respostas dos rios a eventos climáticos extremos, sobretudo quando o sistema fluvial se relaciona em regiões montanhosas (WOHL, 2014). A compreensão sobre as formas e processos dos rios, resultantes de grandes inputs de matéria e energia, juntamente com interpretações da variabilidade natural e evolução de longo prazo dos sistemas fluviais, têm concentrado a atenção das pesquisas nos seus efeitos espaciais e temporais, pois fornecem um conjunto de informações que corroboram para a avaliação da trajetória de ajustes dos canais frente a eventos de perturbação (KORUP et al, 2004; MARÇAL, et al 2016). A dimensão do evento de grande magnitude que ocorreu entre os dias 11 e 12 de janeiro de 2011 na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, conhecido como Megadesastre’11, fez com que autoridades governamentais e a população civil se mobilizassem para prestar emergencialmente todo o tipo de apoio possível às populações atingidas. Para os municípios atingidos foi decretado estado de calamidade pública, dando início a um conjunto de ações que incluíram elaboração de diagnósticos e estudos de propostas para intervenções de recuperação ambiental das bacias mais impactadas. Na esfera Estadual, o INEA (Instituto Estadual do Ambiente) projetou e executou um conjunto de obras emergenciais e de macrodrenagem, no contexto do Projeto Rios da Serra, definindo um conjunto de serviços de engenharia, visando restabelecimento das condições de escoamento da calha fluvial. A bacia de 6ª ordem do Córrego Dantas, no município de Nova Friburgo, devido à alta densidade populacional, foi uma das que mais registraram perdas de vidas humanas, bens materiais e danos em infraestruturas. Neste sentido, a presente pesquisa desenvolveu-se em torno de análises acerca da trajetória de mudança e ajustes geomorfológicos ocorridos em um trecho do Córrego Dantas a partir do mapeamento das unidades geomorfológicas interiores do canal. Esta análise se deu em três períodos (pré-desastre, desastre e pós-desastre) e seu objetivo foi compreender preliminarmente as condições na qual os processos geomorfológicos operavam no ambiente selecionado durante as três fases de eventos.

Material e métodos

A partir da identificação dos Estilos Fluviais realizada por Lima (2017), foi selecionado um trecho representativo do estilo denominado “Parcialmente Confinado, controlado por terraço colúvio e rocha baixa sinuosidade planície descontínua”. A disponibilidade de imagens de satélite de alta resolução em diferentes datas, consistiu em insumo fundamental para a realização dos procedimentos de mapeamento, bem como para a condução da metodologia proposta para análise dos processos geomorfológicos. Foram utilizadas imagens de satélite acessíveis através do programa livre Google Earth. As imagens adquiridas tiveram como critério de seleção: (1) apresentar resolução espacial que possibilitasse a identificação das feições geomorfológicas do canal; (2) possuir cobertura total do trecho analisado do córrego Dantas; (3) não apresentar nuvens. Desse modo, foram selecionados três períodos de mapeamento: 07/08/2010; 19/01/2011; 28/01/2014. Após a seleção das imagens, foi realizada a aquisição em alta resolução e posterior georreferenciamento as ortofotos 1:5.000 da EMBRAERO. A forma em planta do canal foi analisada e interpretada segundo caracterização proposta por WHEATON et al., (2015), considerando o número de canais, sinuosidade, estabilidade lateral do canal e unidades geomorfológicas. A relativa simplicidade ou complexidade do mapa reflete o grau de heterogeneidade desse rio e fornece pistas úteis quanto às suas histórias e os processos que lhe dão forma. Deste modo, o objetivo do mapeamento foi identificar os arranjos em que os ambientes fluviais se organizam ao longo do Córrego Dantas.

Resultado e discussão

Nos trechos parcialmente confinados, as planícies ocasionais foram retrabalhadas e houve destruição de retificações outros tipos de estruturas antrópicas. Em razão das diversas obras ocorridas de 2011 a 2014, ficou evidenciado que a principal estratégia adotada pelo poder público foi por manejar o rio com soluções de engenharia tradicional, protegendo a calha de novas enchentes. O primeiro momento analisado compreende o período anterior ao Megadesastre’11, de modo a representar o status de referência do canal do córrego Dantas (Figura 1). Foram identificados longos trechos de cobertura ciliar densa, mas também em função da pouca largura do canal, que ao chegar no limite da resolução da imagem, em alguns trechos, era sombreado por capim alto, que domina como vegetação ripária ao longo do córrego Dantas. Neste período, destaca-se que em trechos do baixo curso, foi verificada a ocorrência de erosão das margens por solapamento, formando depósitos anexos a ela. Estes depósitos já se encontravam estabilizados por vegetação, apresentando, no entanto, indícios de retrabalhamento, em função de suas formas irregulares. Esse processo indica uma tendência de alargamento da calha neste período. No início do médio curso e ao longo de todo o baixo curso durante a vazão de base, o córrego Dantas apresenta feições planares que indicam fluxos de baixa velocidade, predominando ‘fluxo laminar’ (glides) intercalada por trechos mais curtos de ‘fluxo turbulento incipiente’ (runs). O Megadesastre’11 provocou uma completa alteração na morfologia do córrego Dantas. A energia do evento transportou uma enorme quantidade de sedimentos por todo o sistema, produzindo depósitos de acresção vertical nas planícies alagadas. Em função da manutenção de uma vazão de base elevada, nos dias que sucederam diversos alvéolos permaneceram alagados (Figura 2). Destaca-se que a imagem utilizada para caracterizar esse período, representa a situação cinco dias após o Megadesastre’11. Nessa data, os trabalhos de desobstrução de pontos da calha já estavam em curso. Algumas áreas que se encontravam com baixa energia de fluxo, ganharam competência de transporte, iniciando uma fase de intensa de remobilização de sedimentos. Destaca-se que apesar do quantitativo do total de barras não ter apresentado grande aumento, a dimensão das barras aumentou significativamente, provocando em trechos do canal padrões entrelaçados. Vale destacar a ocorrência unidades estruturais (troncos de árvores, blocos, entulhos de edificações etc.), em diversos segmentos do rio, afetando as condições locais de fluxo, e forçando a ocorrência de barras associadas a este processo. Nestes trechos predominou um comportamento de transferência de materiais para jusante, com acomodação temporária de materiais no leito. No período que seguiu ao término das obras, houve um evento pluviométrico uma grande intensidade, que forneceu elevado fluxo de sedimentos ao sistema, evidenciado pela ocorrência de barras longitudinais e laterais (Figura 3). No trecho mapeado, verificou-se retrabalhamento de barras laterais e longitudinais em áreas de menor energia do trecho. Os fluxos de sedimentos continuaram a ocorrer com intensidade, sendo percebido após o fim do mês de janeiro, a mobilização destes. Foi identificado apenas um trecho de fluxo laminar, forçado ao passo que as feições planares de energia moderada e alta, como fluxo turbulento inicial (glide) e soleiras (riffle), predominaram.

Figura 1

Mapeamento das unidades geomorfológicas: pré-desastre.

Figura 2

Mapeamento das unidades geomorfológicas: desastre.

Figura 3

Mapeamento das unidades geomorfológicas: pós-desastre.

Considerações Finais

As calhas fluviais da bacia do córrego Dantas apresentaram diferentes tipos de respostas geomorfológicas e trajetória de mudanças em decorrência do evento de perturbação ocorrido em 2011. A partir de uma minuciosa caracterização da morfologia do canal e das suas variações ao longo do tempo, foi possível analisar alternância dos processos de mobilização e retenção de sedimentos fluviais. O trecho mapeado apresentou uma história de mudanças decorrentes do input de sedimentos, onde se destaca intensa sedimentação nas planícies e mudança do canal para um padrão anastomosado. Após as obras, este trecho apresentou intensa deposição, iniciada por barras laterais. Ao longo deste segmento, o rio apresentou estreitamento, correndo no eixo central da calha projetada. Este ponto, no entanto, por estar localizado após uma curva, apresenta assimetria no eixo do fluxo, tanto de cheia como de vazante. Este processo gerou, localmente, a ocorrência de um processo de sedimentação inicial formado por ‘barras alternadas’ (side bars), formando um talvegue sinuoso dentro da calha projetada. A estabilização e acresção sucessiva destas unidades produziram sequências de barras laterais e consequente assimetria no perfil, com deslocamento do talvegue para a margem direita. Tais investigações, contribuíram para se alcançar satisfatoriamente os processos geomorfológicos produzidos no período decorrido do Megadesastre’11.

Agradecimentos

Agradecemos a todos os membros do grupo de pesquisa em Geomorfologia Fluvial e Dinâmica de Bacias Hidrográficas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - GEOMORPHOS/UFRJ.

Referências

LIMA, R.N.S. Geomorfologia Fluvial e o Megadesastre'11 do Córrego Dantas, Nova Friburgo (Rj): Trajetórias, Ajustes e Mudanças. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 157p. 2017.

MARÇAL, M.S; BRIERLEY, G.J.; LIMA, R. N. S. Using geomorphic understanding of catchment-scale process relationships to support the management of river futures: Macae Basin, Brazil. Applied Geography. 84 (2017) 23 - 41.

KORUP, O.; MCSAVENEY, M. J.; DAVIES, T. R. H. Sediment generation and delivery from large historic landslides in the Southern Alps, New Zealand. Geomorphology, v. 61, p. 189-207, 2004.

WOHL, E. Time and the Rivers Flowing: Fluvial Geomorphology Since 1960. Geomorphology, v. 216, p. 263-282, 2014.

WHEATON, J.M.; FRYIRS, K.A.; BRIERLEY, G.; BANGEN, S.G.; BOUWES, N.; O´BRIEN, G. Geomorphic mapping and taxonomy of fluvial landforms. Geomorphology 248, 273-295, 2015.