Autores

Lima, A.G. (UNICENTRO) ; Paisani, J.C. (UNIOESTE) ; Biffi, V.H.R. (UNIOESTE)

Resumo

O estudo mostra análise preliminar do segmento superior do rio Quatorze (≈15 km), em Francisco Beltrão, PR. O objetivo foi verificar as possíveis diferenças de resistência à erosão fluvial das rochas vulcânicas do substrato. Em um Sistema de Informações Geográficas, por meio de cartas topográficas (1: 50.000), levantou-se a rede hidrográfica, os lineamentos estruturais, o perfil longitudinal do rio principal, e dados para a análise declive-área (S = ksA^θ), onde S é a declividade e A é a área de drenagem. Identificou-se uma descontinuidade na relação declive-área entre os segmentos inicial e final do perfil. O índice de concavidade (θ) é igual para ambos os segmentos, mas o índice de declividade (ks) é maior para os trechos finais. A diferença pode ser atribuída às mudanças de resistência à erosão de derrames lobados (alta vesicularidade) para derrames tabulares (predomínio de basalto maciço). O basculamento de bloco pode ser responsável pelo θ elevado (1,0) nos dois segmentos.

Palavras chaves

basalto; erosão fluvial; análise declive-área

Introdução

A erosão fluvial sobre leitos rochosos é decisiva para a incisão dos canais e para determinar a evolução das encostas, na medida em que rebaixa o nível de base. Em outras palavras, a incisão dos rios diretamente no substrato rochoso é o que determina a evolução da paisagem. Essa relação tem levado as pesquisas nas últimas décadas a um olhar mais definido sobre como se processa a incisão nesse tipo de rio (ver por ex. Tinkler e Wohl, 1998; Whipple, 2004). Os estudos têm abrangido desde a caracterização de processos intracanal, tais como abrasão (Sklar e Dietrich, 2001) e arrancamento (Dubinski e Wohl, 2013), até a elaboração de modelos que tentam avaliar a evolução erosiva de longo prazo, ou seja, no espaço dos milhares e milhões de anos (Kirby et al., 2003; Sklar e Dietrich, 2004). O resultado dessa erosão de longo prazo é visto na morfologia do perfil longitudinal, sendo que esta é a soma da evolução das morfologias intracanal na escala dos trechos e seções. Nos rios das regiões basálticas da Bacia Sedimentar do Paraná, os estudos recentes sobre a morfologia e evolução dos perfis longitudinais têm reconhecido a diferença marcante entre basaltos vesiculares e maciços (Lima e Binda, 2013; Lima e Flores, 2017). Tais diferenças são em termos de resposta à erosão fluvial e traduzidas na estrutura da relação declive-área (S = ksA^θ). Notadamente, rochas mais resistentes à erosão fornecem um índice de declividade (ks) maior que rochas menos resistentes. A diferença de resistência à erosão nas rochas vulcânicas está relacionada à vesicularidade e à intensidade do fraturamento (Lima e Flores, 2017). Em levantamentos oficiais (Serviço Geológico do Paraná, 2013) e em outros trabalhos (p. ex. Waichel et al. 2006) verifica-se que nos derrames basálticos da Bacia do Paraná há uma diferenciação regional, ou mesmo estratigráfica, entre unidades com variadas espessuras dos níveis maciço e vesicular, bem como em termos do estilo e intensidade de fraturamento. Na região sudoeste do Estado do Paraná afloram maiores extensões de derrames compostos, ou lobados (Serviço Geológico do Paraná, 2013). Esse tipo de morfologia de derrame caracteriza-se pela maior heterogeneidade estrutural e maior vesicularidade. Além disso, derrames de basaltos maciços com entablamento sigmoidal e fraturamento em cunha também são frequentes na região. Isto sugere que a resposta geomorfológica dos rios que correm na região sudoeste, traduzida na relação declive-área, seja diferenciada em relação à resposta dos rios até agora estudados, situados na região centro sul do Paraná, predominantemente em derrames do tipo simples (tabulares). O estudo aqui apresentado mostra os resultados preliminares da análise acerca do segmento superior do rio Quatorze (≈15 km), situado no município de Francisco Beltrão, PR. O objetivo é verificar as diferenças de resistência à erosão de longo prazo das rochas vulcânicas do substrato desse rio. O objetivo do projeto maior dentro do qual se insere a pesquisa é comparar os resultados com outros estudos desenvolvidos na região centro-sul do Paraná.

Material e métodos

O rio Quatorze foi escolhido para esta pesquisa por estar, segundo os levantamentos oficiais (Serviço Geológico do Paraná, 2013), sobre unidades basálticas com características de derrames lobados de basalto vesicular e de derrames tabulares de basaltos com entablamento em cunha e sigmoidal. Tais características poderiam resultar em respostas morfológicas específicas de cada unidade. Em ambiente de um Sistema de Informações Geográficas (SIG), por meio de cartas topográficas digitais na escala 1: 50.000, foram executados os levantamentos da rede hidrográfica, dos lineamentos estruturais e do perfil longitudinal do rio principal. A origem do canal foi escolhida pelo critério da área de drenagem, o que resultou em situá-la na origem do que é chamado Arroio Casa Branca e não na origem que consta das cartas topográficas. Pelo SIG também foram obtidos os dados necessários para a análise declive-área (S = ksA^θ), onde, para cada trecho do canal situado entre duas curvas de nível consecutivas, S é a declividade e A é a área de drenagem; ks é considerado o índice de declividade (steepness index) e θ é o índice de concavidade (concavity index) do perfil longitudinal. Embora o rio Quatorze tenha sido levantado em toda sua extensão (≈38 km), para este estudo foi analisado apenas o seu segmento superior, que perfaz cerca de 15 km. O segmento inferior não é aqui analisado devido à presença de prováveis interferências neotectônicas, geradoras de notáveis zonas de rupturas de declive (knickzones), as quais ainda estão sendo analisadas. A restrição ao segmento superior permite uma avaliação mais direcionada somente à resposta da litologia frente aos processos erosivos. Trabalhos de campo foram realizados na bacia do rio Quatorze, procurando-se conferir as características litológicas, tais como textura e estilo de fraturamento. A verificação ocorreu em pedreiras, afloramentos em cortes de estrada e em alguns pontos no leito do canal principal.

Resultado e discussão

Quase todo o segmento estudado do rio Quatorze desenvolve-se no reverso de um bloco basculado, com exceção do terço final do trecho 9 e do trecho 10 integralmente, que adentram um bloco soerguido (Figura 1). A grande quantidade de corredeiras e quedas presentes nesses trechos finais, inclusive esculpidas em basalto vesicular, são bons indicadores de um forçamento neotectônico dos declives. Esse controle estrutural por basculamento de bloco é bem visível na disposição assimétrica da drenagem (Figura 1), com canais maiores no flanco sudoeste e menores no flanco nordeste, e o canal principal (trecho 9) seguindo paralelamente a um grande lineamento NW-SE. O controle estrutural nesse setor da bacia do rio Quatorze já havia sido notado em trabalho anterior (Paisani et al., 2005). Corrobora essa interpretação de um bloco basculado, a erosão das cabeceiras da drenagem vizinha, situada imediatamente a oeste, as quais desenvolvem amplos anfiteatros, no que deve ser a borda soerguida do bloco. O segmento inicial do rio Quatorze desenvolve-se de uma altitude aproximada de 800 m até 640 m (Figura 2). A morfologia geral do perfil apresenta dois segmentos côncavos em sequência. No trecho final (trecho 10), a declividade aumenta suavemente, imprimindo um aspecto convexo ao final do perfil. Esse aumento na declividade geral do trecho é efetivado por uma série de corredeiras em leito aluvial grosso e quedas com alturas variadas, observadas em imagem de satélite, e pelo menos uma com até 5 m de altura, verificada em campo. Esta última é esculpida na unidade superior de um derrame, composta de basalto vesicular no topo e uma base em basalto com disjunção horizontal e vertical que delimitam blocos tabulares. O divisor oeste da bacia do rio Quatorze, diferentemente do que mostra os mapas geológicos e pelo que se pode observar em campo, está sustentado por derrames lobados. Estes apresentam crosta superior altamente vesicular, por vezes escoriácea, e núcleo maciço com fraturamento irregular. Estas características não puderam ser verificadas diretamente no leito do canal devido as dificuldades de acesso. Porém, por inferência altimétrica, é razoável a ideia de que o segmento inicial do rio esteja esculpido nessas unidades. No segmento final, ou mais exatamente no trecho 10 – onde foi possível verificar diretamente o leito do canal e as encostas adjacentes – as características indicam derrames tabulares. A plotagem dos dados declive-área (Figura 3) mostra uma distinção nítida entre os trechos iniciais (1 a 4) e finais (5 a 10). A diferença é notada no índice de declividade (ks), cerca de 78 % maior para os trechos finais. O índice de concavidade (θ) é essencialmente o mesmo para ambos os conjuntos de trechos. Chama a atenção o fato de ambos os segmentos serem muito coerentes, sem dispersão significativa, ou seja, os coeficientes de determinação são elevados. O ajuste da linha de tendência para o segundo segmento pode conter certa dúvida se admitirmos que o trecho 10 seja tectonicamente influenciado, ou seja, não possa ser plenamente admitido como expressão meramente da litologia. Porém, mesmo se for excluído o trecho 10, o resultado não muda substancialmente (S = 0,15A^1,1). A mudança no índice de declividade ao longo de um canal é comumente atribuída ou (1) ao aumento da resistência do substrato rochoso ou (2) a um soerguimento tectônico a jusante ou (3) uma queda progressiva no nível de base (Kirby et al., 2003; Whipple, 2004). No caso do rio Quatorze não há evidências de movimentação neotectônica que ocorra entre os trechos 4 e 5. Como mencionado anteriormente, o bloco soerguido somente ocorre na transição do trecho 9 para o trecho 10. A queda no nível de base poderia ter ocorrido a partir do trecho 9, com a inserção do rio na zona de falha que ensejou o basculamento do bloco. Neste caso, o limite entre os dois segmentos côncavos seria do tipo quebra de declive (slope-break; Haviv et al., 2010) transiente e demonstraria um reajuste do canal desde o início do basculamento. Isso implicaria uma uniformidade na resistência erosiva ao longo do perfil analisado. Embora as observações de campo tenham sido feitas em alguns locais, para a maior parte do perfil as informações da tipologia dos derrames foram extrapoladas (ver discussão anterior). Se tais informações puderem ser válidas, a relação declive-área poderia indicar, na transição entre os trechos 4 e 5, mudança na resistência à erosão das rochas vulcânicas. Essa mudança na resistência poderia estar relacionada à diferença dos tipos de derrame. Nos trechos iniciais (1 a 4) os derrames são lobados, com níveis expressivamente vesiculares. Nos trechos finais (5 a 10) predominam os derrames tabulares, com espessuras relativamente maiores de seus núcleos maciços. A resistência à erosão dos basaltos vesiculares é menor, pois há mais heterogeneidade da rocha e suscetibilidade ao intemperismo químico. Em função disso, a resistência da rocha intacta é também menor nos basaltos vesiculares que nos basaltos maciços (Lima e Binda, 2015). A combinação desses elementos favorece a maior propensão dos basaltos vesiculares à erosão por arrancamento e macroabrasão. Embora nos derrames tabulares os níveis vesiculares também possam ser relativamente espessos, a vesicularidade é menor e a espessura dos níveis maciços é maior que nos derrames lobados. No segundo segmento (trechos 5 a 10) há dispersão levemente maior que no primeiro segmento. Devido à condição transicional do trecho 10 para um segmento com forte influência neotectônica, parcimoniosamente pode-se considerar que pelo menos o trecho 5 apresenta uma resistência ligeiramente menor que os outros trechos do segmento. Isso pode significar menor espessura de derrame tabular. Neste caso, o fraturamento tende a ser mais intenso, ou seja, com menor espaçamento entre as juntas e o arrancamento erosivo é facilitado, quando comparado a derrames com espaçamentos maiores. O índice de concavidade para os dois segmentos é considerado elevado (1,0; Whipple, 2004). Índices como esse estão associados à diminuição no soerguimento tectônico ou na resistência das rochas rio abaixo. É pouco provável que haja diminuição da resistência sistemática das rochas no caso do rio Quatorze e a taxa variável de soerguimento tectônico também não é um caso possível no contexto da área. Entretanto, o basculamento de bloco indicado pelas anomalias de drenagem e relevo fornece uma explicação alternativa, até agora não discutida na literatura. A redução progressiva do nível de base na zona de falha onde está inserido o trecho 9 provavelmente ocorreu em equilíbrio com a erosão regressiva desencadeada. Caso o basculamento tivesse sido mais rápido que a erosão, uma convexidade teria se desenvolvido à montante do trecho 9.

Figura 1

Segmento inicial do rio Quatorze com sua rede de drenagem, principais lineamentos e interpretação estrutural preliminar.

Figura 2

Perfil longitudinal do segmento superior do rio Quatorze.

Figura 3

Relação declive-área do segmento estudado do rio Quatorze.

Considerações Finais

O estudo apresentado complementa um conjunto de outros trabalhos realizados na Província Vulcânica da Bacia do Paraná e que mostra o comportamento das rochas basálticas frente à erosão de longo prazo, traduzida na morfologia do perfil longitudinal e com a análise declive-área. A investigação abrangeu apenas a parte inicial do rio Quatorze para focar no controle exercido pelas diferenças litológicas. Porém, os estudos ainda em curso abrangem o segmento restante desse rio. Mesmo com a restrição proposital das variáveis verificou-se que a neotectônica tem efeito sobre o desempenho da erosão de longo prazo, de um modo ainda pouco estudado, que se relaciona à drenagem no reverso de bloco basculado. Isso está no escopo de futuras investigações. A quebra na sequência dos dados na plotagem declive-área (transição trechos 4-5; Figura 3), com mudança no índice de declividade (ks), necessita de um aprimoramento da análise para ser plenamente explicada. Isso exigirá mais detalhamento do perfil, com produtos de imagens de melhor resolução (SRTM, por exemplo) e talvez com novas incursões de campo.

Agradecimentos

Esta pesquisa foi desenvolvida como parte das atividades relacionadas à Licença Sabática do primeiro autor, concedida pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (Guarapuava – PR), em cooperação científica e com recursos de campo providos pelo Núcleo de Estudos (Paleo)ambientais – NEPA, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Francisco Beltrão – PR).

Referências

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