Autores

Fumiya, M.H. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA) ; Santos, L.J.C. (UFPR)

Resumo

Esse trabalho objetiva abordar a gênese dos ferricretes, situados sob topos de feições morfológicas de relevo (morrotes e colinas), e verificar se existem relações dessas feições ferruginosas com transformações da paisagem no Noroeste do Paraná. Para alcançar tal proposta, foi necessário estudos dos perfis de solo que contém ferricrete, química (FRX) além de dados de geocronologia por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE). Os resultados indicaram que a fonte de ferro é proveniente da alteração do arenito, que foi exportado vertical e lateral (Fe2+) e acumulou-se nas porções baixas da paisagem. Esses foram submetidos a processos denudacionais que resultaram na inversão de relevo. Posterior à inversão de relevo, houve o desmantelamento dos ferricretes com mobilização local, que datam do Quaternário Tardio (datação por LOE).

Palavras chaves

Ferricrete; Inversão de relevo; Noroeste do Paraná

Introdução

A área de estudo abrange a extensão de ocorrência dos arenitos do Grupo Caiuá, está localizada no Noroeste do estado do Paraná (FIGURA 1-A), e apresenta perímetro total de 23.900 km², o que corresponde a, aproximadamente, 13% da área total do estado. No Noroeste do Paraná estudos realizados nos séculos XX e XXI, referente à evolução do modelado, atribuem sua esculturação principalmente a eventos cíclicos (alternância entre clima úmido e seco), e, como resquícios de parte desses processos geomorfológico, há presença de morros residuais na paisagem mantidos por materiais mais resistente à denudação, compostos por cimento silicoso, carbonático ou ferruginoso (aqui denominado de ferricrete). As rochas com cimentação silicosa e carbonática foram bem caracterizadas tanto no seu contexto de petrografia, como na cronologia e ambiente de formação, sua gênese é esclarecida (FERNANDES et al, 1994), o contrário ocorre com ferricretes. Em estudo anterior, nessa região, Justus (1985), verificou a ocorrência de fragmentos de ferricretes de origem pedogenética, mobilizados ao longo de encostas, que estão, no presente, organizados na forma de linhas de pedra (JUSTUS, 1985). Ainda segundo este autor, os fragmentos de ferricretes são produtos resultantes de processos de aplainamento do relevo e sustentam feições morfológicas de pequenas elevações, como morrotes e colinas, que se diferenciam na paisagem de relevo suave, característico da região. Até o momento nenhum estudo detalhado foi realizado, na tentativa de compreender a gênese dos ferricretes, os processos pós-formação dos ferricretes, que mobilizaram essas concentrações ferruginosas ou estabelecimento de períodos da mobilização desses materiais por método geocronológico. Portanto, o estabelecimento da relação dos ferricretes como testemunhos de processo esculturador do relevo não é seguro. Em vista disso, o presente trabalho procurou compreender a gênese de ferricretes situados em topos de colinas e morrotes, utilizando-os como materiais que registraram em parte processos esculturadores da paisagem na área abordada. Para alcançar essa proposta, analisou-se dois perfis representativos (autóctone e alóctone) com presença de ferricrete identificados e descritos por Fumiya et al. (2016) onde foram empregadas análises mineralógicas (DRX), química (FRX), além de dados de geocronologia por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE), para o estudo de gênese dos ferricretes e sua relação com transformações da paisagem.

Material e métodos

Por estudos prévio sobre identificação das feições de relevo (morrotes e colinas) mantida por ferricretes (Fumiya et al. 2016), realizou-se descrições morfológicas de dois perfis (LEMOS e SANTOS, 1996), onde se reconheceu e coletou amostras em diferentes horizontes e camadas (colúvios), para análise laboratorial, com o objetivo de identificar mecanismos relacionados à gênese dos ferricretes. Análises químicas por Fluorescência por Raio-X (FRX) foram realizadas para determinar teores de elementos presentes nos horizontes dos perfis com ferricretes. As análises foram feitas no equipamento modelo Axios Max da marca PANalytical do Laboratório de Análises de Minerais e Rochas (LAMIR) da UFPR. Os teores foram reportados em óxido (% em peso). A datação por Luminescência que baseia-se no acúmulo de cargas radioativas de elétrons do último período em que o material esteve exposto à radiação solar (AITKEN, 1998), foi utilizado nesse trabalho para identificar descontinuidades erosivas e períodos de remobilização dos ferricretes e colúvio.

Resultado e discussão

Estudos prévios sobre identificação por índices morfométricos de feições de relevo sustentados por ferricretes realizados por Fumiya et al. (2016), permitiram a seleção de sete perfis que contém ferricretes (Figura 1 - B). Dentre os perfis descritos e analisados em campo seis apresentam ferricretes mobilizados na forma de linha de pedra e estão recobertos por colúvios (alóctone) e um encontra-sein situ (autóctone). Assim sendo, para o estudo da gênese dos ferricretes, optou-se por selecionar dois perfis representativos do grupo dos alóctones e autóctones, que podem ter preservado registros do processo de formação do ferricrete (autóctone) e os que foram submetidos ao desmantelamento pós-formação (alóctones) Para representar a ideia de autoctonia selecionou-se o perfil 14 (FIGURA 1), por ser esse o único que não apresenta aparente mobilização do material e tem melhores condições de preservação dentre os perfis analisados, pois não foram encontrados sinais de desmantelamento, ou seja, é o remanescente que, provavelmente, melhor preservou os processos formadores dos processos de formação do ferricrete Como representante de perfil desmantelado (alóctone), selecionou-se o perfil 13 (FIGURA 1), dado que apresenta mobilização de materiais, decapitação de horizontes de solos e prováveis discordâncias erosivas entre horizontes e colúvio. Justifica-se a escolha do perfil 13 (P13), porque o grupo dos perfis alóctones apresenta características homólogas e mantêm um padrão de ocorrência na paisagem, ou seja, exibem linhas de pedras soterrando horizonte saprolítico. Esse perfil também apresenta uma maior exposição em profundidade (até 10m de espessura), permitindo a amostragem desde o início da alteração da rocha (saprólito grosso) até o topo do perfil. A análise morfológica do perfil P14 (autóctone), cuja a descrição segue resumida a seguir, permitiu a identificação de três horizontes: ferricrete (maciço e placoide), saprolítico e mosqueado (Figura 2). No intuito de auxiliar a compreensão da origem autóctone e alóctone levantada sobre ferricretes no P14 e P13 por descrições morfológicas, optou-se por coletar amostras para análises laboratoriais (FRX), e o emprego da geocronologia por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) para estabelecer idades dos processos de desmantelamento dos ferricretes, como observado no P13 e de análise química (FRX) para verificar a possível forma de acumulação do ferro (relativa e/ou absoluta) O resultado da datação por LOE indicou a idade da última exposição dos horizontes subjacentes aos fragmentos de ferricrete do P13 em 16.139 ±2.830 anos, ou seja, o desmantelamento do perfil P13 apresenta registro de idade mínima do Pleistoceno Superior. Para atestar possível relação da idade dos processos desse perfil com eventos de coluvionamento regional, foram também realizadas datações em outros perfis desmantelados e distantes entre si (FIGURA 3 - A), em materiais localizados abaixo do colúvio de fragmentos de ferricretes. Essas discordâncias apresentam idades de 16.309 ± 2.830 anos a 549 ±122 anos (FIGURA 3 - B), atestando que o evento de desmantelamento dos perfis de ferricretes é de caráter regional e recente (Pleistoceno Superior ao Holoceno). Os resultados de Fluorescência de Raio-X (FRX),constataram que a presença de teores elevados de ferro nos horizontes de ferricretes, alcançando até 42,5% (Fe2O3), enquanto que nos outros horizontes dos perfis esse valor não ultrapassa 7,3%, tais valores indicam o enriquecimento desse elemento nos ferricretes. Esse enriquecimento pode ter advindo de contribuições por aporte lateral de ferro, pois o seu teor em rochas pouco alteradas não ultrapassa os 2,2%, assim tal acumulação de ferro não seja apenas por translocação vertical. Pela interpretação dos resultados de FRX e LOE, sugere-se que o ferro acumulou- se em vales, onde processos denudacionais expuseram os ferricretes gerados nas porções baixas da paisagem e carreou os arenitos menos resistentes, resultando em um processo de inversão de relevo (Figura 4). Portanto a partir dos resultados e proposta apresentada nesse trabalho propõem- se um modelo hipotético para o significado dos ferricretes no Noroeste do Paraná, o modelo contempla três fases etapas da gênese do ferricrete, a sua posição atual na paisagem. Na primeira fase ocorreria à solubilização e exportação lateral e vertical do ferro (Fe2+), como também a formação dos ferricretes nas partes mais baixas da paisagem (FIGURA 4 – A). Na segunda fase, ocorreria a erosão do material alterado e permanência dos perfis de ferricretes (mais coeso), gerou processos de inversão de relevo (FIGURA 4 – B). A terceira fase representativa do cenário atual ocorre o desmantelamento generalizado dos ferricretes (Figura 4 - C1).

Figura 2

Ilustração de perfis alóctone e autóctone, utilizado como exemplares para o estudo da gênese de ferricretes, no Noroeste do Paraná

Figura 4

Modelo formação dos perfis com ferricrete. A) Formação do ferricrete. B) Inversão de relevo (escala local), C1) Desmantelamento. C2) Remanescente.

Figura 1

(A) Mapa de rugosidade do Noroeste do Paraná e feições de relevo sustentadas por ferricretes. (B) Ilustrações de perfis com ferricrete.

Figura 3

(A) Rugosidade com localização das feições de relevo, sustentadas por ferricretes. (B) Ilustrações de perfis com ferricretes mobilizados e datação LOE

Considerações Finais

O estudo da relação dos ferricretes que capeam feições residuais do relevo (colina e morrote) e a relação com transformações da paisagem via análise química (FRX) e cronológico (datação por LOE), permitiram construir a hipótese que tais acumulações ferruginosas se desenvolveram em vales, processos denudacionais provocaram a inversão de relevo e no presente foram desmantelados. Assim o presente estudo permitiu um melhor entendimento sobre a dinâmica da paisagem no passado recente e maior clareza quanto aos processos evolutivos do relevo no Noroeste do Paraná.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (protocolo 445654/2014-7) que viabilizou o desenvolvimento do presente trabalho. Aos laboratórios LABESED e LAMIR (UFPR), pela disponibilização de toda infraestrutura para o preparo das amostras e análise laboratorial. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela concessão da bolsa de doutorado.

Referências

FERNANDES, L. A.; COIMBRA, A.M. O Grupo Caiuá (Ks): revisão estratigráfica e contexto deposicional. Revista Brasileira de Geociências, vol. 24(3), 1994.

FUMIYA, M. H.; SANTOS, L. J. C.; RIFFEL, S. B. Materiais ferruginosos e sua relação com a evolução do relevo no Noroeste do Paraná. Simpósio Nacional de Geomorfologia. Maringá, 2016.

FUMIYA, M. H.; SANTOS, L. J. C.; MANGUEIRA, C.; COUTO, E. V. Emprego do Índice de Concentração da Rugosidade para identificação de feições morfológicas associadas as crostas ferruginosas no Noroeste do Paraná. Revista Brasileira de Geomorfologia, v.17, n°3, p.465-480, 2016.

JUSTUS, J. O. Subsídios para interpretação morfogenética através da utilização de imagens de radar. Dissertação (mestrado) – Departamento de Geociências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, p.204, 1985.