Autores

Jerszurki, L. (UFPR) ; dos Santos, I. (UFPR) ; Schultz, G.B. (UFPR)

Resumo

As mudanças que ocorrem ao longo do tempo no leito das estradas não-pavimentadas podem ser diversas, geralmente envolvendo erosão e crescimento de vegetação rasteira. As modificações podem englobar desde mudanças em inclinação e geometria até alterações em parâmetros característicos do solo, como condutividade hidráulica saturada e rugosidade. Nesse sentido, buscou-se no presente trabalho identificar possíveis mudanças que ocorreram ao longo do tempo sobre um trecho de estrada não-pavimentada, localizado em uma bacia experimental no município de Rio Negrinho-SC. Empregou-se dados de monitoramento realizados pelo Laboratório de Hidrogeomorfologia da Universidade Federal do Paraná, além de simulações empreendidas no modelo openLISEM. Os resultados demonstram que o crescimento de gramínea no leito da estrada promoveu aumento da condutividade hidráulica saturada e mudanças em outros parâmetros, concluindo-se que a estrada apresentou mudanças significativas ao longo do tempo.

Palavras chaves

Condutividade hidráulica saturada; estrada não pavimentada; openLISEM

Introdução

As estradas florestais são as principais causadoras de erosão e assoreamento de rios em áreas de reflorestamento, por apresentarem maior potencial de geração de escoamento que as áreas de floresta em razão de suas características morfológicas, que facilitam e transferência de escoamento e sedimentos para os rios (SCHULTZ, 2013). A construção e manutenção de estradas não pavimentadas causam significativas alterações na superfície do solo, que tem como resultado alterações no fenômeno de geração de escoamento. Isso ocorre, sobretudo, como efeito da mudança na porosidade e na condutividade hidráulica saturada, causada pela compactação da superfície e por sua própria configuração, que define concentração do escoamento e podem definir o modo como ocorrerá a erosão (SCHULTZ, 2013). Na maioria dos estudos acerca de erosão e escoamento, as estradas são pouco consideradas na dinâmica da encosta (JÓRDAN-LÓPEZ et al., 2008). Os principais fatores que determinam as características erosivas das estradas são o solo exposto e a compactação. Sheikh et al. (2010) e Castillo et al. (2003) destacam a importância da variabilidade da umidade inicial do solo na caracterização da geração de escoamento e infiltração. A erosão hídrica é provocada pelo impacto das gotas de chuva e pela força cisalhante do escoamento superficial, que ocasionam desagregação das partículas de solo. A erosão hídrica é facilitada pela ação humana, principalmente nas estradas, que são mais compactadas e impermeabilizadas pelo tráfego de veículos, gerando diminuição da infiltração e aumento do escoamento. Cada estrada possui configurações individualizadas, mas em geral, os índices de erodibilidade das mesmas situam-se mais elevados em relação às áreas agricultáveis (De Oliveira et al., 2009). Thomaz e Pereira (2013) indicam que a idade da estrada e as condições de uso influenciam de maneira significativa na disponibilidade e tamanho das partículas disponibilizadas para o transporte. Os diferentes tipos de cobertura sobre o solo visam diminuir a propensão à erosão dos mesmos, desacelerando a velocidade de escoamento e diminuindo o impacto relacionado ao efeito splash, fato exemplificado no trabalho de Souza e Seixas (2001), que realizaram um estudo da erosão sobre talude de estrada recoberto com diferentes compostos, demonstrando que a quantidade de sedimentos perdidos, empregando como cobertura cascas de eucalipto, pode ser reduzida em mais de 92% em relação ao solo descoberto. Hessel et al. (2003) indicam que, para pastagem selvagem, a condutividade hidráulica saturada é de 19 cm/dia ou aproximadamente 8 mm/h, um valor representativo muito elevado. Os modelos de simulação de erosão e escoamento também levam em consideração a cobertura vegetal em crescimento. Segundo Lelis et al. (2012), o modelo Swat é bastante sensível a alguns parâmetros de entrada, como a vegetação, o manejo e tipos de solo, enquanto que Machado et al. (2003) salientam a importância da componente “Crescimento das plantas” inserida na dinâmica que compõem o software WEPP, demonstrando a importância do tempo agindo sobre as características do escoamento sobre as superfícies analisadas. No trabalho de Mhonda (2013), o modelo openLISEM foi aplicado empregando, dentre outros dados, os mapas grasswid (valor de 1 metro) e ksatgrass (valor empregado desconhecido), tendendo a gerar bons resultados na simulação de encostas com tiras de vegetação rasteira. Diante disso, busca-se no presente trabalho identificar mudanças em algumas características na superfície de uma estrada não pavimentada localizada em uma bacia experimental florestada da região de Rio Negrinho/SC, empregando monitoramento e modelagem de eventos ocorridos no período 2013-2017, partindo-se de uma estrada recém-nivelada (corrigida por máquinas de terraplanagem) e observando-se os efeitos do crescimento da vegetação e da própria ação do tempo sobre alguns parâmetros relevantes do solo.

Material e métodos

A área de estudo compreende uma parcela de estrada não pavimentada empregada na extração de madeira de reflorestamento, localizada em uma microbacia do município de Rio Negrinho, SC. A parcela possui 41,5 m de comprimento, com declividade média de 3 %. A textura do solo do leito da estrada é franco-siltosa (Schultz, 2013). O monitoramento da precipitação foi realizado utilizando pluviômetro com aquisição de dados com frequência de 1 min. O monitoramento de escoamento e produção de sedimentos foi realizado empregando o equipamento denominado MAASPE (Medidor Automático de Água e Sedimentos em Parcelas Experimentais) desenvolvido pelo Laboratório de Hidrogeomorfologia da Universidade Federal do Paraná, no qual a medição do escoamento é realizada por meio de básculas, preenchidas de água e, após atingir um limite preestabelecido, se esvaziam com o próprio peso do líquido, enquanto que a produção de sedimentos é medida por meio de um turbidímetro instalado no interior de uma das básculas. Para a manutenção da confiabilidade sobre os resultados, o trecho de estrada foi isolado por lombadas, de modo que a vazão pudesse ser direcionada para um ponto de descarga onde foi instalado o MAASPE. Os resultados do monitoramento de períodos de tempo distintos foram comparados, identificando-se os eventos observados na Tabela 01, pertencentes ao período 2013-2017 (período de monitoramento). Nos primeiros eventos (1-5), a estrada estava sob influência de uma recente reforma que havia acontecido, na qual foram empregadas máquinas de terraplanagem para a construção das caixas de contenção para instalação do MAASPE, além da retirada da vegetação da porção central e construção das lombadas para a definição das parcelas. Posteriormente, não houve qualquer outro tipo de manutenção ou tráfego de veículos de modo relevante sobre a estrada, o que propiciou que os eventos 6-10 fossem influenciados de modo mais acentuado pela vegetação natural. Para compreender o efeito da evolução das características do leito da estrada, foi aplicado o modelo openLISEM para simular a geração de escoamento e sedimentos para os eventos monitorados. O openLISEM é um modelo fisicamente baseado e concebido para realizar a simulação de escoamento superficial e transporte de sedimentos em parcelas ou bacias hidrográficas durante evento de precipitação considerando os processos de interceptação, armazenamento superficial em micro depressões, infiltração, movimento vertical da água no solo, escoamento superficial, escoamento em canal, erosão por salpicamento, erosão pelo escoamento superficial e a capacidade de transporte do escoamento (DE ROO et al., 1996). O modelo LISEM exige informações descritivas da forma da área de estudo definidas pelo modelo digital de elevação, declividade, limites da estrada, fluxos de escoamento, ponto de coleta de dados, além dos parâmetros de entrada, como os referentes à rugosidade randômica, condutividade hidráulica saturada e coeficiente de manning, que controlam diretamente a geração de escoamento, e à estabilidade de agregados, diâmetro médio de sedimentos (d50) e coesão do solo, que controlam a erosão e transporte de sedimentos. Foram realizadas calibrações para cada evento no modelo openLISEM, sendo que os dados definidos para cada evento podem ser visualizados na tabela 02. A operação de calibração consiste na modificação do parâmetro manualmente seguido por simulação e avaliação da adequação do resultado em relação aos dados medidos. Para a conversão dos mapas usados na calibração, foi empregado o GIS PCRaster, por meio do qual foram multiplicados os valores calibrados diretamente no formato de entrada do modelo openLISEM. A avaliação da qualidade das simulações foi realizada por meio do coeficiente de Nash e Sutcliffe (1970).

Resultado e discussão

A tabela 01 apresenta características dos eventos hidrossedimentológicos estudados. Observa-se que foram selecionados eventos com características bastante distintas em termos de precipitação total, produção de sedimentos e distribuição temporal. Na comparação dos períodos, entende-se que nos eventos de 1 a 5 não ocorre influência de vegetação, diferentemente dos eventos 7 e 8, nos quais há a presença de gramíneas de pequeno porte no leito da estrada. Já nos eventos 9 e 10, considera-se que a vegetação de gramíneas já está bastante desenvolvida na área, influenciando de maneira significativa as condições hidrossedimentológicas do trecho de estrada. Na tabela 02, encontram-se os parâmetros calibrados do modelo openLISEM e a avaliação da simulação para cada evento considerado. Os parâmetros referentes ao Potencial Matricial na Frente de Molhamento (psi) e à Coesão do Solo (coh) não sofreram alterações, adotando-se 11,1 e 6, respectivamente. A figura 01 apresenta comparações entre os dados observados no monitoramento e simulados pelo modelo openLISEM, demonstrando a proximidade conseguida com a calibração no que se refere ao escoamento (mm) e a produção de sedimentos acumulada (kg). A tendência dos pontos indica que as modificações nos parâmetros de entrada foram necessárias e que produziram os efeitos desejados sobre os resultados, uma vez que a presença de vegetação ocasiona modificações sobre as condições da estrada. Da figura 02 consta a comparação entre dois momentos de um mesmo ponto da estrada analisada no presente trabalho, observando-se que, em janeiro de 2013, não havia vegetação em nenhuma porção da parcela. Contudo, no ano de 2017, aparece uma cobertura quase completa de gramíneas, ilustrando a influência significativa que a vegetação pode exercer sobre a dinâmica do escoamento e erosão em estradas não pavimentadas. Analisando-se os resultados do monitoramento (tabela 01) é possível perceber a grande redução da produção de sedimentos na maioria dos eventos de 7 a 10, excetuando-se o evento 8. Os eventos 7 e 8 possuem a mesma descarga sólida, sendo que o primeiro possui uma precipitação muito superior ao segundo. Isso pode ter ocorrido devido à concentração da chuva que acontece no evento 8, mais acentuada que no evento 7, conforme ilustram os índices I30, o que também faz com que ambos possuam vazões totais bastante próximas, uma vez que o escoamento concentrado pode ter sido predominante (Van Dijk et al., 1996). A descarga sólida do evento 10 é reduzida em resposta à média intensidade da precipitação. O evento 9 mostra a diminuição da produção de sedimentos com a presença de vegetação, sendo que uma intensidade máxima de 36 mm/h resultou em uma produção de sedimentos menor que 1 kg. Com relação aos resultados obtidos nas simulações, os valores de condutividade hidráulica saturada calibrados aumentaram consideravelmente em relação aos eventos mais antigos, evidenciando o fato de que a vegetação aumenta a velocidade de infiltração de água no solo, disponibilizando menos escoamento. Outra consideração importante é a diminuição dos valores de rr (rugosidade randômica) nos últimos eventos, que resultam em menor retenção superficial de água interceptada em depressões no leito da estrada. Juntamente com o aumento da condutividade hidráulica, o ajuste do valor de rr permitiu a calibração da geração de escoamento. O coeficiente de Manning apresentou a tendência de diminuir entre os eventos 1 e 8 com exceção do evento 03 no qual houve uma redução drástica influenciada pela alta taxa de escoamento. Já nos eventos 09 e 10, o valor calibrado aumentou. Como, de acordo com Matos et al. (2011), esse parâmetro representa a rugosidade que age sobre a velocidade do escoamento, e que quanto maior a altura do escoamento menor é o efeito dessa rugosidade sobre a vazão. Portanto, com a manutenção da estrada para a instalação dos equipamentos de monitoramento, no ano de 2013, criou-se uma camada material desagregado depositado sobre uma camada compactada pelo do tráfego de veículos pesados de terraplanagem, alterando o coeficiente de Manning para valores mais elevados. Com a ação erosiva da precipitação e do escoamento o material desagregado foi transportado, expondo a camada compactada de menor rugosidade. Com o crescimento da vegetação, o coeficiente de Manning se elevou, uma vez que o a presença de gramíneas reduz a velocidade do escoamento. Segundo o trabalho de Cruz et al. (1998), o coeficiente de Manning para grama é de 0,2, enquanto que para áreas impermeáveis (ou estradas) é de 0,015, o que ainda é bastante inferior aos resultados do presente trabalho. Nos eventos 04 e 05, foi realizada a redução dos valores de d50. Nesses eventos, o escoamento e a produção de sedimentos são extremamente baixos, resultantes de pequenas alturas e intensidade de precipitação (tabela 1), configurando fenômenos de difícil reprodução pelo modelo openLISEM. O ajuste desse parâmetro foi necessário para o aumento dos valores de coeficiente de Nash e Sutcliffe (1970) e se justifica pela baixa capacidade de transporte do escoamento nesses eventos. O valor calibrado para a estabilidade de agregados aumentou e estabilizou-se ao longo do tempo, o que representa bem a condição da superfície da estrada, uma vez que as atividades de manutenção do leito anteriores ao monitoramento disponibilizaram material desagregado que foi transportado pelo escoamento expondo posteriormente a superfície compactada de maior resistência a erosão.

Tabela 01. Resumo das características dos eventos hidrossedimentológic



Tabela 02. Coeficientes e parâmetros calibrados para os eventos simula



Figura 01. Relação entre (a) escoamento observado e simulado e (b) pro



Figura 02. Comparação entre dois momentos da estrada: (a) sem vegetaçã



Considerações Finais

Observou-se que o crescimento da vegetação de gramíneas e a evolução dos processos erosivos ao longo do período de monitoramento, promoveram uma mudança gradativa das características da estrada analisada. A simulação com o modelo openLISEM permitiu identificar as diferenças entre eventos no período monitorado por meio da análise dos parâmetros calibrados. A influência da ação do tempo sobre a estrada não pavimentada pode ser descrita pelo crescimento de vegetação natural na porção central, pelo aumento da condutividade hidráulica saturada, aumento da resistência à erosão e variações da rugosidade. Esse conjunto de modificações permite concluir que o comportamento de uma estrada recém-nivelada pode se modificar muito com o tempo alterando sua resposta hidrossedimentológica.

Agradecimentos

Referências

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