Autores

Moura Bueno, K.E. (UFPR) ; Abreu Lopes, F.C. (UFPR) ; Santos, I. (UFPR)

Resumo

Em março de 2011, a Serra do Mar e o litoral do Paraná foram atingidos por um evento pluviométrico de grande magnitude, o qual desencadeou uma série de inundações e movimentos de massa. No morro Bom Brinquedo, no município de Antonina, ocorreram vários deslizamentos que atingiram um bairro residencial. Neste contexto, o objetivo desse trabalho é simular o evento com modelo de estabilidade de encostas TRIGRS. O modelo calcula a estabilidade de encostas por meio de combinações entre análises hidrológicas e de estabilidade de maneira transiente, onde as mudanças da poro-pressão do solo são consideradas no método do Fator de Segurança e a capacidade de infiltração é obtida pelo método de Iverson. O mapa de estabilidade apresentado pelo modelo foi validado a partir de uma matriz de confusão simples, que prevê o erro e acerto do resultado em comparação com o inventário de cicatrizes de deslizamentos mapeadas.

Palavras chaves

Deslizamentos; TRIGRS; Estabilidade de encostas

Introdução

Deslizamentos são fenômenos de comum ocorrência em encostas íngremes naturais (SALCIARINI, et al. 2006). Segundo Guidicini e Nieble (1983) deslizamentos ocorrem, em geral, no manto de alteração, cuja espessura está condicionada a rocha de origem, as condições climáticas, tipo de drenagem e inclinação da encosta. Em estações mais chuvosas a ocorrência desse fenômeno é maior devido ao aumento do teor de água na encosta, podendo se transformar em fenômenos mais complexos, como fluxo de detritos (SIDLE e OCHIAI, 2006). A precipitação é um dos fatores que mais contribuem para a ocorrência de deslizamentos translacionais rasos, tendo em vista que esses eventos são condicionados por chuvas intensas que, muitas vezes caem sobre solo com uma umidade antecedente considerável. Uma boa ferramenta de prevenção de deslizamentos é a capacidade de prever o momento e os locais propensos a este fenômeno (BISANTI et al., 2005). O desenvolvimento e uso de modelos de prevenção de deslizamentos vêm crescendo nas últimas décadas com intuito de prever quais porções da paisagem apresentam maior susceptibilidade a ocorrência deste fenômeno. Podem-se citar alguns desses modelos de prevenção de deslizamentos, onde se destacam o SHALSTAB (MONTGOMERY e DIETRICH 1994), SINMAP (PACK et al. 1998), e TRIGRS (BAUM et al. 2002), os quais são modelos matemáticos de base física, ou seja, o resultado é gerado a partir de equações que simulam alguns mecanismos condicionantes do fenômeno (GUIMARÃES et. al. 2003). O modelo TRIGRS calcula a estabilidade de encostas por meio de combinações topográficas e análises hidrológicas de maneira transiente. Especificamente, considera as mudanças da poro-pressão do solo calculadas através do método do fator de segurança (FS) e a capacidade de infiltração da chuva no solo baseado no método de Iverson (2000). Na literatura nacional e internacional, encontram-se diversos trabalhos que apontam potencialidades e limitações do modelo TRIGRS (ex: BISANTI et al., 2005; CHIEN-YUAN et al., 2005; VIEIRA, 2007; RABACO, 2005; LIAO et al. 2011; LISTO e VIEIRA, 2015; BARDONI et al., 2015). Tendo em vista esses pressupostos, o objetivo desse trabalho é simular e validar as condições de instabilidade de encosta resultante do modelo TRIGRS (Transient Rainfall Infiltration and Grid-based Regional Slope Stability Model) para a bacia do Bom Brinquedo, localizada em Antonina – PR, utilizando dados obtidos em campo e inventário das cicatrizes de deslizamentos ocorridos em março de 2011.

Material e métodos

Para este estudo foi definida a bacia do Bom Brinquedo, localizada no município de Antonina-PR, com área de drenagem de 0,17 km², variação altimétrica de 152 metros e ângulos das encostas de até 54 graus. Nesta área ocorreram vários deslizamentos que destruíram inúmeras residências, no evento pluviométrico de março de 2011. Segundo o mapeamento geomorfológico do estado do Paraná, realizado pela MINEROPAR e UFPR (2006), a bacia do Bom Brinquedo está inserida na planície litorânea, especificamente em rampas de pé de serra. Para efetuar simulações com o modelo TRIGRS, é necessário gerar uma série de arquivos em formato ASC, correspondente aos valores de cada parâmetro de entrada. Sendo assim, primeiramente utilizou-se o TopoIndex para preparar os arquivos de dados de entrada do modelo TRIGRS. Um Modelo Digital de Terreno (MDT) com resolução de 10 m (obtido a partir de base cartográfica em escala 1:25000) foi utilizado como arquivo de entrada, a fim de se obter as caracterísicas topográficas da área de estudo. Ademais, são necessários parâmetros hidrológicos, pedológicos e de características de precipitação. Os dados referentes às características pedológicas, foram obtidos por ensaiados em laboratório, realizados por Lopes (2013). As características hidrológicas foram calculadas considerando as condições pluviométricas antecedentes até o momento da ocorrência dos deslizamentos, ou seja, até às 17:00 h do dia 11/03/2011. Assim, valores de entrada para a precipitação foram subdivididos entre 01/03/2011 à 10/03/2011; e na data de ocorrência dos deslizamentos (11/03/2011), foram subdivididos os valores de precipitação medidos nas 6 primeiras horas do dia, das 6:00 h às 12:00 h e das 12:00 h às 17:00 h. A Tabela 1 apresenta os dados utilizados para a aplicação do modelo TRIGRS. O mapa de estabilidade de encostas resultante do modelo TRIGRS é gerado com base na equação do fator de segurança, a qual leva em consideração as forças estabilizantes e desestabilizantes da encosta. Para validação do mapa de estabilidade, efetuou-se um comparativo com as cicatrizes de deslizamentos mapeadas a partir de imagens aéreas cedidas pela ADEMADAN. Em seguida, realizou-se a classificação dos pixels em estável (FS>1) e instável (FS<1). A eficiência do resultado foi mensurada a partir de uma matriz de confusão simples, que prevê o acerto e o erro para cada uma das classes simuladas quando comparadas com as áreas mapeadas no inventário. Assim, tanto os pixels indicados como estáveis quanto como instáveis foram levados em consideração, sendo que os classificados corretamente foram denominados “verdadeiros positivos”, e os classificados erroneamente denominados “falsos positivos”. A precisão de cada uma das classes (EC) é feita entre a razão dos pixels classificados corretamente com a soma de todos os pixels que se enquadram na referida classe, dada por: EC1= ѵƿ1/(ѵƿ1 + ƒƿ2) (1) onde EC1 é a eficiência da classe instável, ѵƿ1 é a quantidade de pixels instáveis classificados corretamente e ƒƿ2 a quantidade de pixels classificados erroneamente. Do mesmo modo, a precisão para a classe estável é calculada pela seguinte equação: EC2 = ѵƿ2/(ѵƿ2 + ƒƿ1) (2) onde EC2 é a eficiência da classe estável, ѵƿ2 é a quantidade de pixels estáveis classificados corretamente e ƒƿ1 a quantidade de pixels instáveis classificados erroneamente. A eficiência da simulação como um todo é o resultado da razão entre a somatória dos pixels classificados corretamente para ambas as classes e o total de pixels da área simulada, dada por: ET = (ѵƿ1 + ѵƿ2)/ ɳ (3) onde ET é a eficiência total da simulação, ѵƿ1 é o total de pixels classificatórios corretamente para a classe instável, ѵƿ2 é o total de pixels classificatórios corretamente para a classe estável e ɳ é o total de pixels para toda a área simulada.

Resultado e discussão

O mapa de estabilidade de encostas, com base fator de segurança para a área de estudo consta da Figura 1. O comparativo entre as cicatrizes de deslizamentos mapeadas e o mapa que indica o fator de segurança permitiu identificar que, as áreas instáveis (FS<1) coincidem, em parte, com as todas as áreas em que ocorreram deslizamentos. Contudo, nota-se que a geometria das cicatrizes é bastante divergente das áreas de instabilidade resultantes. Como o resultado simulado pelo modelo TRIGRS não abrangeu totalmente a área das cicatrizes de deslizamentos mapeadas, calculou-se um índice de eficiência para esse resultado, a fim de indicar a porcentagem de pixels assertivos para cada classe, além de auxiliar na análise da eficiência e limitações dos resultados. A Figura 2 apresenta a os resultados obtidos a partir do índice de eficiência. Na tabela as “áreas instáveis e estáveis” referen-se aos resultados do mapeamento das cicatrizes dos deslizamento e os “pixels instáveis e estáveis” referem-se aos resultados da simulação. Diferentemente das considerações evidenciadas em Vieira (2007), Bisanti et al. (2005) e Rabaco (2005), neste trabalho não foi constatada a superestimação de áreas instáveis, tendo em vista que 46,8% dos pixels foram considerados erro, de acordo com o índice de eficiência. Já as áreas estáveis, coincidiram em 92,2% com as áreas que não compreendem as cicatrizes de deslizamentos mapeadas. Contudo, deve-se levar em conta que o modelo é uma simplificação da realidade e que tanto o TRIGRS quanto o Fator de Segurança apresentam limitações nos seus resultados. Especificamente neste estudo, tais limitações englobam o mapeamento das cicatrizes de deslizamentos, o qual foi efetuado com base em um sobrevôo na área e não por meio de uma fotografia aérea ou imagem de satélite com maior resolução. Ademais, a escala da base cartográfica disponível interfere diretamente na qualidade da resolução do MDT.

Figura 1

Susceptibilidade à ocorrência de deslizamentos de acordo fator de segurança simulado pelo modelo TRIGRS para a área de estudo.

Figura 2

Índice de eficiência do Fator de Segurança.

Considerações Finais

Diferente de outros modelos de estabilidade de encostas como o SHALSTAB e SINMAP, o modelo TRIGRS apresenta-se mais complexo. Isso se deve a maior quantidade de dados de entrada, bem como de parâmetros topográficos, pedológicos e hidrológicos. Outra importante vantagem do modelo TRIGRS consiste em considerar de maneira transiente as características hidrológicas e geofísicas, característica muito pertinente para modelagem de estabilidade de encostas, tendo em vista regiões como a Serra do Mar, onde a precipitação é um condicionante fundamental para a ocorrência dos movimentos de massa nas encostas. Os resultados obtidos neste trabalho apresentaram-se em parte coerentes com o evento ocorrido. As áreas consideradas pelo modelo com fator de segurança <1 (áreas instáveis) indicaram mais de 50% de acerto, de acordo com o índice de eficiência aplicado. Além disso, todas as cicatrizes mapeadas compreenderam-se ao menos em parte dos limites de instabilidade, não extrapolando as áreas instáveis geradas pelo modelo e não apontando uma extensa e generalizada área classificada como “instável”, permitindo uma interpretação e planejamento mais pontual e preciso. Por fim, as potencialidades e limitações da modelagem de estabilidade de encostas permitem a reflexão de que, embora seja uma importante ferramenta de planejamento, deve ser utilizada e ajustada em conjunto com trabalhos de campo e dados confiáveis, bem como com bases cartográficas precisas.

Agradecimentos

Referências

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