Autores

Costa, N.M.C. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Costa, V.C. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Marques Filho, J.P. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Pereira, E.S. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO)

Resumo

O turismo ambiental vem crescendo no Brasil, principalmente pela importância dos aspectos naturais serem reconhecidos como de alta atratividade, para fins de lazer, educação e conservação ambiental. Esse é o caso dos recursos geológico-geomorfológicos de várias regiões. Neste contexto, o objetivo do presente trabalho foi avaliar as potencialidades e as fragilidades ambientais de duas bacias hidrográficas no Parque Estadual da Pedra Branca (RJ), visando subsidiar o uso público da área protegida, garantindo a qualidade e a valorização de seus atrativos. Foi gerado, a partir do interpolador IDW (ArcGIS), o mapa de fragilidades geoturísticas, onde, do total de 96 pontos potenciais de geossítios/geomorfossítios, 41 são de muito alta a alta fragilidade (93% ocorrem na Bacia do Rio Grande). Medidas de geoconservação deverão ser tomadas visando garantir todo o processo educativo e de visitação, bem como a manutenção dos recursos geológico/geomorfológicos das bacias analisadas.

Palavras chaves

Geoturismo; Fragilidade Ambiental; Geoconservação

Introdução

O turismo ambiental vem crescendo e se diversificando, tanto no Brasil quanto no mundo, na medida em que outros aspectos naturais, além dos bióticos, passam a ser reconhecidos como de alta atratividade para fins de lazer, educação e conservação ambiental. Esse é o caso dos recursos geológico-geomorfológicos, que vem sendo alvo de interesse de estudiosos e pessoas que se identificam e se interessam pela promoção de práticas interativas de conservação, interpretação ambiental e turismo, voltados aos componentes físicos de uma paisagem. Assim, o geoturismo surgiu na década de 1990, sustentado pelo trinômio: geoconservação, geohistória e geointerpretação, alicerçados pela inclusão social (NASCIMENTO, 2008; HOSE, 2008; BRILHA, 2015 e OLIVEIRA, 2017). Por sua vez, para a correta implementação do geoturismo, há a necessidade de avaliações criteriosas sobre as reais potencialidades e limitações à definição de geossítios e geomorfossítios, particularmente em áreas vulneráveis a intensa geodinâmica interna e/ou externa. A cidade do Rio de Janeiro, cuja atuação do clima, associada aos aspectos morfoestruturais e pedológicos dos maciços litorâneos (intensa geodinâmica externa) e a grande ocupação de suas encostas, apresenta fragilidade ambiental em diferentes níveis, exigindo cautela na proposição daquele tipo de turismo ambiental. Neste contexto, se encontra o Maciço da Pedra Branca, protegido legalmente (acima da cota altimétrica de 100 m) pelo Parque Estadual de mesmo nome, que foi criado através da Lei Estadual nº 2.377 de 28 de junho de 1974 e possui cerca de 12.000 ha. Está localizado próximo a outras duas importantes unidades de conservação: Parque Nacional da Tijuca e Parque Natural Municipal do Mendanha, todas situadas no Município do Rio de Janeiro. Sua biodiversidade e geodiversidade se destacam na paisagem carioca, atraindo visitantes/turistas nacionais e internacionais, em busca de lazer e conhecimento sobre a realidade físico- biótica local. Baseado nessas premissas o objetivo do presente trabalho foi avaliar algumas potencialidades geoturísticas do referido maciço, assim como as limitações impostas à sua conservação principalmente quanto à fragilidade ambiental, visando subsidiar a administração da área protegida, quanto a correta promoção do uso público, de forma a garantir a qualidade e a valorização dos atrativos. Foram selecionadas duas bacias hidrográficas como recorte espacial no interior do PEPB: Rio Grande e Camorim, onde estão os locais de maior visitação no interior da área protegida.

Material e métodos

Os materiais básicos utilizados na elaboração do trabalho foram: bases vetoriais de 1:25.000 do Estado do Rio de Janeiro (IBGE, 2016), sendo recortado o limite do PEPB; o mapa geológico da DRM-RJ (1982), na escala de 1:50.000; o mapa pedológico da EMBRAPA (1999), na escala de 1:50.000; o mapa de uso e cobertura da terra, na escala de 1.10.000 (Data Rio, 2015) e os dados pluviométricos de estações do Sistema Alerta Rio da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro (2015) e os dados pontuais sobre os atrativos geoturísticos por Pereira (2010) e a delimitação das sub-bacias do PEPB por Ribeiro (2013). Foram também utilizadas imagens de média e alta resolução espacial, Sentinel 2A e o software Google Earth EC, na intenção de compatibilizar os resultados obtidos na modelagem com a realidade virtual e validação das classes do uso e ocupação, substituindo a necessidade de diversos trabalhos de campo. Os estudos de Ross (1994), Crepani et al (1996), Spörl e Ross (2004), Costa (2006), Costa et al (2009), Conceição et al (2010) e Ribeiro (2013), Brilha (2016) e Oliveira (2017) demonstraram ser essenciais na elaboração do mapeamento de fragilidade geoturística, na compreensão sobre a ótica do conhecimento geossistêmico. A base digital topográfica e hidrográfica foram corrigidas através do software ArcGIS Desktop utilizando a ferramenta Topology. Foi construído também o Geodatabase para armazenamento e análise dos planos de informação, além de estabelecidas regras topológicas para assegurar a qualidade das análises. Para a geração do MDE-HC (Modelo Digital de Elevação com Consistência Hidrológica) foi utilizado o interpolador Topo to Raster que, segundo Hutchinson (2009, apud Carmo, 2014), este método é projetado especificamente para a criação de modelos digitais de elevação hidrologicamente correto a fim de proporcionar análises que subsidiarão a melhor gestão dos recursos hídricos. A metodologia de Hengl (2006) também foi utilizada para a definição da escala mais adequada a representação do modelo. Este método sugere considerar a escala cartográfica e a complexidade do terreno. A interpolação dos dados é feita utilizando a soma ponderada dos quadrados dos resíduos a partir dos dados de elevação da superfície representada pela grade amostral. Posteriormente serviu de base para a elaboração do mapa de declividade. Todas as bases foram rasterizadas com pixel referente a menor escala, sendo este encontrando-se na resolução espacial de 10 m. Os dados pluviométricos foram tratados, com o interpolador IDW, criando-se o mapa de intensidade pluviométrica. Os dados litológicos contendo as informações sobre cada geossítio/geomorfossítio, com potencial para o geoturismo, foram classificados de acordo com o trabalho de Ross (1994), Crepani et al (1996) e adaptado de Brilha (2016). Nesse caso utilizaram-se pesos para cada geomorfossítio e, com o interpolador IDW, foi gerado o mapa de atrativos geoturísticos. As outras bases, as quais se encontravam no formato vetorial, foram transformadas em formato raster através da ferramenta de conversão Raster to Layer, e, posteriormente, foram reclassificadas de acordo com os pesos estabelecidos por Spörl e Ross (2004). Para os mapas analíticos finais de Fragilidade Ambiental, segundo Ross (op. cit.) e Crepani et al (op. cit.), foi utilizado o método de análise hierárquica multicriterial dos pesos da AHP – Analytic Hierarchy Process (Thomas Saaty, 1980), através da ferramenta extAHP 2.0 utilizada no ArcGIS. A ponderação sobre o peso da fragilidade ambiental foi considerada com uma importância 5, de acordo com a escala de Saaty (1980). A partir do uso da ferramenta Reclassify, foi elaborada a relação de importâncias entre os critérios selecionados. Para a elaboração do mapeamento de fragilidade geoturística foi necessário o cruzamento entre os mapas de fragilidade ambiental Ross (1994) e os atrativos geoturisticos (geossítios/geomorfossítios) com o método AHP.

Resultado e discussão

A geodiversidade do Parque Estadual da Pedra Branca é composta por aspectos físico-bióticos e culturais, os quais formam e modelam sua paisagem. Nas trilhas próximas à sede administrativa do PEPB (Pau da Fome) são encontrados afloramentos representativos de quase todas as litologias do maciço: ortognaisse, granito, pegmatitos, migmatito, basalto, gabro e tonalito (Figura 1). Além das litologias que compõem essa bacia, através das trilhas da sede da área protegida, é possível apreciar a paisagem geomorfológica, marcada por cachoeiras e feições peculiares, a exemplo do matacão de ortognaisse conhecido como “casco de navio” (Figura 1 e Figura 3). A baixada de Jacarepaguá remonta momentos de transgressão e regressão marinha em diversos momentos da história geológica. A geodiversidade deste núcleo é composta principalmente pelas paisagens da referida baixada, além dos afloramentos e blocos de granito, cachoeiras, o açude do Camorim e ruínas. O circuito das águas é um local de captação e tratamento de água da Cedae, onde há a exposição de afloramento de rocha em queda d’água e também o morro em frente à sede administrativa é um afloramento do Granito Favela/Andorinha. Ao longo da trilha do Camorim é possível observamos a geomorfologia da baixada de Jacarepaguá e o relevo ao redor (Figura 2). Um dos locais mais visitados nesta trilha é a cachoeira do Camorim (Figura 2). Local onde há bela exposição de rochas e estruturas geológica cercada por uma beleza cênica singular. A existência de ruínas no meio da mata completa este cenário, rico em belas paisagens geológicas e geomorfológica, envolto pela biodiversidade. O ponto final da trilha é o Açude do Camorim (Figura 2 e Figura 3), local propício para apreciar a paisagem e descanso. Neste ponto não é permitido o banho. A geodiversidade do Camorim é também a base para o desenvolvimento das atividades geoturísticas no PEPB. Este trecho é um dos mais visitados do Parque, sendo mais intensas na trilha do Circuito das Águas, compreendendo: a região da subsede (Núcleo Camorim), a captação de água feita pela CEDAE, e a trilha do Açude do Camorim, que tem seu início na sub-sede e termina no açude. Na figura 3 são apresentados os atrativos geoturísticos existentes nestas trilhas e seus temas. Dos 96 pontos identificados e mapeados por Pereira (2010), com potenciais geossítios/geomorfossítios, 41 estão em ambiente de muito alta a alta fragilidade ambiental, 46 em média fragilidade e 9 em baixa a muito baixa fragilidade (Figura 4). A Bacia do Rio Grande, em comparação com a Bacia do Camorim, responde por 93% das ocorrências em ambiente de alta a muito alta fragilidade. Os 9 geossítios/geomorfossítios identificados em ambiente de muito alta fragilidade localizam-se: no início das Trilhas do Rio Grande e Sta. Bárbara e no entroncamento da Trilha de Sta. Bárbara com a Trilha da Barroca. As características geológico-geomorfológicas e pedológicas dominantes que respondem por essa condição são: encostas íngremes (declividades entre 20 a 45 graus), recobertas por argissolos formados a partir da decomposição de gnaisses, migmatitos granitos altamente fraturados, alguns preenchidos por diques de diabásio, com presença de mata secundária com estrato arbóreo-arbustivo predominante em processo de regeneração. Nesta bacia, os 29 pontos que estão em ambientes de alta fragilidade localizam-se nas trilhas do Quilombo e na travessia Rio Grande/Camorim. As características geológico-geomorfológicas, pedológicas e de declividade são as mesmas da fragilidade muito alta, no entanto, a condicionante uso e cobertura vegetal apresentou áreas agrícolas (cultivo de banana) disseminado pela trilha do Quilombo e travessia Rio Grande/Camorim. Quanto aos 44 pontos em ambientes de média fragilidade, estes se localizam nas trilhas de Santa Bárbara, Barroca e Tira Couro. As características geológico-geomorfológicas e pedológicas dominantes são: encostas íngremes e de paredões rochosos (acima de 20 a 45 graus), com argissolos e presença de granodioritos (rochas metamórficas), com a presença predominante de mata secundária com estrato arbóreo-arbustivo. A bacia do Rio Camorim possui poucos pontos de atratividade geoturística, comparado com o Rio Grande, ou seja, são apenas 3 pontos de alta fragilidade, 2 de média e 2 de baixa, que se concentram no início e no final da trilha. As características físico- bióticas dominantes são as mesmas detalhadas anteriormente para a bacia do Rio Grande.

Figura 1

Foto à esquerda: bloco de ortognaisse, conhecido como Casco de Navio. Foto à direita - Dique de basalto em migmatito. Trilha Rio Grande.

Figura 2

Cachoeira do Camorim, seta indicando ruína no meio da mata na trilha do camorim e açude do Camorim.

Figura 3

Quadro de Atrativos Geoturísticos das trilhas das Bacias Hidrográficas do Rio Grande e Camorim (PEPB)

Figura 4

Mapa de Fragilidade Geoturística das Bacias Hidrográficas do Rio Grande e Camorim (PEPB-RJ).

Considerações Finais

A análise conjugada dos geossítios/geomorfossítios potenciais com as áreas de fragilidade ambiental, mostrou que as duas mais importantes bacias hidrográficas do Parque Estadual da Pedra Branca, não somente apresentam significativas feições geológico-geomorfológicas e bióticas de interesse à geoconservação, mas situam-se, predominantemente, em áreas de média a alta/muito alta fragilidade ambiental. Nesse contexto, a promoção do geoturismo nesses locais deve ser realizada mediante ações criteriosas e integradas com projetos de educação ambiental, associados ao controle efetivo do uso público.

Agradecimentos

Referências

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