Autores

Mezzomo, M.D.M. (UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ) ; Azevedo, R.F. (MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ) ; Ribeiro, P.F. (FADCT)

Resumo

O objetivo deste trabalho é destacar a importância geológica/geomorfológica e histórica da bacia do rio Piquiri, localizado no estado do Paraná. O estreitamento denominado Apertados, no trecho inferior da bacia e o Salto Paiquerê, presente no afluente rio Goioerê, próximos, apresentam-se ameaçados devido a projetos de construção de usinas e pequenas centrais hidrelétricas. Nos esforços de contenção dos empreendimentos, o movimento Pró Ivaí/Piquiri propôs a criação de um mosaico de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) nos municípios que margeiam os dois trechos em destaque, tendo em vista dois principais objetivos: a conservação geoambiental e histórica da região e o desenvolvimento de ações, atividades e projetos socioeconômicos por meio de recursos oriundos do ICMS Ecológico que seriam gerados pelas APAs.

Palavras chaves

Conservação; Bacia hidrográfica; Participação popular

Introdução

O rio Piquiri, localizado no estado do Paraná, drena mais de 24 mil km² de área, somando 660 km de extensão. É a quarta maior bacia do estado e um dos principais rios que contribuem de forma direta para a dinâmica do remanescente do rio Paraná, uma vez que é um dos poucos contribuintes livre de barragens do único trecho lótico do rio Paraná em território brasileiro. No trecho médio do rio Piquiri, encontram-se duas áreas de importância geológica e geomorfológica que ainda não foram devidamente reconhecidas em termos de geodiversidade brasileira. Estas duas áreas se referem a um trecho do rio denominado Apertados e ao Salto Paiquerê, localizado em um afluente do Piquiri (rio Goioerê), ambos com importância geológica/geomorfológica e potencial geoturístico. Estes trechos dos rios envolvem os municípios de Alto Piquiri, Mariluz, Formosa do Oeste, Quarto Centenário e Goioerê. Ambas as áreas estão ameaçadas devido a projetos hidroelétricos que inundariam parte dos rios Piquiri, Goioerê e Ivaí, outro importante rio do estado. No rio Piquiri foram tornados públicos 16 projetos de aproveitamentos em sua calha, dos quais, duas UHEs (usinas de grande porte) foram objeto de licenciamento ambiental, com realização de audiências públicas. No rio Goioerê há 09 projetos de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), um dos quais submetido a licenciamento ambiental, também com realização de audiência pública. Nas duas situações, a organização da comunidade em favor da conservação dos rios resultou em intensa e articulada participação nas audiências, inclusive com requisição de complementação dos estudos de impacto ambiental, na forma da legislação. Tais projetos hidrelétricos até o momento não foram licenciados (AFFONSO, et al., 2015). Os diversos atores da sociedade civil regional interessados na proteção dos rios organizaram-se no autodenominado movimento Pró Ivaí/Piquiri. Esta iniciativa tem o intuito de conter a implantação de empreendimentos deletérios, promovendo ações de sensibilização sobre a importância desses rios em termos turísticos, ambientais, históricos, sociais e econômicos (AZEVEDO, 2015). Uma das alternativas propostas pelo movimento Pró Ivaí/Piquiri é a criação de um mosaico de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) nos municípios que margeiam os dois trechos em destaque (Apertados e Salto Paiquerê), tendo em vista dois principais objetivos: a conservação ambiental e histórica da região; e o desenvolvimento de ações, atividades e projetos socioeconômicos por meio de recursos oriundos do ICMS Ecológico que seriam gerados pelas APAs. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é destacar a importância geológica/geomorfológica e histórica do Apertados e Salto Paiquerê, bem como apresentar a proposta de criação de APAs municipais como alternativa para a conservação e desenvolvimento social e econômico da região.

Material e métodos

O movimento Pró Ivaí/Piquiri é formado por pessoas que voluntariamente abraçaram a causa de defesa dos rios Piquiri e Ivaí, principais contribuintes do remanescente lótico do rio Paraná no Brasil. Integram o movimento professores e estudantes universitários, professores da rede pública, produtores rurais, agentes políticos municipais, pescadores artesanais e amadores, profissionais liberais, promotores públicos, entre outros. Os trabalhos de sensibilização desenvolvidos pelo movimento envolvem várias frentes, sendo que no caso do rio Piquiri (trecho Apertados e Salto Piquerê) as ações têm sido desenvolvidas desde 2011. Para as ações de valorização geológica e geomorfológica do rio Piquiri e propostas de criação de APAs municipais como alternativa para a conservação e desenvolvimento social e econômico da região, as ações envolveram: - reuniões com sociedade civil e representantes políticos para expor a importância dos rios; - oficina participativa para interação da comunidade local no debate; - organização de material técnico e elaboração de propostas de criação de APAs municipais; - apresentação das propostas junto à comunidade; - organização de eventos e palestras para a comunidade; - reuniões técnicas com representantes políticos (prefeitos, vice-prefeitos e secretários). Estas ações decorreram de atitudes voluntárias e com apoio de entidades como a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico do Vale do Rio Piquiri (FADCT); universidades públicas por meio de pesquisas científicas e projetos de extensão como no caso da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), câmpus Campo Mourão, Universidade Estadual de Maringá (UEM), sede Maringá e câmpus Goioerê e Umuarama e Universidade Federal do Paraná, câmpus Palotina; Associação de Defesa do Meio Ambiente de Umuarama – ADEMA; trabalhadores rurais do Assentamento Nossa Senhora Aparecida, de Mariluz; Cooperativas Agropecuárias e clubes de serviços como o Rotary Club de Goioerê e de Mariluz; agricultores e moradores locais. Além disso, acompanham as ações a EMATER-PR, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), por meio da Coordenadoria do ICMS Ecológico por Biodiversidade, Ministério Público do Estado do Paraná e municípios de Brasilândia do Sul, Alto Piquiri, Mariluz, Formosa do Oeste, Quarto Centenário e Goioerê (autoridades e/ou comunidades).

Resultado e discussão

A bacia do rio Piquiri conta com cerca de 24 mil km² de área drenada, sendo a quarta maior bacia do estado do Paraná, com percurso de 660 km até sua foz no rio Paraná (SUDERHSA, 2006). Figura 1: Localização da Bacia do Rio Piquiri no estado do Paraná, com destaque para o trecho que passa pelos municípios Alto Piquiri, Mariluz, Goioerê, Quarto Centenário e Formosa do Oeste. Fonte: SUDERHSA, 2006. A formação geológica da bacia encontra-se nos limites entre as Bacias Sedimentares Baurú e Paraná, dada por uma transição entre substratos distintos, um de litologia ígnea representado pelas rochas basálticas do Grupo São Bento, Formação Serra Geral e outras pelas rochas sedimentares do Grupo Bauru, Formação Caiuá. O Grupo São Bento, Formação Serra Geral é caracterizado por derrames de magma ocorridos na Era Mesozóica, no período entre o Jurássico e o Cretáceo, há cerca de 140 milhões de anos. Ao longo de milhões de anos os movimentos tectônicos têm determinado a estrutura do continente sul americano e isso refletiu em aspectos como afundamentos e basculamentos, lineamentos, fissuras e fraturas que tem a ver com a compensação isostática das margens continentais do continente. No caso do estado do Paraná, a estrutura é marcada por um soerguimento da crosta terrestre na borda leste da Bacia Sedimentar do Paraná, ativo principalmente no Mesozóico, quando os continentes sul-americano e africano estavam em separação. O soerguimento apresentou forma alongada, com eixo na direção NW-SO com caimento no sentido NW. Além do levantamento da crosta, o arqueamento das rochas originou feixes subparalelos de fraturas profundas que foram as alimentadoras dos extensos derrames de basalto e soleiras de diabásio (MELO e ASSUNÇÃO, 2000). Esta situação de soerguimento levou ao lineamento de muitos rios e trechos de rios do Paraná, como no caso do rio Piquiri, que apresenta alinhamento SE-NW, com parte do seu trecho encaixado em lineamento estrutural que se caracteriza por uma feição linear, topograficamente representada por vales alinhados e indicam a presença de fraturas e/ou falhas geológicas, nas quais trechos do rio se encaixam, como no caso do estreitamento do Apertados, entre os municípios de Formosa do Oeste e Alto Piquiri (Figura 2). Figura 2: Trecho Apertados – Formosa do Oeste e Alto Piquiri. Fonte: Google Earth@, 2017 e acervo próprio. No caso do Salto Paiquerê, a cachoeira de mais de 10 metros de altura, localiza-se a 13 quilômetros a montante da foz do rio Goioerê no Piquiri (Figura 3). Neste trecho do rio, o Salto está na divisa político-administrativa entre os municípios de Mariluz e Alto Piquirí. O rio Goioerê é um afluente da margem direita do rio Piquiri, sendo considerado de pequeno a médio porte, seguindo os padrões do relevo da região, que apresenta vales pouco profundos e divisores suave ondulados predominando em quase todo curso. No trecho inferior do rio, o relevo é mais encaixado, configurando um complexo de corredeiras entre as quais está o Salto Paiquerê (MINEROPAR, 2006). Figura 3: Salto Paiquerê – Mariluz e Alto Piquiri. Fonte: Google Earth@, 2017 e acervo próprio. Em termos históricos, a região foi ocupada há cerca de dez mil anos por diferentes populações, abrangendo caçadores-coletores, ceramistas e agricultores, indígenas, jesuítas, europeus, tropeiros e imigrantes. Vários sítios arqueológicos e históricos foram encontrados no vale do rio Piquiri. No trecho Apertados, foi identificado um sítio denominado Recanto Apertados Piquiri I, onde foram encontrados objetos como bacias de polimento, afiadores e gravuras rupestres que seriam de Grupos de Tradição Bituruna e Umbu, que teriam ocupado a região até cerca de 10.000 anos atrás.No Salto Paiquerê, em área erodida por desmatamento e abertura de antiga pastagem, também foram verificados vestígios líticos (PONTES FILHO et al., 2013). O sitio Recanto Apertados Piquiri I e o Salto Paiquerê foram objeto de pedidos de tombamento junto ao Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico como patrimônio natural e cultural do estado do Paraná, porém os procedimentos ainda não foram concluídos, estando atingidos, entretanto, enquanto pendente decisão final, pelo tombamento provisório. Leis municipais foram editadas, declarando a importância destes locais. Outro aspecto que coloca a região em destaque, se refere ao potencial de conservação da biodiversidade, já destacados em nível estadual e federal. Conforme portaria do MMA nº 09/2007, a região está inserida dentro das “Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira”, sendo classificadas como classe de importância biológica extremamente alta e classe de prioridade de ação como muito alta. Estas condições indicam que a implantação de políticas públicas, programas, projetos e atividades priorizem a conservação da biodiversidade e uso sustentável, a repartição de benefícios derivados do acesso a recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado, a recuperação de áreas degradadas e de espécies exploradas ou ameaçadas de extinção e o desenvolvimento de pesquisa e inventários sobre a biodiversidade. Em nível estadual, a Resolução Conjunta nº 05/2009, assinada pela Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e pelo Instituto Ambiental do Paraná, estabeleceu e delimitou esta região no mapeamento das “Áreas Estratégicas para a Conservação e a Recuperação da Biodiversidade no Estado”, cujo objetivo é efetivar a gestão ambiental das áreas de maior importância para a biodiversidade paranaense, visando a conservação dos remanescentes florestais e a restauração de áreas para a formação de corredores ecológicos (PONTES FILHO et al., 2013). Estas características ambientais, destacam a importância deste trecho dos rios Piquiri e Goioerê, os quais contam com propostas de construção de aproveitamentos hidrelétricos exatamente nas áreas destacadas (Apertados e Salto Paiquerê), o que levaria à inundação do primeiro e diminuição do fluxo de água do segundo, afetando seus atributos geológico/geomorfológico e geoturísticos. Neste sentido, com intuito de motivar os municípios a pensar de uma forma diferente, valorizando e conservando os aspectos destacados, o movimento Pró Ivaí/Piquiri organizou propostas de criação de APAs para os cinco municípios. Os critérios das propostas envolveram argumentos repassados pelos membros do movimento, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, as Áreas Prioritárias e critérios geoambientais (localização de nascentes, corpos hídricos, áreas verdes, bacias hidrográficas). A delimitação das áreas seguiu aspectos como: microbacias, áreas de preservação permanente; fragmentos florestais; divisas municipais; e interesse da população. As cinco propostas envolveram a formação de um mosaico margeando os rios Piquiri e Goioerê envolvendo os municípios de Mariluz, Alto Piquiri, Formosa do Oeste, Quarto Centenário e Goioerê (Figura 4). Figura 4: Proposta de criação de APAs Municipais. Fonte: Movimento Pró Ivaí/Piquiri, 2016. Juntas, as APAs envolveriam cerca de 600 km2 de área às margens dos rios Piquiri e Goioerê. Parte-se do entendimento, que as APAs podem se tornar importantes instrumentos de planejamento. Entre as várias atividades que poderiam ser desenvolvidas dentro das APAs para fortalecer aspectos socioeconômicos, culturais e ambientais, estão: ecoturismo, turismo rural, turismo de aventura, geoturismo; incentivo à produção orgânica e artesanal de produtos agrícolas; rotas esportivas (ciclismo, caminhadas, esportes aquáticos); projetos de recuperação de áreas degradadas; projetos de criação de corredores ecológicos; criação de novas Unidades de Conservação, etc. Vale destacar, que a arrecadação do ICMS Ecológico gerada pelas APAs seria maior do que a compensação decorrente das indenizações pela da inundação das áreas por empreendimentos hidrelétricos e, ainda, promoveria a manutenção e potencialização ambiental e socioeconômica da região.

Figura 1 - Localização da Bacia do Rio Piquiri no estado do Paraná,

Localização da Bacia do Rio Piquiri no estado do Paraná.

Figura 2 - Trecho Apertados – Formosa do Oeste e Alto Piquiri. Fonte:

Trecho Apertados – Formosa do Oeste e Alto Piquiri. Fonte: Google Earth@, 2017 e acervo próprio.

Figura 3 - Salto Paiquerê – Mariluz e Alto Piquiri. Fonte: Google Eart

Salto Paiquerê – Mariluz e Alto Piquiri. Fonte: Google Earth@, 2017 e acervo próprio.

Figura 4: Proposta de criação de APAs Municipais. Fonte: Movimento Pró

Figura 4: Proposta de criação de APAs Municipais. Fonte: Movimento Pró Ivaí/Piquiri, 2016.

Considerações Finais

Por conta da proposta de construção de usinas hidrelétricas no rio Piquiri e Goioerê, foram instaurados procedimentos administrativos pelo Ministério Público do Paraná, nas comarcas de Goioerê, Cruzeiro do Oeste, Alto Piquiri e Formosa do Oeste. A característica fundamental desta organização para debater o futuro das áreas em questão, com a construção da proposta da criação das APAs é a de ser uma rede institucional. Nesta rede, a liderança é exercida de forma situacional e com participação efetiva de animadores locais, com a função de aglutinar e inserir todos os segmentos da sociedade local na discussão, autoconhecimento do ambiente regional, possibilitando efetiva atuação sobre o futuro destas comunidades. Com a proposta da criação do mosaico, serão mantidas as atividades econômicas atualmente desenvolvidas nas propriedades rurais, com estímulo à adoção de melhores práticas agrícolas, assim como poderão conectados os remanescentes florestais e preservado o patrimônio geológico/geomorfológico, com grande potencial turístico. Do ponto de vista econômico, o retorno financeiro decorrente do ICMS Ecológico e exploração turística é maior e mais atrativo do que as compensações econômicas oriundas da produção de energia.

Agradecimentos

A Fundação de Apoio ao desenvolvimento Tecnológico e Científico do Vale do Piquiri e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná pelo apoio nos projetos de pesquisa e extenssão.

Referências

AFFONSO, Igor de Paiva; AZEVEDO, Robertson da Fonseca de; SANTOS, Natália Lacerda Carneiro dos; DIAS, Rosa Maria; AGOSTINHO, Angelo Antonio; GOMES, Luiz Carlos. Pulling the plug: strategies to preclude expansion of dams in Brazilian rivers with high-priority for conservation. Natureza & Conservação. n 1 3, 2015. p.199–203.
AZEVEDO, Robertson da Fonseca de Tradução entre ciências e proteção de bacias hidrográficas de importância para conservação: Ivaí e Piquiri, remanescentes fluviais do alto rio Paraná. 217f. Tese. Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais do Departamento de Biologia, Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2015.
MELO, Mário Sérgio de; ASSUNÇÃO, Heracto Kuzycz. Arco de Ponta Grossa. In: Dicionário histórico e geográfico dos Campos Gerais. Ponta Grossa, UEPG, 2000.
MINEROPAR – SERVIÇO GEOLÓGICO DO PARANÁ. Atlas
Geomorfológico do Estado do Paraná. Curitiba: Mineropar, 2006. Disponível em http://www.mineropar.pr.gov.br
PONTES FILHO, Almir; KLÜPPEL, Cristina Carla; KARAM, Milton de Chueri. Informações técnicas para o processo de tombamento do Salto Paiquerê – municípios de Alto Piquiri e Mariluz – Paraná. 2013.
SUDERHSA/SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E RECURSO HÍDRICOS. Unidades Hidrográficas. 2006. Disponível em: http://www.aguasparana.pr.gov.br/arquivos/File/DADOS%20ESPACIAIS/Unidades_Hidrograficas_A4.jpg