Autores

Silva, J.P. (UEM) ; Nakashima, M.R. (USP)

Resumo

O estudo da geodiversidade visa o conhecimento, mensuração, descrição e conservação dos elementos abióticos da paisagem (geológicos, geomorfológicos e pedológicos). Neste trabalho foi aplicada uma metodologia de quantificação dos índices de geodiversidade no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR). O objetivo da aplicação da metodologia é a divulgação deste tipo de mapeamento como ferramenta para o planejamento territorial. O hotspot da geodiversidade ocorre na Zona de Amortecimento do parque, nas áreas adjacentes ao limite oeste da unidade e ao longo do curso do rio Ribeira do Iguape, em terrenos denominados montanhosos e escarpados. Dentro da área do PETAR, os maiores índices de geodiversidade se localizam na porção sul do parque, justamente nas áreas consideradas de maior fragilidade ambiental.

Palavras chaves

Índices de Geodiversidade; Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira; Fragilidade Ambiental

Introdução

Os estudos que envolvem a avaliação da geodiversidade, definida por Gray (2004) como a variedade natural de aspectos geológicos (minerais, rochas e fósseis), geomorfológicos (formas de relevo, processos) e do solo vêm sendo realizados por um crescente número de cientistas da Terra ao longo dos últimos anos. Sua importância decorre da necessidade de proteção de áreas selecionadas a partir destas pesquisas, aliadas à discussão dos valores da geodiversidade. Recentemente, Gray (2013) acrescentou dentre os valores elencados anteriormente (GRAY, 2004) os serviços ecossistêmicos oferecidos pela geodiversidade, que deve receber, portanto, a mesma atenção dispendida à conservação da biodiversidade, uma vez que existe uma relação intrínseca entre elas, que juntas constituem o Patrimônio Natural da Terra (Brilha, 2005). Metodologias de avaliação e mapeamento da geodiversidade vêm sendo desenvolvidas em vários países, destacando-se as contribuições de Benito- Calvo et al. (2009), Hjort e Luoto (2010), Zwolinski (2010), Pereira et al. (2013), Silva et al. (2013, 2015), Ferreira (2014), Araújo e Pereira (2017), entre outros. O intuito destes mapeamentos é oferecer um novo instrumento de gestão ambiental e territorial, que venha auxiliar na tomada de decisão de seleção de áreas a serem protegidas. No presente estudo a metodologia de Pereira (et al. 2013) foi aplicada ao Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) e sua Zona de Amortecimento. Nesse parque, a principal atração é o Patrimônio Espeleológico, aliado à alta biodiversidade que se desenvolve nessa área com formas e ambientes diferenciados. O PETAR abrange uma área de 35.777,28 ha, distribuídos entre os municípios de Iporanga-SP (25.829,02 ha) e Apiaí-SP (10.048,26 ha), situando-se a 280 km da capital paulista, entre as coordenadas 24º16’25,766”S, 54º43’52,939”W e 24º38’50,060”S, 54º27’55,448”W, sobre o flanco sudeste da Serra de Paranapiacaba. O relevo é predominantemente montanhoso, com recobrimento de solos rasos e ácidos, com cotas altimétricas que variam entre 70 metros (na confluência dos rios Betari, Iporanga e Pilões com o Ribeira do Iguape) e 1.200 metros. Geologicamente, a área apresenta, como peculiaridade, o maior sistema cárstico do país, característica responsável tanto pelo maior atrativo do parque, as cavernas, como pelo interesse de exploração econômica da mineração das rochas carbonáticas pela indústria do cimento. O parque faz parte, ainda, da mais importante área preservada de Mata Atlântica, num contínuo que abrange também outras unidades de conservação, como os parques Intervales, Caverna do Diabo e Carlos Botelho (NAKASHIMA, 2017). Apesar de já se tratar de uma área protegida, a recente aprovação de lei estadual que autorizou a concessão da exploração das unidades de conservação estaduais pela iniciativa privada, pode ser uma grave ameaça à integridade dessas áreas de indiscutível importância ecológica e cultural. NAKASHIMA (2017) discute esse recente processo e questiona as possíveis brechas na legislação que poderiam possibilitar a exploração dos recursos minerais do parque. Uma vez que o turismo no local apresenta um baixo fluxo e as reservas de rochas carbonáticas são muito extensas, é possível que a empresa concessionária tenha mais interesses em promover a exploração dos recursos minerais que as atividades de turismo, que demandariam altos investimentos em infraestrutura para um retorno de longo prazo. Naquele trabalho, o autor demonstra que há uma contradição fundamental no plano de manejo proposto para o PETAR: enquanto os levantamentos geológicos indicam a necessidade da preservação de extensas áreas na Zona de Amortecimento, a fim de evitar que a retirada da vegetação acarrete em alterações na infiltração da água na zonas de recarga dos sistemas cársticos, o levantamento de mineração indica que tal atividade pode ser uma saída interessante para o desenvolvimento socioeconômico de uma região historicamente deprimida.

Material e métodos

Neste trabalho foi utilizada a metodologia de mapeamento dos índices de geodiversidade desenvolvida por Pereira et al. (2013). Esta metodologia busca atribuir pesos a todas as componentes da geodiversidade de maneira equitativa, sem sobrevalorizar um único elemento. No presente trabalho foi produzido um mapa de índices de geodiversidade do PETAR, que resultou da determinação de índices de diversidade em cada quadrícula de um grid com quadrículas de 1 km X 1 km, que foi utilizado para dividir a área de estudo. Para o cálculo do índice de geodiversidade foram usados arquivos em formato shapefile, em escala 1:100.000 disponibilizados pelo Plano Diretor do Parque dos seguintes temas: geologia, geomorfologia, solos e ocorrências minerais. Sobre essas bases temáticas calcularam-se índices parciais, contando o número de ocorrência de cada elemento diferente em cada quadrícula (número de unidades geológicas e geomorfológicas, ordens de solos e recursos minerais). A partir dessa contagem chegou-se a 5 índices parciais: diversidade geológica, diversidade geomorfológica, diversidade pedológica e diversidade de ocorrências minerais. Apesar de sítios paleontológicos serem descritos por Karmann e Ferrari (2002) não há registros precisos de onde se encontram esses sítios, de forma que o sub-índice paleontológico não foi inserido. O shapefile de cavidades (grutas e cavernas) foi acrescentado ao sub-índice geomorfológico, ressaltando a especificidade do relevo local. A hidrografia, também agregada ao índice gemorfológico, contemplou os rios de maior porte representados na escala como polígonos no shapefile de geomorfologia (Rio Riberia e Rio Pardo). Os índices parciais foram somados gerando o índice de geodiversidade atribuído a cada quadrícula. Estes valores permitiram elaboração de um mapa de isolinhas de índices de geodiversidade em escala 1:250.000, com 5 classes: muito baixa, baixa, média, alta e muito alta. Um grande entrave à aplicação da metodologia desenvolvida por Pereira, et al. (2013) é a necessidade de disponibilidade de mapeamentos de todos os temas que compõem a geodiversidade em escalas adequadas. Muitas vezes diferentes escalas de levantamento são utilizadas, o que não ocorreu neste caso, pois o mapeamento elaborado para Plano de Manejo do PETAR foi realizado na escala adequada de análise (1:100.000) para todos os temas, permitindo tornar este mapeamento de índices de geodiversidade um importante instrumento para análise das recentes contradições de gestão e uso que o parque vem passando. Outra vantagem da metodologia é a facilidade de leitura do mapa final, desenvolvido a partir de mapeamentos de difícil leitura para o público leigo, muitas vezes, o caso de tomadores de decisão relativas ao uso de determinados espaços. O mapeamento foi realizado utilizando o software ArcGis 9.3, por meio dos procedimentos descritos detalhadamente em Silva et al. (2013).

Resultado e discussão

A partir da metodologia utilizada para o mapeamento dos índices de geodiversidade do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Figura 1), baseada na contagem dos componentes da geodiversidade, chegou-se aos seguintes sub-índices: Índice de diversidade geológica: este índice apresentou variação de 1 a 5, sendo que os maiores índices ocorrem fora do parque, imediatamente à oeste do limite da unidade. A geologia local apresenta uma disposição em faixas alongadas orientadas no sentido SW-NE, denominadas “faixas de dobramentos Ribeira”, situada na porção central da Província Mantiqueira (Almeida, 1977). Essa situação regional explica a disposição da litologia local e ainda os diques de diabásio, que cortam as estruturas no sentido SE-NW. Os índices mais elevados de diversidade geológica estão relacionados às unidades de terreno denominadas “montanhosos e escarpados” e “morrotes” (Fundação Florestal, 2010; Nakashima, 2017). Os tipos litológicos predominantes nessas unidades são os meta-arenitos, quartzitos, meta brechas e metassiltitos, entremeados, no sentido SW-NE por carbonato-xistos, carbonato-filitos e meta pelitos. Nesses terrenos, localizados na Zona de Amortecimento, estão as mais importantes zonas de recarga dos sistemas cársticos internos ao PETAR, de forma que há grande preocupação com a preservação da vegetação dessas áreas, uma vez que a retirada da floresta pode acarretar alteração das taxas de infiltração, comprometendo os frágeis ambientes espeleológicos. Na área interna ao parque, os maiores índices também correspondem aos terrenos montanhosos e escarpados e, da mesma forma, constituem as maiores áreas de recarga dos sistemas cársticos, sendo as unidades de maior fragilidade ambiental. Índice de diversidade geomorfológica: este índice apresentou variação entre 1 e 7, sendo que os valores mais elevados se concentram à sudeste do parque, seguindo o curso do rio Ribeira do Iguape, bordeando o limite oeste da unidade de terreno “montanhas e escarpas” (Nakashima, 2017). Dentro da área do PETAR, é também nessa unidade que encontramos os maiores índices de diversidade. Os tipos de relevo encontrados nesta unidade são montanhas e morros (à sudeste do parque) e cristas e escarpas, dentro do PETAR. Do ponto de vista da paisagem, a unidade de terreno “montanhas e escarpas” é a feição mais reconhecível do PETAR (Figura 2), uma vez que as feições cársticas raramente se revelam de forma muito exuberante na superfície, com algumas notáveis exceções, como a entrada da caverna Casa de Pedra, feição exaltada localmente como “o maior portal de caverna do mundo”, ostentando 230 metros de altura. Essa unidade de terreno apresenta, além dos maiores índices de diversidade geomorfológica, os maiores índices de fragilidade ambiental, estando relacionados a problemas como escorregamentos de terra. Índice de diversidade pedológica: este índice apresentou variação de 1 a 6, sendo que índices mais elevados se localizam na Zona de Amortecimento do PETAR, margeando o limite oeste do parque. Essa zona de maior diversidade corresponde, segundo NAKASHIMA (2017), à unidade de terreno “morrotes”. Predominam nesses terrenos os Cambissolos, Argissolos e Latossolos. Como as duas últimas classes são as que apresentam maior aptidão para as atividades agrícolas, são justamente as mais degradadas da zona de amortecimento – cerca de 25% destes terrenos estão ocupados por agricultura, campos antrópicos ou áreas de reflorestamento. Observa-se que nessas áreas, os solos favoráveis são responsáveis por “intrusões” de atividades antrópicas em áreas de vegetação primária, fenômeno raro nas outras unidades de terreno. Dentro do parque, as maiores diversidades pedológicas estão relacionadas aos terrenos montanhosos e escarpados, onde predominam Neossolos litólicos e Cambissolos sob vegetação primária ou secundária. Índice de Geodiversidade (figura 3): o índice de geodiversidade varia entre 3 e 13. O hotspot da geodiversidade ocorre na Zona de Amortecimento do PETAR, na faixa oeste, ao longo do curso do rio Ribeira do Iguape e também na porção sul do PETAR. Podemos afirmar, portanto, que os maiores índices de geodiversidade estão relacionados aos terrenos montanhosos e escarpados.

Figura 1

Mapa de localização da área de estudos Fonte: NAKASHIMA (2017)

Figura 2

Terrenos montanhosos e escarpados da borda oeste do PETAR

Figura 3

Mapa de Índices de Geodiversidade do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) e sua Zona de Amortecimento

Considerações Finais

O conceito de geodiversidade vem se fixando, no meio acadêmico, como uma ferramenta de análise, capaz de trazer importantes contribuições para os agentes e instituições responsáveis pelo planejamento e gestão dos territórios. Trata-se de uma metodologia de fácil aplicação e interpretação, com precisão equivalente ao nível de detalhamento das escalas de levantamentos temáticos. O mapa aqui apresentado evidencia que as áreas com os maiores índices de geodiversidade são também aquelas em que a fragilidade ambiental é maior. Como o grande vetor de pressão ambiental da região é o das grandes mineradoras e as áreas de interesse de exploração coincidem com a zona de amortecimento do PETAR, é importante levar em consideração que eventuais conflitos de interesses possam ter permeado o plano de manejo proposto. Tendo em vista que as recomendações do plano de manejo são contraditórias e dizem respeito, justamente, à Zona de Amortecimento do parque, acreditamos que este trabalho contribui para a argumentação de que os terrenos montanhosos e escarpados devem ter a sua proteção ampliada, não apenas em função de sua alta fragilidade ambiental, mas também por conta de se tratar de uma área com geodiversidade ainda maior que aquela encontrada dentro da área do PETAR.

Agradecimentos

Referências

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