Autores

Gonzalez, D. (UERJ) ; Costa, A. (UERJ)

Resumo

O trabalho analisa a vivência de alunos de Ensino Médio, da rede estadual de ensino do município de Nova Friburgo (RJ), a partir da ocorrência de um evento extremo em 2011, com deslizamentos e enchentes e/ou inundações. O ponto de partida foi a percepção de risco dos alunos que vivenciaram esse megadesastre, além de relatos de pessoas de seus convívios.Tais procedimentos objetivaram a elaboração do mapa de percepção de risco de deslizamentos e inundações.Os pontos de risco percebidos e identificados pelos alunos foram sobrepostos aos identificados por órgãos públicos, através da justaposição dos dados georreferrenciados, os quais foram posteriormente analisados e comparados. Como resultado, foi verificado que os pontos identificados pelos alunos coincidiram com aqueles identificados pelos mapeamentos elaborados pelos órgãos de governo. Assim, conclui-se que a Geografia Física, inclusive na educação básica, pode contribuir em medidas de prevenção aos desastres naturais.

Palavras chaves

Desastre Natural; Percepção de risco; Ensino de Geografia

Introdução

Na região serrana do estado do Rio de Janeiro, ocorreu em 2011 o maior evento catastrófico de origem natural do Brasil, ou megadesastre(DRM-RJ, 2011),sendo que no município de Nova Friburgo ocorreu o maior número de óbitos. Para Castro, p. 2 apud Sausen, 2015. p. 25, os desastres são “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”. Eventos extremos de natureza climática, geológica e geomorfológica,sempre ocorreram em diferentes partes do planeta. No entanto, as condições de fragilidade ambiental e/ou socioeconômica expõem determinadas populações a um risco maior. Em muitas regiões, onde predomina a ocupação por população de baixa renda – que sofre com a falta de informações a respeito de risco ambiental–estes eventos se repetem, provocando várias mortes. Para Veyret (2013 p.11)o risco é “ a percepção do perigo da catástrofe possível” ... “ não há risco sem uma população ou indivíduo que o perceba e que poderia sofrer seus efeitos” ...” é a tradução de uma ameaça, de um perigo para aquele que está sujeito a ele e o percebe como tal.Os riscos, hoje,podem se decompor em riscos naturais (tais como áleas ou perigos vulcânicos, sísmicos, movimento de massa e inundações) e em riscos naturais agravados por certas práticas antrópica,tais como a erosão do solo, desertificação, desmatamento, poluição e etc.Os riscos ambientais são “uma associação entre os riscos então decorrentes de processos naturais agravados pela atividade humana” (Veyret. 2013. p 63). Este aspecto, é acelerado em locais onde ocorre ocupação territorial desordenada e irregular pela população. Cada indivíduo ou grupo de indivíduos é passível de sofrer uma ocorrência de um álea ou perigo. Os danos potenciais que podem afetar esta população ou ecossistema são mensurados a partir da vulnerabilidade dos mesmos, ou seja, “o grau das consequências previsíveis geradas por um fenômeno natural e que podem afetar o alvo”(Veyret. 2013. p.39). A vulnerabilidade “coloca em jogo aspectos físicos, ambientais, técnicos, dados econômicos, psicológicos, sociais e políticos”.(Veyret. 2013. P. 40.Para Castro, et. al 1999 apud Sausen (2015) “a intensidade de um desastre depende da interação entre a magnitude do evento adverso e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor afetado".A escola, como parte indispensável na formação do indivíduo/cidadão, pode incorporar ao seu currículo os avanços do conhecimento e das técnicas do setor acadêmico, com as devidas adaptações.O presente artigo faz uma análise de como a Geografia Física, através principalmente do estudo da geomorfologia (com o movimento de massa), assim como o estudo das enchentes e/ ou inundações, pode contribuir como uma medida n~~ao estrutural (de prevenção ou mitigação), frente aos desastres naturais, junto aos alunos da educação básica. Neste contexto, observamos a importância da geomorfologia na análise da evolução das formas de relevo e da paisagem atual a qual “procura compreender a evolução temporal do relevo por meio da atividade dos agentes e processos morfogenéticos, tendo em vista a escala de atuação dos processos físicos, químicos e biológicos, bem como a intervenção humana na dinâmica da paisagem”(GUERRA; JORGE, 2013.p.31). Neste artigo temos como objetivo geral analisar a percepção de risco da população dos alunos do 1º ano do Ensino Médio de duas escolas da rede estadual de ensino de Nova Friburgo (RJ), após o desastre de janeiro de 2011, visando uma medida de prevenção e mitigação ao desastre e ONU (Organização das Nações Unidas)(Sausen, 2013).Na análise da percepção de risco dos alunos,ocorreu o domínio dos conteúdos de Geografia Física e a introdução das geotecnologias, com o uso do aplicativo gratuito via internet-Google Earth,assim como a análise da percepção de risco dos alunos em relação às áreas de risco, com os dados oficiais das mesmas.

Material e métodos

A pesquisa é classificada como pesquisa exploratória, segundo Gil (2014, p.27),pois foram levantadas pesquisas bibliográficas enfatizando temas como desastre natural, percepção de risco,áreas de risco, vulnerabilidade, geomorfologia, assim como medidas não estruturais de prevenção ao desastre e do levantamento documental. Ao mesmo tempo, aplicou-se o método quantitativo a partir do momento que se utilizou a quantificação na modalidade de coleta de dados ou tratamento das mesmas através de estatísticas simples como a de percentual (Pereira, 2012). O tipo de observação da pesquisa foi observação participante artificial (Lakatos & Marconi, 2010, p.177),na medida em que o pesquisador integrou-se ao grupo com a finalidade de obter informações. Após a pesquisa bibliográfica e documental partiu-se para a etapa de identificação de pontos de risco a escorregamentos e enchentes e/ou inundações em duas turmas do 1º ano do Ensino Médio de dois colégios estaduais no município de Nova Friburgo (RJ) nos anos letivos de 2014 e 2015, num total de 240 alunos em oito turmas. Para a identificação de pontos de risco e posterior elaboração do mapa, foi realizada em sala de aula a explicação pelo professor-pesquisador em um total de quatro tempos da disciplina Geografia, com uso de aparelho multimídia e acesso à "internet". O intuito era que os alunos pudessem compreender o manuseio do aplicativo "Google Earth". Este, foi adquirido gratuitamente via "internet" que disponibiliza ao usuário imagens de um conjunto de satélites, com boa resolução espacial (um metro). Estes mapas de área de risco a escorregamentos e inundações elaborados pelos alunos foram realizados a partir do reconhecimento do seu meio e do cotidiano dos mesmos através da imagem do satélite no "Google". As ferramentas do "Google Earth",como a aquisição do perfil topográfico, foram utilizadas para se obter a observação do grau de inclinação das encostas;assim como a ferramenta chamada "Street View", para que os mesmos pudessem “caminhar” no local de reconhecimento ou mesmo identificá-los.As áreas de risco foram marcadas com polígono, linhas ou apontador e, com isto, a captura das coordenadas geográficas. Estas foram tabuladas em graus, minutos e segundos, elaborando-se uma tabela na planilha do "Excel". Cada ponto marcado pelos alunos foi um ponto de risco a escorregamento ou à inundação. A seguir, os alunos salvaram as imagens com as marcações das cinco áreas de risco e suas devidas coordenadas geográficas, além da exposição dos motivos que os levaram a considerarem-nas como áreas de risco. A elaboração do mapa de área de risco foi feita em computador próprio ou em casas comerciais ou mesmo de terceiros, visto que a sala de informática dos colégios possuía em média, meia dúzia de computadores operantes. Por tais motivos, o mapeamento foi dividido em grupos de, no máximo, 4 alunos, sendo entregue aos cuidados do professor/pesquisador por correio eletrônico da biblioteca das referidas escolas como uma avaliação bimestral. Através da ferramenta "join" no "software" Arc Gis 10.0,esta tabela do "Excel" foi convertida no formato "shapefile",formando pontos de risco a escorregamentos e inundações no mapa do município de Nova Friburgo, com divisão em distritos e tendo como base uma imagem de satélite Alos AVNIR-II(2009).Os Mapas de Percepção de risco a escorregamentos/inundações dos alunos dos anos de 2014, assim como os de 2015 foram semelhantes logo neste artigo foi colocado somente dados de 2015. Com as coordenadas geográficas dos alunos retiradas do aplicativo "Google Earth" dos pontos de risco a escorregamentos e inundações, foi feita a interpolação dos pontos de risco elaborados pela prefeitura (PMNF-Regea, 2013).No total, foram adquiridos 132 pontos de risco a escorregamento e 3 áreas de risco a inundações oficiais, tendo novamente como base uma imagem de satélite Alos AVNIR-II(2009) e divisão do município de Nova Friburgo em distritos utilizando o Arc Gis 10.0

Resultado e discussão

Análises dos trabalhos dos alunos no Google Earth A identificação dos pontos de risco a escorregamentos e inundações foi feita com turmas dos anos letivos de 2014 e de 2015. O exemplo a seguir é um dos trabalhos de um grupo de alunos da turma 1001 do colégio do distrito sede. Na figura 1, temos o uso do marcador apontador para a área de risco em amarelo, com a identificação posterior das coordenadas geográficas. Cada grupo elaborou um relatório, com as observações da hidrografia, geomorfologia, cartografia e utilização do sensoriamento remoto (análise com as imagens de satélites) com o aplicativo "Google Earth". Na figura 2, foi observada pelos alunos,a precariedade das construções numa área de declividade acentuada em um dos relatórios coletados. Alguns alunos observaram também em campo as áreas de risco: “Área de Risco 3- Localizada na rua Zelina Erthal na comunidade do Rui Sanglard, pode-se ver pelo menos 5 residências amontoadas, em uma área de grande declividade.” Nestes relatórios elaborados como atividade de avaliação bimestral, foram feitas análises pelos alunos, de acordo com a percepção de áreas de risco. No "Google Earth", houve a captação da imagem do satélite (sensoriamento remoto) e utilização da ferramenta marcador apontador assim como o uso da ferramenta "Street View" deste aplicativo.No desenvolvimento da pesquisa junto aos alunos,houve o estudo da geomorfologia através da observação das encostas e margens dos rios ocupadas irregularmente. Análise dos mapas de área de risco Após coleta dos pontos de riscos oficiais na Prefeitura Municipal de Nova Friburgo, foi observado que a maioria dos seus pontos de risco a escorregamentos e inundações se localizam em áreas urbanas. Cabe lembrar que o estudo da Prefeitura Municipal não abrangeu todo o município de Nova Friburgo, ficando restrito aos locais onde houve um maior número de escorregamentos e inundações em janeiro de 2011, ou seja, foi baseado na observação das cicatrizes de escorregamento/deslizamento e áreas de enchentes/inundações que provocaram um grande número de vítimas fatais no megadesastre na região serrana. Na análise da junção dos pontos de riscos, o que se pôde observar é que os pontos de percepção dos alunos coincidiram entre os diferentes anos, ou seja, de 2014 e 2015. A pesquisa foi feita em dois anos consecutivos para maior coleta de amostras e validação das mesmas. Ao mesmo tempo,a maioria dos pontos de risco dos alunos coincidiram com os pontos de risco oficiais como demonstra as figuras 3 e 4 a seguir.Nestas figuras, pudemos observar que ocorreu a concentração dos pontos oficiais da prefeitura (PMNF-Regea,2013), como também dos alunos no distrito sede, ou seja, na área mais urbanizada do município.Entretanto, no distrito mais rural, os pontos se mostraram distribuídos de forma mais equilibrada entre a área central do município e próximo ao local de vivência dos alunos.Os pontos em vermelho são da prefeitura (PMNF-Regea2013) e os pontos em verde são os percebidos pelos alunos. Os pontos de risco a inundações da PMNF foram poucos, assim como os pontos de inundações percebidos pelos alunos. Estas observações foram feitas nos dois anos consecutivos (2014 e 2015). Entretanto, para o presente artigo, foram colocadas as figuras do ano letivo de 2015 tanto dos alunos do distrito sede, quanto para os alunos do distrito de características mais rurais (Mury). Este, é cercado com vegetação de Mata Atlântica por estar próximo a APA (Área de Proteção Ambiental) de Macaé de Cima. O propósito de tal procedimento foi devido ao fato das observações dos alunos nos dois anos letivos consecutivos serem quase as mesmas. O número de pontos de risco percebidos pelos alunos foi maior, devido ao fato de analisarem sobre uma escala maior, ou seja, mais próximo da realidade dos mesmos e com maior precisão do local de sua vivência. Nesta comparação,pôde-se observar que, a maioria dos pontos de riscos a escorregamentos e inundações dos alunos, coincidiram com os da prefeitura, porém, foram encontradas certas particularidades devido à vivência dos mesmos. Tal fato demonstrou o quanto o local, ou seja, o lugar, a área de vivência da população, influencia na percepção e análise dos eventos. Os pontos de risco dos alunos do distrito sede coincidiram mais com os dados oficiais devido ao fato dos mesmos habitarem na área central do município, onde houve a maior incidência dos deslizamentos e enchentes,assim como um número de óbitos maior devido à maior concentração populacional nesta área, por ser a área urbana central.


Área de risco pontuada por um grupo de alunos no "Google Earth"

Figura 2

Utilização da ferramenta do "Street View" do "Google Earth" para descrição de área de risco.

figura 3

Mapa de Percepção de risco dos alunos do distrito sede

Figura 4

Mapa de Percepção de risco dos alunos do distrito de Mury–área rural

Considerações Finais

Nesta análise de percepção de risco, um dos procedimentos foi a utilização da ferramenta das geotecnologias através do uso do aplicativo "Google Earth". Com este aplicativo, os alunos puderam se aproximar da realidade em que vivem por meio do manuseio das imagens de satélites com alta resoluçção espacial. Este trabalho funcionou como material de apoio pedagógico e motivacional para as aulas de Geografia, assim como uma proposta de prevenção a escorregamentos e inundações que muito ocorrem neste município. Em relação aos mapas de percepção de risco a escorregamento e inundações, foi nítida a correspondência de muitos pontos de risco dos alunos com os pontos da prefeitura. No caso dos alunos, percebemos a inclusão de pontos de riscos próximos ao local da vivência dos mesmos. Temos assim um trabalho numa abrangência de escala maior, possibilitando assim uma melhor análise. Muitos pontos da prefeitura só envolveram os locais onde aconteceram as maiores ocorrências em 2011. Assim, pontuamos a importância de se observar também a percepção de risco dos moradores, pois os mapeamentos de áreas suscetíveis ao risco ficam muito restritos aos pontos elaborados pelos técnicos dos órgãos oficiais.Ao mesmo tempo, deixa-se uma proposta de metodologia de ensino da Geografia Física e, no caso específico o estudo da Geomorfologia, como medida não estrutural de prevenção e mitigação de risco aos desastres naturais para a população mais vulnerável como crianças e adolescentes.

Agradecimentos

Referências

BRASIL. (2012). Ministério da Integração Nacional. Secretaria Nacional de Defesa Civil. Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres.Anuário brasileiro de desastres naturais: 2012 / Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres. - Brasília:CENAD.84 p.: il. color.; 30 cm. Disponível em: http://www.integracao.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=f22ccccd-281a-4b72-84b3-6 654002cff1e6&groupId=185960. Acesso em: 01 jul. 2014.


BRASIL.(1999). Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ministério da Educação. Secretaria de Educação. Média e Tecnológica. Brasília.

CASTRO, Antonio Luiz Coimbra. Glossário de defesa civil estudos de riscos e medicina de desastres. Minstério do Planejamento e Orçamento. Secretaria Especial de Políticas regionais.departamento de Defesa Civil. 2ª Edição. Revista Ampliada.1998. Disponível em:http://www.defesacivil.mg.gov.br/conteudo/arquivos/manuais/Manuais-de-Defesa-Civil/GLOSSARIO-Dicionario-Defesa-Civil.pdf Acesso em: 05 ju. 2014.

DRM-RJ. SERVIÇO GEOLÓGICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.MEGADESASTRE DA SERRA JAN 2011 Disponível em: < www.drm.rj.gov.br/index.php/.../13-regio-serrana?...48%3Amegadesastre-da...2011...> Acesso em: 10 ago 2013.

GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. 6 reimpr. São Paulo. Atlas. 2014.p.8-18 e 121-124.
GUERRA, A. T; JORGE, M.C.O (Orgs).Processos erosivos e recuperação de áreas degradadas. Oficina deTextos. São Paulo. 2013.
LAKATOS, E. M; MARCONI, M. A. Fundamentos da Metodologia Científica.7.ed.São Paulo.Atlas.2010.p.184 a 193.
PEREIRA, M.J. Manual da Metodologia da pesquisa científica. 3.ed. São Paulo. Atlas. 2012.
PMNF(PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA FRIBURGO- Sec. Mun. de Meio Ambiente)-REGEA- Geologia e Estudos Ambientais. Programa “Apoio à prevenção e erradicação de riscos em assentamentos precários”.Plano Municipal de redução de riscos. Relatório da etapa 2. Elaboração da revisão do plano municipal de redução de riscos .2013.

SAUSEN, Tania Maria.(2013). “Desastre Zero-Mapa de risco em sala de aula com o auxílio do Google Earth”. Anais XVI Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto – SBSR., Foz do Iguaçu, PR.13 a 18 de abril.Disponível em: http://marte2.sid.inpe.br/rep/dpi.inpe.br/marte2/2013/05.28.22.47.51. Acesso em: 20 jul. 2014.

SAUSEN, T; LACRUZ, M.S.P.Org. Sensoriamento Remoto para Desastres. São Paulo. Oficina de Textos. 2015.

VEYRET, I. Riscos: O homem como agressor e vítima do meio ambiente - São Paulo:.Contexto. 1ª Edição. 2007.