Autores

Brizzi, R.R. (IFRJ) ; Souza, A.P. (UERJ/FEBF) ; Santos, P.S. (IBGE) ; Kelly, S.C. (UERJ) ; Costa, A.J.S.T. (UERJ)

Resumo

O ensino de geomorfologia deve ser priorizado nos cursos de formação de professores e no ensino básico, uma vez que permite a análise do espaço geográfico e a compreensão dos condicionantes dos processos de organização das sociedades. Logo, pode-se dizer que recursos didáticos que priorizem a relação ensino- aprendizado na geomorfologia são fundamentais. Nesse sentido, os avanços das geotecnologias têm corroborado como facilitador do ensino, um exemplo é o desenvolvimento e uso dos mapas anaglífos. A metodologia do trabalho contou com utilização de softwares como o ERDAS, Global Mapper e ArcGis para a confecção dos anaglifos, que foram aplicados na disciplina de geomorfologia com futuros docentes. Os resultados se mostraram satisfatório, pois grande percentual dos licenciandos alegaram que os mapas facilitam o aprendizado dos parâmetros geomorfológicos, além de afirmarem a intenção de usarem com seus alunos no ensino básico, tornando a geomorfologia mais atrativa no ensino.

Palavras chaves

Anaglifos; ensino de geomorfologia; geotecnologias

Introdução

Cada vez mais se torna primordial a busca de novas metodologias e formas de ensino-aprendizagem na geografia, principalmente no contexto da formação do docente, que visa a compreensão da relação homem-natureza, a qual é um grande desafio, pois é refletir sobre seus aspectos humanos e naturais. Logo, para Castro e Silva (2014) a geomorfologia é uma das primordiais áreas de conhecimento da geografia, pois estuda e compreende o relevo no stricto sensu, a reprodução da sociedade e de suas atividades, desde a exploração de recursos naturais, as ocupações urbanas, até os processos erosivos, enchentes, movimentos de massa, entre outros.Além disso, Suertgaray (2002) afirma que em grande maioria os geógrafos consideram o relevo um constituinte da paisagem geográfica. Entretanto, o ensino de Geomorfologia ainda é pouco explorado no contexto de pesquisas, pois conforme Oliveira e Nuves (2011), poucos são os trabalhos que se dedicam sua discussão, o que geram deficiências na formação dos cursos de licenciatura, acarretando na fragmentação e desarticulação entre os diversos temas discutidos na geografia. E os mesmos ressaltam a preocupação com pesquisas que se referem a reduzida proporção de propostas metodológicas que contemplem didaticamente os objetivos do processo de ensino-aprendizagem no ensino de geomorfologia. E Venturi (2008) reafirma, quando enfatiza que é notório que os discentes, do ensino superior, têm grandes dificuldades de se apropriar dos conhecimentos geomorfológicos e relacioná-los à geografia escolar, uma vez que essa é de cunho predominantemente crítica. Predominância que deve ser contraposta, quando se afirma a importância do estudo do relevo, pois deve ser defendido pelo seu significado no condicionamento dos processos de organização geográfica das sociedades humanas, assim como pelas contribuições que podem ser fornecidas a partir daí para o reconhecimento mais substantivo do espaço vivido (SUERTEGARAY, 2000). Pontuschka, et al. (2007) dispõem que o uso de recursos didáticos em sala de aula permitem não somente o estímulo para uma maior participação e interação dos alunos, mas também dos próprios professores, constituindo-se assim parte do procedimento de construção da aprendizagem. É importante que os professores em seu processo formativo, sobretudo inicial, pesquisem como são produzidos os conhecimentos por eles ensinados, mas deve se considerar, que disciplinas nos cursos de formação estimulem essa pesquisa. Logo, conforme Armstrong (2008) o desenvolvimento de metodologias que possibilitem o conhecimento científico é fundamental, pois “cabe ao professor o papel de estabelecer critérios e estratégias pedagógicas, como forma de orientar [...] fatos ou fenômenos estudados em sala de aula”. Nesse sentido o educador deve integrar a tecnologia à educação escolar elevando o nível de qualidade do ensino. Isto é, mas os cursos de formação de professores devem dar suporte, ensinar e estimular o uso cada vez maior das geotecnologias, possibilitando que o professor tenha uma arcabouço teórico-prático que o encoraje as tecnologias nas práticas de sua docência. Um exemplo é o uso da geotecnologia é o da técnica anaglifo, pois é uma das inúmeras técnicas usadas para a observação em três dimensões (3D) de duas fotografias (aéreas ou terrestres) ou de dois desenhos que possuem recobrimento comum, que apesar de ser uma técnica antiga vem sendo crescente e motivado principalmente pelos avanços de hardware e software (Disperati & Schuler, 2010). E passou a ser difundida nos últimos anos principalmente nos cinemas, mas que também vem alcançando o espaço educacional, com grande potencialidade de uso. Desta forma, propõe-se o uso de mapas anaglifos, como recurso didático, na construção do conhecimento geomorfológico para os discentes do curso de licenciatura em geografia.

Material e métodos

A metodologia usada na geração dos anaglifos contou com a utilização de softwares privados como o ERDAS-Image, Global Mapper 15 e ArcGis 10.2.2, Todos licenciados para o IBGE/Parada de Lucas/RJ. Foi necessária a utilização de arquivos no formato raster e vetorial, como o Modelo Digital de Terreno (MDT), Ortofotos (ambos compatíveis com a escala de 1.25.000, disponível no site do IBGE), e a carta topográfica do “Morro são João” (na escala de 1.50.000 – com Projeção Universal Transversa de Mercartor e Datum horizontal “Corrego Alegrem MG” ), respectivamente. Após a sobreposição de camadas no software global mapper, foi exportada uma imagem final no formato “img”. Antes de gerar a imagem com perspectiva tridimensional, é preciso mosaicar e exportar o MDT na extensão “X.Y.Z”, sendo necessário trocar para a extensão “DAT” (extensão reconhecida pelo ERDAS – ambos arquivos de leitura). Posteriormente é inserido o MDT e a Ortofoto (ambos no formato “img”) no software ERDAS-Image, que gera a imagem no formato tridimensional. Antes da fusão das imagens é necessário escolher o exagero vertical do modelo (ou seja, exagerar o relevo para melhor visualização das formas geomorfológicas) e a composição de cores para posterior visualização com o óculos anaglífico nas cores vermelho (esquerdo) e azul (direito) – que retratam o plano de vôo. Por fim, é gerado um layout final no software ArcGis 10.2.2 que irá caracterizar o mapa em 3D na escala desejada. Ressalta-se que o método baseia-se em princípios aerofotogramétricos que dão base para o entendimento da paralaxe estereoscópica, onde através sobreposição de duas imagens sob perspectivas ortogonais diferentes é possível gerar uma imagem tridimensional (DISPERATI; SCHULER, 2010). Existem outras formas de visualização do espaço-objeto de forma tridimensional, como o estereoscópio de bolso, espelhos e o polarizado. Entretanto, foi utilizado o óculos anaglífico que representa, junto com as cores correspondentes das duas imagens (vermelho e azul), o plano de vôo aerofotogramétrico. Ou seja, a sobreposição das imagens em perspectivas ortogonais diferentes sobre um mesmo objeto mapeado. Os mapas anaglifos foram utilizados com a turma do terceiro período (2016.1) do curso de licenciatura em Geografia, da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/UERJ, na disciplina de Processos Geomorfológicos I. O programa da disciplina trabalha as perspectiva geométrica/morfométrica das formas de relevo, levando ao aluno, por exemplo, a compreensão da bacia hidrográfica, da visão em planta; visão em perfil; formas básicas de encostas, topos, vales; elementos geométricos e geomórficos de cabeceiras de drenagem; morfometria de cabeceiras. Para tal foram utilizados os mapas anaglifos e também cartas topográficas, após análises geomorfológicas os alunos as relacionam com diferentes possibilidades de uso do solo e da água na bacia hidrográfica. Além disso, também foi pedido aos alunos que se fizessem o levantamento de conceitos geomorfológicos nos livros didáticos do 2o ciclo do ensino fundamental, com o propósito de despertar o olhar docente para o uso de uma das suas ferramentas didáticas. Ressalta-se que os mapas anaglifos são utilizados no curso de licenciatura em Geografia, da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/UERJ, na disciplina de Processos Geomorfológicos I. O programa da disciplina trabalha as perspectivas geométrica/morfométrica das formas de relevo, levando ao aluno, por exemplo, a compreensão das formas geomorfológicas, além das bacias hidrográficas, da visão em planta; visão em perfil; aspectos morfométricos, entre outros. Para tal são utilizados os mapas anaglifos e também cartas topográficas; Ao término do semestre é realizado um levantamento sobre as potencialidade e limitações do uso dos diferentes recursos didáticos, mas com ênfase no uso de mapas 3D como facilitadores do ensino.

Resultado e discussão

O trabalho em questão, conforme exposto anteriormente, propõe o uso de mapas anaglíficos, como material didático, na construção do conhecimento geomorfológico para discentes do curso de licenciatura em geografia. Na disciplina de Processos Geomorfológicos I, um dos conteúdos abordados é a visão em planta e perfil do relevo, além do estudo dos padrões de drenagem, de grande importância uma vez que são influenciados por variáveis climáticas e litológicas, logo a relação com o conhecimento de outras disciplinas permite uma melhor interpretação. Em primeiro instante são apresentados aos discentes o plano de vôo que embasa a metodologia para a construção desses mapas (figura 1). Em seguida, são apresentados os níveis de abordagem da representação geomorfológica na disciplina, os quais são: morfométrico, morfográfico, morfogenético e morfocronológico. Em segundo instante a disciplina trabalha conceitos fundamentais para a geomorfologia como a bacia hidrográfica, rede hidrográfica, tipos e padrões, hierarquia, propriedades e anomalias. Desta forma, os discentes iniciam o contato com diferentes cartas topográficas, posteriormente são escolhidas para trabalhos de morfometria as cartas na escala de 1:50.000. Já no ano de 2016, como comparação do emprego de metodologias no ensino de geomorfologia, utilizou-se a carta exemplificada na Figura 2 e o mapa anaglífo da Figura 3. Sendo assim, foi trabalhada, com discentes, a carta topográfica de Morro de São João, na mesma, foi pedida a delimitação dos divisores topográficos, formas côncavas e convexas da encosta, que identificassem a drenagem e seus padrões, entre outros. Embora seja uma carta de fácil leitura e interpretação, a grande maioria dos discentes tiveram dificuldades, tanto na delimitação dos divisores, quanto na identificação do padrão de drenagem. Posteriormente, foi apresentado o mapa anaglifo da mesma área apresentada anteriormente e com o mesmo exercício pedido, conforme figura 3, entretanto, as dificuldades anteriormente expostas não surgiram por grande parte dos alunos. Ao avaliar os relatórios finais, do trabalho da disciplina, como uso da carta e do anaglífo, pode-se dizer que os objetivos gerais da disciplina foram alcançados, entretanto, os discentes indicaram que a última técnica facilitou não somente o aprendizado, mas também possibilitou a melhor relação da disciplina com a geologia, numa vez que identificaram diretamente o padrão de drenagem anelar influenciado pela estrutura geológica da área, evidenciando este como o fator mais importante. Os mapas anaglifos, a partir da visão 3D, auxiliaram também na visualização e compreensão direta dos divisores topográficos. Outra questão sinalizada pelos discentes foi à visão da superfície de forma descontínua. Ao término do exercício algumas indagações foram realizadas em relação ao uso da técnica na disciplina. E todos os discentes afirmaram nunca ter utilizado a técnica na aprendizagem de geomorfologia ou outra disciplina, quase que a totalidade afirmou interagir muito bem com a técnica em questão, e mencionaram que a metodologia aplicada em muito auxiliou na superação de dificuldades, que facilitou o processo de ensino aprendizagem, o mesmo foi encontrado nos trabalhos de Santos e Dias (2011) e de PIRES, et. al. (2016). Destaca-se que todos os alunos além de se interessarem pela técnica registraram que se o mapa fosse acessível tanto impresso como de forma digital, facilitaria a utilização com seus alunos ou futuros alunos. Nota-se que em torno de 10% dos discentes têm certa dificuldade em visualizar as imagens tridimensionais, com os óculos 3D, talvez seja por falta de prática na utilização dessa técnica ou por alguma “imperfeição” oftalmológica, o que gera uma desvantagem no seu uso. E ainda expuseram de forma critica o não uso de mapas anaglífos nos livros, o que tornaria esses mais atrativos, tanto no ensino superior, como no ensino básico.

Figura 1 -

PLano de vôo aerofotogramétrico com sobreposição de imagens que retrata o espaço-objeto de forma tridimensional a partir do ângulo de paralaxe

Figura 2 -

Exemplo de parte da Carta Morro de São João, trabalhada na disciplina de Processos Geomorfológicos I, onde é analisado o padrão de drenagem.

Figura 3 -

Mapa Anaglífico do Morro São João utilizado para trabalhos de morfometria na disciplina de Processos Geomorfológicos I.

Considerações Finais

A utilização de geotecnologias, principalmente, com o uso de técnica de mapas anaglíficos (imagens tridimensionais) como recurso didático para os discentes de licenciatura, futuros professores, mostrou-se facilitadora da aprendizagem na disciplina de geomorfologia, os discentes como um todo demostraram alcançar os objetivos da disciplina da melhor forma após o uso do material, além de afirmarem o potencial de uso com alunos do ensino fundamental e médio, e que gostariam de ter tido contato quando alunos do ensino básico. Alguns apontaram a questão de não conseguirem obter a visão de forma tridimensional, mas afirmaram o interesse pelo uso quando forem lecionar. Desta forma, é possível concluir que esta metodologia pode ser implantada, tanto no processo de ensino-aprendizagem quanto nas pesquisas geomorfológicas e ambientais.

Agradecimentos

Ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - Parada de Lucas) pela possibilidade de desenvolvimento deste trabalho dentro de suas instalações, como a utilização de Hardwares e Softwares privados e a plotagem de mapas em alta resolução no formato A0, assim como, a possibilidade de atuação de discentes como estagiários.

Referências

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